Quando sai de meu apartamento estava completamente perdida, sem chão, com o coração despedaçado. Depois de horas e horas andando sem rumo, acabei encontrando uma antiga amiga, Célia, havíamos estudado juntas na Espanha, mas desde que terminamos o ensino médio ela mudou com os pais e eu nunca mais a vi.

Célia e eu sempre fomos muito amigas, e depois de lhe contar tudo o que havia me acontecido nos últimos meses ela ofereceu sua ajuda, tudo o que eu mais queria era poder me afastar dos Bracho, me afastar de Carlos Daniel, e não foi difícil aceitar seu convite para ir morar com ela em Cuernavaca, o que eu não sabia era que Célia estava morando com seu irmão quase 20 anos mais velho que ela, acontece que os pais de Célia haviam morrido assim que saíram da Espanha, e ela foi morar com seu irmão, a principio relutei um pouco em ficar em sua casa, mas eu não tinha muita escolha, não me restava mais ninguém.

Durante dois dias fiquei trancada no quarto que haviam me cedido, fiquei trancada com minha dor, sem nenhuma vontade de viver. Célia sempre tentava me animar, tentava fazer com que eu reagisse, mas parecia que não havia saída. No terceiro dia que estava hospedada ali, um homem entrou em meu quarto, confesso que senti um medo terrível quando o vi parado em minha frente, eu estava encolhida num canto da imensa cama e abraçava meus joelhos.

— Se chama Paulina não é? - perguntou me olhando.

Acenei positivamente com a cabeça, em meu rosto havia os vestígios das milhares de lágrimas que havia derramado, e certamente eu estava com olheiras também, embora meu coração estivesse acelerado pulsando em meus ouvidos eu não consegui me mexer e continuei sentada no canto da cama.

— Bom, me chamo Marco. - disse se aproximando - Sou o irmão da Célia.

Acenei novamente e continuei mergulhada em minha dor.

— Eu mesmo pedi para Célia te deixar um pouco só, te dar um tempo, mas,- ele sentou na beirada da cama há uma boa distancia de mim - acho que se você continuar assim vai acabar morrendo, ela me disse que você não comeu nada desde que chegou aqui.

Pela primeira vez o olhei, ele não se parecia nada com Célia, sua pele era bronzeada, seu rosto marcante, seus cabelos levemente grisalhos, era um homem bonito.

— Talvez eu queira morrer. - disse com um fio de voz, fraca.

— Bom, a vida é sua. - ele olhou através das janelas e seus olhos se perderam no horizonte.

Olhei novamente para seu rosto, era inacreditável que tinha 43 anos.

— Mas sinto em lhe informar, - ele me olhou e sorriu - não vou deixar você morrer.

— Porque? - perguntei sem interesse.

— Primeiro por que você esta em minha casa e não vou querer ter que explicar para a policia o porque de ter deixado um mulher jovem e bonita morrer de fome. - Meu rosto corou - Segundo, Célia gosta muito de você, e não quero que ela sofra com sua morte, prometi para meus pais que cuidaria dela, e não quero vê-la triste.

Continuei em silencio, estava muito fraca, eu sentia.

— Eu vou sair do seu quarto agora, - ele me olhou seriamente - e você vai tomar um bom banho enquanto eu e Célia preparamos o jantar, e é melhor estar na sala as oito em ponto, não quero ter que vir falar com você mais uma vez. Célia me contou o que te aconteceu, mas acredito que você é forte o suficiente para superar tudo isso, e aposto que deve ter pessoas que te ama muito e que deve estar muito preocupados com você, se não pensa em você, pense neles, deve ter alguém sofrendo muito por sua causa, e imagina como vão ficar se você morrer?

Sem me deixar responder ele saiu do quarto e me deixou sozinha, aquelas palavras fizeram imagens de Paula e Lizete invadir minha mente, apesar de tudo Paula era minha mãe, uma mãe que sofreu muito, e Lizete... uma criança que não tinha culpa nenhuma do que estava acontecendo.

Depois daquela noite eu busquei forças que sequer sabia que existia, tinha que continuar, continuaria com o coração destroçado, mas continuaria, liguei para Paula no dia seguinte, ela me pediu desculpas por não ter contado a verdade, mas era um assunto entre Carlos Daniel e Paola, e isso eu entedia, os dias se arrastaram, a cada novo amanhecer uma nova angustia me atormentava, e a dor de ter sido enganada aumentava.

