Franzindo a testa, o caçador seguiu o olhar assustado do rapaz e sentiu seu sangue gelar, parada e encarando-os havia uma coruja marrom de cara branca, o detalhe que a fazia ser ameaçadora era seu tamanho, de pé tinha a altura de um homem grande. Porém, o que chamava a atenção de Kael eram os olhos. Grandes, castanhos e idênticos ao do sonho desconcertante que tivera.

A grande coruja atacou e três gritos ecoaram na borda da Floresta dos Ecos. Kael pulou para o lado, caindo no chão ao tropeçar em uma raiz, sentindo o ar se agitar ao seu redor quando a caçadora se ergueu sobre o jovem que matou o coelho com as asas abertas e um grito terrível saindo pelo bico. Em questão de milésimos de segundo o caçador a viu envolver o rapaz com suas garras e enfim bica-lo, tingindo a neve de vermelho e silenciando os berros de sua presa.

Não perdeu tempo tentando se levantar enquanto se afastava, grito e coração presos na garganta. Correu na direção de Ryan e ao olhar descobriu que o amigo também enfrentava uma coruja preta e gigante. O animal parecia prestes a dar um bote.

— Ryan, fuja! – gritou com toda a força sentindo a garganta se arranhar.

Sua voz pareceu despertar o lenhador que começou a se afastar com o machado em mãos, pronto para se defender. Kael iria esganá-lo se morresse de forma tão burra. Mas não teve tempo de avisar isso ao amigo, a coruja marrom passou ao seu lado o fazendo se sobressaltar, não ouvira o barulho de sua aproximação. Correu para longe dela, ziguezagueando entre as árvores grandes para ser um alvo mais difícil. Pelo canto do olho viu Ryan fazendo o mesmo há 30 metros de si, a coruja preta o perseguindo.

Saltou sobre uma raiz mais sobrepujante em seu caminho e então gritou de dor ao ser jogado no chão com a garra da coruja sobre si. A coruja piou triunfante e o caçador se preparou para ser morto por ela, a mente preenchida apenas pelo medo. E então foi surpreendido ao perceber as garras segurando seu corpo com mais firmeza e ver o chão ficando mais longe de si muito mais rápido do que achava possível. Sua mente ficou turva e a última coisa que viu foi a copa das árvores.

Quando acordou se deparou com a escuridão. Provavelmente estava vivo e inteiro, sentia fome, sede e todas as partes do seu corpo e roupas. A coruja não tinha sido um sonho, determinou percebendo os machucados que adquirira na sua tentativa de fuga. Percebendo que conseguia se mover tentou entender conde estava, apoiou a mão no solo para se levantar, no solo cheio de folhas. Franziu a testa, estavam no inverno, não? Mesmo que não parecesse mais estar tão frio, já que estava relativamente confortável sem seu casaco.

Balançou a cabeça ainda nebulosa e tentou perceber os sons e cheiros, já que sua visão de nada estava ajudando na escuridão. Cheiro de terra molhada, madeira, urina, um cheiro adocicado... Conseguia ouvir o burburinho de água ali perto, assim como folhas se agitando no vento. Cambaleou na direção da água e assim que se percebeu nas margens ajoelhou-se, o cheiro da água limpa o encorajou a tomar até se sentir saciado. Depois a passou no rosto e nos machucados, grunhiu quando arderam.

Sentia-se observado. Ficou de pé tentando enxergar alguma coisa, mas seus olhos não conseguiam ver mais que vultos de prováveis arbustos. Será que a coruja que o pegara chegou a conclusão de que ele não servia de refeição e por isso o deixou ali? E por que ela simplesmente não o tinha soltado no ar? E onde estava Ryan? As questões iam chegando, mas não sabia nem por onde começar a respondê-las. Deveria se concentrar em sair de onde quer que estivesse, concluiu.

Enquanto olhava para o nada, ao longe, surgiu um brilho amarelado. Poderia ser uma lamparina, Kael pensou com expectativa começando a caminhar naquela direção tropeçando a cada passo em falso ou obstáculo. A luz foi aumentando de intensidade a cada passo que ele dava até que ele percebeu um aspecto humano no local iluminado, ou assim lhe pareceu pouco antes da figura se assustar e começar a se fastar.

— Não... – sua voz rouca soou baixa até para si próprio. – Por favor, só divida um pouco da sua lamparina comigo.

Suplicou vendo a fonte de luz se afastar, parou arquejando ao se ver novamente na escuridão, sentia-se fraco. Ouviu risadas e gargalhadas ao seu redor. A boca estava seca novamente. Aquilo deveria ser uma piada de muito mal gosto. As risadas pararam abruptamente, mas a sensação de ser observado persistia. Confirmou se seu punhal ainda estava na bota que calçava e suspirou aliviado ao encontra-lo. Ficava ali, já que nada via, ou despistava os donos de todas aquelas risadas? Decidiu tentar a sorte, quando dava o terceiro passo uma bola de luz verde surgiu a sua frente, assustando-o, e outras foram aparecendo consecutivamente. Elas iluminavam levemente o caminho que traçavam e não pareciam especialmente agressivas.

Desconfiado, mas se sentindo impotente, Kael resolveu seguir as luzes misteriosas. O máximo que encontraria provavelmente era a morte.