A Filha de Númenor

A Fronteira da Floresta Dourada


O capitão de Lórien estava imóvel sobre o galho de um jovem mellorn, lançando seu olhar além da floresta, pela fronteira de Lothlórien, onde as árvores douradas cresciam mais finas do que em seu interior, e por onde, durante esse tempo duvidoso, criaturas sombrias se atreviam aproximar-se, entrando pela floresta usando a escuridão como uma capa. Mas naquele momento os olhos de Haldir não procuravam pela escuridão os Orcs desprezíveis, ele estava apenas escutando, sua cabeça inclinada para o lado.

Ele conseguia ouvir os cascos de um cavalo ecoando. Inclinou novamente a cabeça; conseguia ouvir a respiração alta e irregular do animal que, com certeza, estava exausto e provavelmente ferido. Os trotes pesados o indicava que seu fardo era pesado, provavelmente sustentava mais do que um cavaleiro, e também ouvia outros sons. Ele abriu os olhos, não podia vê-los mas podia ouvi-los. Orcs estavam vindo, e não estavam se escondendo: corriam para a floresta abertamente.

E então veio, um urro gutural, seguido por vários outros. Um grupo de orcs estavam caçando na floresta de Lórien.

Haldir se pôs em ação, se movendo rapidamente pelo mellorn e se lançando pelos galhos das árvores vizinhas para alcançar os cavaleiros que se aproximavam, até que as árvores se tornaram cada vez mais finas e jovens para se esconder e se mover. Ele pulou com cuidado para o chão da floresta; ao seu redor ele percebia figuras cinzentas que indicavam que seus guardas se moviam com ele.

Não foi o som dos cascos batendo fortemente no chão que fez com que os elfos armassem seus arcos em posição. Ainda assim, outro urro gutural rasgou o silêncio da floresta. E uma resposta veio a ele. Haldir se virou em direção ao som; eles estavam se dividindo em dois lados, para evitar qualquer chance que os cavaleiros tivessem de escapar. Os orcs não sabiam ainda o quão perto estavam dos elfos que aguardavam por eles.

Haldir ergueu a mão, sinalizando. Ele podia ouvir os passos do cavalo vacilando e a voz de seu cavaleiro o incentivando a continuar, as palavras ainda além de sua audição. Ergueu a mão novamente em outro sinal para seus guardas. Ele não precisou de resposta para saber que os arqueiros haviam visto o sinal e se colocavam em posição.

E então ele viu o cavalo e os cavaleiros surgirem pelo caminho. Ele sentia que a qualquer momento o cavalo iria tombar e levar ao chão seus cavaleiros. Mas eles conseguiram chegar até a clareira onde os elfos aguardavam os orcs para uma emboscada. E os orcs, antes nas fronteiras de Lothlórien, agora seguiam o mesmo caminho que os cavaleiros.

O cavalo bambeou, mas de alguma forma continuou de pé enquanto os orcs soltavam uma série de gritos. Eles estavam quase chegando, mais alguns momentos e estariam na clareira. Haldir aproveitou o breve momento em que a lua deu sua luz por entre as arvores para observar os cavaleiros. Ambos eram humanos, de cabelos escuros, vestidos de cinza, verde escuro e marrom, e o cavalo estava quase desabando, suor escorria por sua pelagem e brilhava a fraca luminosidade. Algo nos cavaleiros fez Haldir pensar nos eventos de dois dias anteriores, quando a Sociedade do Anel havia partido de Caras Galadhon. Mas ele não tinha tempo para ponderar o por que de tal pensamento, enquanto sacava seu próprio arco e armava uma flecha.

***

Anária sentia a presença dos orcs atrás dela, por três dias as criaturas os seguiam pelo Anduin. Os dois guardiões continuavam dia e noite, Anária andava o máximo possível para poupar o único cavalo que permanecera. Haviam perdido o outro quando um pequeno grupo de orcs os alcançara dois dias antes. Anária soube instantaneamente que a clareira era seu destino, não possuía mapa pois havia perdido durante o ataque, assim como seu arco. Mas ainda sim ela sentia algo a frente, algo pacifico e reconfortante.