Marco se tornou um bom amigo, se preocupava comigo, e se esforçava para que eu me sentisse melhor, Célia era minha confidente, e durante muitas noites chorei em seus braços, tentando arrancar aquela dor que crescia cada vez mais dentro de mim.

Mesmo querendo odiar Carlos Daniel eu não conseguia, eu o amava, amava mais que tudo, amava mesmo sabendo que devia odiá-lo, mesmo quando sentia meu peito cravado com milhões de facas ao lembrar de cada momento ao seu lado, e quando pensava que nada mais poderia me acontecer uma ligação provou o contrario.

Paula estava morrendo, morrendo por minha culpa.

***

Eu chorava descontroladamente nos braços de Marco, estávamos no hospital, ele havia me acompanhado ate a capital assim que recebi a noticia.

— Ela esta morrendo por minha culpa Marco, por minha culpa. - eu dizia entre soluços.

— Não fala isso Paulina, - ele afagava meus cabelos - você não tem culpa de nada, sequer sabia que ela estava com leucemia.

— Eu há fiz sofrer. Ela esta morrendo e eu nunca consegui chama-la de mãe.

— Ainda há tempo Paulina, - sua voz era doce - mas por favor, não fique assim, tem que ser forte, sua mãe precisa de você.

— Eu preciso dela. - disse chorando ainda mais.

— Calma Paulina, - ele me abraçou mais forte - precisa se acalmar.

A chegada do medico me fez afastar rapidamente dos braços de Marco.

— Como ela esta doutor? - perguntei com a voz entrecortada pelo choro.

Seu rosto estava extremamente sério, ele me olhava com pena, parecia se comover com meu sofrimento.

— Eu lamento em informar, - seu olhos se desviaram dos meus - mas não nos resta muito o que fazer, a doença evolui muito, ela esta com metatase no figado.

— Como assim doutor? - Marco perguntou.

— O câncer esta em um estagio muito avançado, só nos resta cuidados paliativos.

— Paliativos? - outra vez foi Marco a falar.

— São procedimento e ações para dar maior qualidade de vida ao paciente em fase... terminal, - ele me olhou tristemente - eu sinto muito senhorita, não nos resta mais nada a fazer.

Aquelas palavras martelavam em meus ouvidos, me deixando imóvel.

— Mas existem muito tratamentos doutor, - Marco falava com aspereza - tem certeza que não há nada que possam fazer?

— Infelizmente não, Paula descobriu essa doença há alguns anos, mas, interrompeu os tratamentos para se dedicar a procurar a filha perdida, - seu olhar novamente buscou o meu - ela não queria estar completamente debilitada quando a encontrasse.

Eu o olhei com a visão embaçada, agora me sentia ainda mais culpada por ter me afastado dela, tudo o que ela queria era poder passar seus últimos dias de vida ao meu lado, e eu havia lhe arrancado isso dela.

Tudo a minha volta girava, as palavras do medico ecoavam alto em minha cabeça me deixando completamente tonta, senti meu corpo pesar e tudo escureceu.

— Paulina, Paulina... - meu nome sendo pronunciado com tanta preocupação me fez abrir os olhos, eu estava deitada no sofá da sala de espera, Marco me olhava angustiado.

— Não quero que ela morra Marco. - disse com um nó preso em minha garganta, aquela dor de estar a perdendo me fazia chorar sem controle.

Marco me abraçou, ele havia se tornado um ótimo amigo.

— Precisa se alimentar senhorita. - o médico disse me olhando tristemente - Sofreu fortes emoções nas ultimas horas, sua mãe precisa de você.

— Ela acordou? - perguntei me levantando, eu queria passar cada segundo que me fosse permitido ao lado de Paula, minha mãe.

— Não, tivemos que sede-la por que estava sentindo fortes dores. Ela esta delirando muito, chama por você incessantemente, - ele passou a mão na testa demostrando cansaço - assim que ela acordar vai poder entrar para vê-la.

— Quero vê-la agora doutor. - disse com firmeza, limpando as lagrimas de minha face.

— Tem certeza senhorita? - ele perguntou com receio.

— Tenho doutor, por favor, não me negue isso. - disse sentindo meus olhos arderem.

— Bom, pode entrar para vê-la, mas só por alguns minutos, - ele disse tocando levemente meus ombros - sua mãe precisa de muito cuidados.

— Quer que eu entre com você Paulina? - Marco perguntou atencioso.

