P.O.V. America.

Eu não devia ter feito aquilo. Eu fiquei sentada no banco do jardim, pensando naquilo, revivendo aquele momento. Então, eu fui correndo floresta á dentro e eu assassinei um monte de árvores.

Com aquela quantidade absurda massiva de energia. Era uma energia laranja que destroçou tudo que estava no caminho.

—Agora me sinto melhor.

Voltei ao jardim e novamente sentei-me no banco. Mas, eu não conseguia ficar parada lá, ficar lá me deixava pior, então fui perambular. Andar para tentar gastar energia.

E eu ouvi barulho de lâminas batendo. Ouvi a voz do Aspen, então como nos conhecíamos desde criança eu entrei correndo e sem bater. Erro.

Porque o Príncipe estava lá e estavam os dois suados e sem camisa.

—Sinto muito. Eu devia ter... batido.

—É, deveria e não deveria andar por ai de calças.

—Eu to me lixando pra isso. Porque os homens não saem por ai de vestido?

P.O.V. Maxon.

Como pode alguém ir duma expressão de surpresa, para tímida e fofa, para enfurecida em uma fração de segundo? E ela deu uma resposta atravessada.

—Você está bem?

Perguntou o soldado.

—Realmente quer uma resposta honesta?

—Quero.

—Não. Eu não sei o que está acontecendo comigo! Posso ouvir os pensamentos dos outros! Fazer as coisas se moverem sem tocar nelas entre outras coisas! Eu torturei a Celeste Newton, eu a fiz sangrar! Sangrar pelo nariz, sem encostar um dedo nela! Ela tentou me humilhar publicamente e jogar sangue de porco encima de mim e eu a torturei! Eu não me sinto melhor! Eu não me sinto eu paz! Eu não sinto nada! Só... é só o fogo! A raiva, a violência! Eu não sou assim. Eu não quero me sentir assim! Eu odeio.

As coisas a nossa volta começaram a flutuar conforme ela perdia sua compostura.

—Vê? Agora eu faço as coisas flutuarem, eu faço fogo com a mão, estou sempre... com raiva! Indignada. Mais do que nunca.

Disse chorando.

—Eu perdi o colar que minha mãe me deu, me inscrevi neste concurso ridículo e fiquei pendurada no parapeito de uma janela á sei lá quantos metros de altura só porque eu quero poder arrumar um emprego! Não posso andar de calças! Não posso arrumar um emprego! Não tenho como subir de nível á menos que eu case... com ele.

Disse apontando pra mim.

—Não que você seja uma má pessoa. Mas, porque isso tá acontecendo comigo?!

O colar que a mãe havia dado á ela. Então, fui até a minha camisa e tirei o cordão de lá de dentro. Eu havia colocado a pedra numa corrente de prata.

—Esse é o colar que a sua mãe te deu?

—É. Onde o achou? Estou procurando por ele á meses!

—Eu o encontrei no meu quarto.

—No seu quarto? Mas, eu nunca... Maldita! Quando ela me trancou numa das suítes para eu perder a aula de dança eu abri aquele janelão e pulei para o balcão do quarto ao lado. Fiquei pendurada e ai eu entrei. E sai. Por isso tinha o brasão da Família Real bordado em tudo o que era tecido. O quarto era seu.

Ela sentou no chão e colocou a cabeça entre as pernas.

—Que merda. Agora é que eu vou presa. Seleção idiota. Eu nunca devia me inscrito nesta droga em primeiro lugar.

Ela se jogou no chão, deitou encarando o teto.

—Posso ao menos ter o meu colar de volta?

Perguntou sentando-se e olhando para mim.

—Você. Deixe-nos.

O soldado saiu. Ela se levantou, respirou fundo, cruzou os braços e perguntou:

—Vai devolver o meu colar ou não?

—Vou.

—E o que vai querer em troca?

—Em troca de que?

—Do colar e de ficar de boca fechada sobre eu acidentalmente ter entrado no seu quarto. Eu sei como funciona. Não sou tão idiota quanto vocês pensam.

—Como funciona o que?

—Com o povo da realeza. Eu conheci o Rei. Seu pai é um idiota.