O ataque porém havia deixado terríveis ferimentos em seu irmão. Um terrível golpe em suas costelas e uma flecha em sua perna significava que ele precisava ficar no fraco cavalo a maior parte do dia.

Agora Anária sentia a fraqueza do cavalo, que ele parecia prestes a cair ao chão e não se erguer mais. Ela havia amarrado as mãos de seu irmão em sua cintura, para que em sua fraqueza não caísse.

Ela não viu e nem ouviu a flecha que havia sido lançada da escuridão atrás dela, até que atingiu seu irmão e ela sentiu o impacto, assim como o cavalo, que tropeçou e dessa vez não ficou de pé. Anária sentiu o mundo ao seu redor girar enquanto o cavalo a levava para o chão e ouviu o grito dos orcs. Ela segurou seu irmão para que não ficassem debaixo do corpo do cavalo e chutou os pés do estribo. E então o chão da floresta a acolheu assim como uma flecha em seu ombro e por um longo momento o mundo se tornou uma escuridão sem fim.

***

A batalha havia sido mais rápida do que o momento que a antecedera. Hadir ouvia ao seu redor o barulho de flechas sendo disparadas e espadas se encontrando, assim como vira os cavaleiros caírem. Um deles, a mulher, ele notou, havia sido atingida por uma flecha no ombro, mas ainda assim não gritara, apenas resfolegara e perdera a consciência. Mas agora parecia acordar lentamente.

Ela gemeu, e se arrastava com um braço e os joelhos até seu companheiro, que estava caído no mesmo lugar onde havia sido lançado. A mulher estava fraca. Haldir assentiu para um dos curandeiros examinar o homem humano. Ele andou até a mulher e se ajoelhou ao lado dela. Ela parou de se mover e deitou-se no chão, o encarando, enquanto seu braço bom sustentava uma pequena lâmina.

— Fique calma. - ele disse na Língua Comum. Ela franziu o cenho e ele percebeu que ela estava ferida, porém não apenas fisicamente - Você está em Lothlórien. Nenhum mal chegará até você aqui, criança dos homens.

Ela assentiu, parecendo tentar sufocar a dor que a consumia. Ele conseguia ver pequenas lágrimas escorrerem de seus olhos. Gentilmente, ele retirou a lâmina da mão dela.

— Meu irmão... - ela sussurrou, indicando o companheiro com a cabeça.

Dois curandeiros cuidavam do homem. As feridas eram péssimas, e o curandeiro não tinha esperanças, mas nada era certo.

— Estamos cuidando dele, mas agora precisamos dar uma olhada em suas feridas. - ele disse suavemente. Ele ajudou um dos curandeiros a move-la, a colocando em uma posição melhor. O curandeiro a deu um pouco de uma bebida em um vidro, o que a fez relaxar e após alguns segundos adormecer.

Enquanto a mulher era tratada, Haldir a observou enquanto as primeiras luzes do amanhecer iluminavam suas feições claras e jovens. Sobrancelhas escuras e arqueadas sobre os olhos fechados, nariz afiliado, lábios grossos e um queixo firme e ao mesmo tempo delicado completavam sua face que subitamente não parecia a feição de humanos comuns.

Ele tomou em mãos a lâmina que a mulher carregava. Era élfica, e ele havia visto uma semelhante recentemente. O Dúnadan Aragorn carregava um estilo semelhante, embora esta que ele tinha em mãos fosse um estilo mais longo e mais parecido com as facas que os elfos do norte, do reino da floresta, usavam. Mas aquela não era uma lâmina do norte, aquela era feita pelos elfos das regiões das montanhas, Imlandris, se ele não estivesse enganado. Ele olhou novamente para a mulher, observando suas roupas.

Agora ele entendia porque sua aparência era tão familiar. Ele reconhecia a estrela bordada em sua veste na altura do coração, embora o sangue obscurecesse os bordados. Ela já havia visto símbolos como esse, muitos anos antes. Uma estrela de oito pontas, havia outro desenho que parecia ser um sol, se pondo no horizonte, mas ele não reconhecia, não havia visto antes.

Mas a estrela ele conhecia. Sete estrelas e Sete Pedras, e uma árvore branca.

Ela não era apenas uma criança dos homens. Ela era uma dos Dúnedain, da linhagem de Elendil, e uma filha de Númenor.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.