Coração de Vidro

Sim, eu surtei.

É difícil não surtar. Eu simplesmente tinha que socar todas as pedras no meu caminho, chutar todas as árvores a minha frente, abrir crateras no chão, xingar tanto que minha mãe até apareceu pra me repreender (Tá, isso não aconteceu), mas eu não podia ficar parada olhando para a explosão. O modo como eu estava chorando não era como os humanos choravam, através de lágrimas... Na verdade, eu chorava através de berros.

– Já cansou? – perguntou Charlie sentado de pernas cruzadas no chão, eu nem tinha o percebido ali e nem teria se ele não tivesse se pronunciado.

Deixei-me cair no chão como uma pena flutuando, mas na agilidade de um vampiro, Charlie me impediu de despencar ao chão. Minha cabeça estava pousada em seu colo, agora eu apenas encarava seus olhos dourados como o sol. Cobri meu rosto com as mãos.

– Deveria ter sido... – comecei.

– Cale a boca. – cortou Charlie. – Liam fez aquilo porque quis. Nenhum de nós deveria estar no lugar dele.

A frieza com a qual Charlie disse aquilo não me assustou, de fato, agora éramos apenas nós dois. Dois sobreviventes do clã Foster, nós éramos os únicos capazes de reconstruir o sonho de Liam, reconstruir a nossa família. E enquanto um de nós estava caído (no caso, eu) o outro tinha que fornecer apoio ( no caso, Charlie) ou os Foster cairiam de vez. No entanto eu sabia que dentro daquela cabeça brilhante imortal dele, Charlie estava tão revoltado quanto eu.

– Desculpe. – eu pedi mesmo assim.

– Alex, nós dois somos o clã Foster agora – ele disse acariciando meus cabelos ondulados e negros castanhos. – Precisamos um do outro... Eu preciso de você.

Eu poderia ter ficado nervosa com aquilo, provavelmente eu veria malícia, mas não vi. Eu simplesmente me sentei e o encarei.

– Charlie, prometa que não vai morrer.

– Não seja idiota – ele disse, abrindo um sorriso. – Você é desequilibrada demais pra reconstruir um clã, não sozinha, e eu não quero te deixar sozinha com aquele... Hibrido estranho.

Eu assenti lentamente.

– O que faremos agora então? – eu perguntei.

Charlie forçou um sorriso mínimo – era difícil sorrir, normalmente Liam era quem fazia a gente sorrir. Sem Liam ali...

– Vamos causar barraco... – ele disse. – Vamos destruir os Volturi, não sei se você lembra, mas você me prometeu.

– Eu não poderia esquecer, de jeito nenhum.

Nossos rostos estavam próximos demais agora. A mão de Charlie estava apoiada em meu ombro e seu dedo acariciava minha bochecha lentamente. Alguns pássaros cantavam ao fim da tarde, o céu acima de nós começara a escurecer, aélices de helicópteros soavam mais distantes agora. As folhas dos pinheiros ao nosso redor pareciam mais escurecidas. Eu separei meus lábios enquanto me aproximava de Charlie quando...

Ah, sempre tem aquele “quando”.

Um pigarreio soou naquela área da floresta.

– Liz – ele chamou.

Transformando-me em um vulto, me afastei de Charlie e tornei a ficar de pé.

Idiota. Meu melhor amigo acaba de ser engolido pelas chamas de uma explosão e eu aqui quase beijando Charlie. O mesmo não parecia tão constrangido assim. Charlie se ergueu do chão apontando um olhar de raiva nada disfarçado para Jolly.

– Se ficarmos aqui logo nos acharão – ele disse olhando diretamente para mim.

– Tudo bem – eu disse. – Que tal irmos para o oeste? Seja lá o que for que vocês têm lá...

– Provavelmente os Volturi acharão que estamos mortos... Por pouco tempo – raciocinou Naru-chan. – Mas talvez eles apaguem a possibilidade de irmos para o oeste. Talvez nós achemos ajuda lá.

– Nossa! Você é genial – disse Charlie com ironia. – Como você pensou nisso?

Naru deu de ombros.

– Meu cérebro é melhor que o de vocês.

– Ora seu... – Charlie deu um passo em direção ao moreno.

– Naru-chan – eu chamei. – Talvez você esteja certo... Aliás, isso é seu. – joguei sua adaga de prata em sua direção, ele agarrou-a no ar com agilidade. - Mas meu nome não é Liz.

Naru ficou rubro.

– Não... Não sei do que está falando, garota burra. – ele guardou a lâmina. – Vamos logo, antes que eu perca a cabeça com vocês.

Então depois disso ignorei o comentário de Charlie sobre fazer Jolly perder a cabeça (literalmente) poderia de fato não ser má ideia.

Durante todo o nosso percurso, nada aconteceu. Vampiros ninjas não surgiram da terra, da água, do alto dos pinheiros ou de outro lugar parecido. Não houve mortes ou gritos pela primeira vez, mas Charlie segurava minha mão enquanto íamos logo atrás de Naru, como se estivesse certificando-se que eu ainda estava ai e que eu não iria a lugar algum.

Eu sentia um peso sobre as minhas costas, como se eu tivesse resolvido carregar três elefantes no caminho. Perguntei-me se Charlie sentia a mesma coisa. Eu me sentia mortal novamente, como se houvesse uma ferida no meu peito que me levaria à morte certa.

A verdade era que eu não estava preparada para isso, e quem na verdade estava? Não se pode estar preparada para ver toda a sua família morrer. Eu sabia que estava andando em direção a uma guerra desde que prometi aquilo a Charlie, mas nunca passara pela minha cabeça que pessoas importantes morreriam durante o processo, eu estava tão cega pela vingança... Que esqueci.

E em meio a esses pensamentos me veio uma nova lembrança do passado, mas dessa vez quem controlava a minha mente era eu.

Onde eu estou? – foi à pergunta que eu fiz enquanto uma mulher de branco me prendia em uma cadeira, conectando fios no meu corpo. Colocaram uma espécie de capacete em minha cabeça, eu não tive resposta da moça, apenas um meio sorriso reconfortante.

Havia pessoas me observando do outro lado da sala que era como uma sala de experimentos de um filme de ficção científica. Repentinamente eu senti um choque por todo o meu corpo, senti toda a minha energia se esvaindo enquanto isso, eu esperei aquelas pessoas de jaleco me ajudarem, no entanto elas apenas observavam... Apenas observavam.

Parem! – eu gritei. – Por favor!

As luzes piscaram, as lâmpadas quebraram e o vidro se espalhou pelo chão, movendo-se como insetos enlouquecidos e então, enquanto os homens de jaleco apenas se protegiam e esperavam. Minha respiração acelerou, senti uma dor de cabeça e gritei... Gritei enquanto o vidro ao meu redor continuava se movendo até que os cacos começaram a flutuar, girando ao meu redor.

Telecinese. Um caso extremamente anormal de telecinese. Lembro-me de ter ouvido.

Especificamente, era isso o que eu era, uma anormalidade.

Depois daquilo eu só queria chamar a atenção, fazer as pessoas me olharem de qualquer jeito que não fosse uma aberração. Chamava atenção na sala de aula, em casa... Qualquer coisa para ser vista de um jeito diferente porque eu nunca... Nunca mais queria ser observada com os olhos que aquelas pessoas de jaleco me lançaram.

O olhar que simplesmente dizia-me que eu não era humana.