Eu ri. Ela tinha acabado de chamar o meu pai, o Rei de Iléa de idiota, sem filtro nenhum.

—Realeza não faz nada por ninguém á menos que ganhe algo com isso. Não pensam em ninguém além de si mesmos. Então... desembucha.

—Quero saber mais.

—Sobre?

—Sobre as demais províncias, especialmente Honduragua.

—Tudo bem. O que quer saber?

—O que tem lá?

—Em Honduragua?

—É.

Ela respirou fundo.

—É não pode fazer isso em Honduragua.

—Isso o que?

—Respirar fundo. Na verdade, nem se consegue respirar! Quer saber o que tem em Honduragua? Miséria, fome, doença, morte, desespero. Pessoas trabalhando até a morte. Literalmente. Metade da população de lá tem asma crônica entre outras doenças respiratórias crônicas. O ar é preto, tem fuligem em todos os lugares, você consegue ver a pretura no ar. O solo é seco, estéril, quase rachando. Nada cresce lá. Exceto uma parte onde é pântano. Sabe o que é um pântano?

—Sei.

—As mulheres de tanto trabalhar naquelas fábricas imensas e tomar água contaminada pelos poluentes e lixo tóxico que despejam sem piedade no ambiente tem problemas de esterilidade. Doenças respiratórias, esterilidade, crianças que nascem deformadas ou mortas, câncer de pele, câncer de pulmão, covas não identificadas, covas coletivas, infecção, hospitais que não tem o mínimo de estrutura e são construídos com madeira de terceira e taipa, casas que mais parecem barracos, milicias que espancam cada homem, mulher, criança e idoso sem a menor piedade. É isso o que tem em Honduragua.

—E quanto a sua província?

—Carolina. É melhor, mas não muda muito. Num lado da cidade tem a minha casa, o meu bairro que não é tão... luxuoso quanto o seu Castelo de Marfim, mas é relativamente bom. Ai tem a periferia onde o povo se mata por um pedaço de pão velho e amanhecido. Literalmente. Perdi as contas de quantas vezes eu não assaltei a cozinha da minha casa e levei comida para aquela gente. Era o que queria?

—Era. Mas, eu não acredito em você.

—Porque não sai pra dar uma volta qualquer dia? Use um disfarce. Prometo que não vão te reconhecer.

Sim, ela tinha fogo. E era uma rebelde. Peguei o colar.

—Me permite?

—Claro.

Pendurei o colar no pescoço dela e senti quando ela estremeceu levemente. Então, sussurrei em seu ouvido.

—Seja minha guia.

Ela virou repentinamente e seus cabelos cor de fogo atingiram a minha face como uma chibatada.

—Ein?

—Me leve para a Província da Carolina, me leve para Honduragua.

—Ficou maluco?! Não sei se você percebeu, mas você é o Príncipe herdeiro do Trono! O povo ia notar se você sumisse. E eu iria pra cadeia ou pra forca ou fogueira. Você ia se safar, eu não!

—Por favor, me leve. Eu preciso ver. É o meu Reino e o meu povo.

Ela pareceu chocada.

—Tem certeza que é um Príncipe?

—Tenho.

—Tá. Te levo, mas vai fazer o que eu mandar e se me acusarem de te sequestrar, você não vai me deixar ir pra cadeia ou pior pela sua ideia de jerico.

—Jerico?

—É claro que um Príncipe jamais saberia o que é Jerico. Jerico é um burro.

—De acordo.

—Então, arrume uma roupa menos... real e me encontre no jardim á meia noite. E vê se arruma uma arma. Espadas, adagas, armas de fogo. Tanto faz, vamos precisar.

—Porque?

—Porque lá fora é o mundo real.

P.O.V. America.

O que estou fazendo? Estou tecnicamente sequestrando o Príncipe herdeiro do Trono de Iléa e levando ele pra periferia?! Esse mauricinho não vai durar dois minutos lá fora.

Eu ataquei uma rival fiz ela sangrar, invadi o quarto do Príncipe, inadvertidamente. E agora vou levá-lo sem ninguém saber para as partes mais pobres do Reino? Quando foi que eu fiquei tão... louca e inconsequente?

Alguém me interne!