— Não Marco, - disse e sorri tristemente - quero poder ter um tempo a sós com ela.

— Tudo bem Paulina, - ele sorriu com pesar - eu te entendo. Vou te esperar na cantina, você tem que comer alguma coisa.

— Obrigada Marco, por tudo. - disse com sinceridade.

— Não tem que agradecer nada Paulina, Célia é muito amiga sua, e já me considero seu amigo também.

Sorri agradecida e fui atrás do medico que me levou até Paula.

— Não pode ficar por muito tempo senhorita, - ele advertiu mais uma vez enquanto estávamos parados na porta do quarto - vou deixar você sozinha com ela.

Apenas acenei com a cabeça e entrei, e a visão que tive foi a pior que poderia imaginar. Paula estava deitada naquela cama completamente debilitada, estava extremamente pálida, sua respiração era tão lenta que parecia que lhe doía esse simples ato. Tinha alguns aparelhos ligados a ela, aquela não era a mulher que eu havia conhecido meses atrás, seus olhos fechados tinham cores escuras em volta, a expressão de seu rosto parecia que a dor não a abandonava nem enquanto estava desacordada.

Me aproximei lentamente da cama, eu tinha medo, medo de perde-la, medo que ela morresse sem que eu a chamasse de mãe, sem que dissesse a ela o quanto a amava, medo de que ela partisse naquele momento.

— Mamãe... - aquela palavra que ela tanto desejou ouvir e que eu tinha tanta dificuldade em falar saiu de meus lábios como um sussurro, eu sentia as lagrimas brotarem de meus olhos e escorrer por minha face, com muito cuidado peguei uma de suas mãos entre as minhas e a afaguei suavemente - mamãe, não me deixe agora mamãe, não me deixe.

— Paulina... - ouvi ela balbuciar meu nome, sua voz era cansada, sofrida, olhei em seu rosto, seus olhos ainda continuavam fechados, e sua respiração parecia pesada e ficava mais agitada - onde você esta minha filhinha?

— Mamãe, - disse com a voz engasgada devido ao meu pranto - estou aqui mamãe, estou aqui.

— Paulina... - outra vez meu nome foi falado com grande dificuldade.

— Pode me ouvir? - perguntei acariciando seus cabelos.

Sua voz cessou e aos poucos sua respiração foi se acalmando, não sei se ela me ouviu, mas sabia que ela sentia o calor de minhas mãos nas suas, durante alguns minutos fiquei ali acariciando seus cabelos e rezando para que se recuperasse, para que um milagre acontecesse.

— Senhorita, me desculpe, mas, não pode mais ficar aqui. - o medico disse com a voz triste.

Eu não queria sair de seu lado, mas sabia que seria em vão lutar em ficar, beijei suavemente sua testa e soltei sua mão, segui ate a sala de espera, sabia que Marco estava me esperando na cantina, mas eu não tinha a menor vontade de comer, me sentei no sofá e deixei que as lagrimas escorressem, a imagem de Paula tão doente naquela cama não saia de minha cabeça.

Eu chorava silenciosamente quando senti uma mão tocar meu ombro, aquele simples toque fez meu coração acelerar e se sentir acolhido, lentamente levantei a cabeça enquanto seguia olhando para o corpo parado a minha frente, aquele corpo que eu conhecia tão bem, e quando meus olhos encontram seu rosto e se chocaram com o olhar dele me levantei rapidamente e não pensei em nada que não fosse abraça-lo fortemente e chorar toda a minha dor em seus braços.

— Carlos Daniel, - disse entre soluços o abraçando com força - minha mãe Carlos Daniel...

— Eu sei meu amor, eu sei... - ele disse baixinho próximo ao meu ouvido - estou aqui com você.

Apenas acenei positivamente com a cabeça e continuei abraçada a ele, nada do que havia acontecido me importava naquele momento, tudo o que importava era minha mãe. E estar com Carlos Daniel me fazia sentir segura, com mais forças, mesmo tentando lutar contra aquele sentimento não conseguia, eu continuava o amando com a mesma intensidade, o amava com toda a minha alma.

— Paulina? - ouvi Marco me chamar, me afastei de Carlos Daniel e o olhei com a visão embaçada.

— Ela esta morrendo Marco, esta morrendo. - disse enquanto Marco se aproximava de mim e me puxava para seus braços.

— Estou aqui com você Paulina, - ele disse afagando meus cabelos - sempre estarei.