Não consegui pensar em nada na escola. Quer dizer, na verdade eu pensei muito, até demais. Em Nathan. Mas ao menos quando cheguei em casa, tinha certeza do que faria.

Minhas pernas estavam meio bambas, minhas mãos estavam suando e eu não costumava suar nas mãos. Andei para dentro de casa, meu pai estava trabalhando no mercado e minha mãe no hospital, só tinha ele em casa.

Passei pela sala vazia. Estava meio que sobressaltada sobre o que poderia encontrar. Não sabia mais se devia confiar nele. Não sabia nem o que ele era. Mas era hora de resolver tudo.

Quando vi que não estava nem na sala, nem na cozinha, subi as escadas. Cuidadosa e olhando para os lados. Talvez fosse paranoia demais. Mas de uma coisa eu tenho certeza sobre a vida: Nunca se tem certeza.

Era por volta das cinco da tarde, tinha acabado de voltar do colégio.

Andei pelo corredor tomando cuidado para que meus passos forem silenciosos. Fui até o meu quarto, meu coração quase saiu pela boca em pensar na possibilidade de abrir a porta e encontra-lo.

Para fazer de uma vez, fiz como um curativo, abri a porta de uma vez só. Mas para o meu alívio, o quarto estava vazio.

Fechei a porta num suspiro aliviado, que ainda estava cheio de tensão. Quando me virei lentamente, levei tamanho susto que um grito apavorado soou pela minha garganta:

- Aaaaah...

E tapei a boca antes que continuasse. Nathan estava de pé ao meu lado. Como conseguiu não projetar nenhum ruído para chegar até lá?

Com o coração acelerado, ofeguei tentando recuperar o fôlego enquanto ele apenas me fitava com a sobrancelha franzida, sem entender bem o porquê do meu grito aterrorizado.

Depois do que pareceu minutos só encarando um ao outro ele perguntou:

- ...Suponho que a sua intenção não era me assustar, certo? – perguntou. Esperou minha resposta por dois segundos, mas eu só abri a boca e não consegui dizer nada, então engoli o seco. O que fez ele desistir de espera-la. – Porque você estar andando pela casa como se fosse uma pluma voadora me faz pensar isso.

Aquilo foi engraçado, mas não consegui rir. Ainda estava chocada.

Na realidade eu estava planejando começar minha conversa com ele de outro jeito. Ensaiara horas na minha mente o que diria e como aconteceria, mas ele mudou tudo e agora não sabia o que fazer. Mas não podia ficar ali parada feito uma estátua.

- Estava sim te procurando, mas não sabia se estava dormindo, então não quis fazer barulho.

Menti, falsamente com um sorriso fraco esperançoso. Apertou os olhos para mim me analisando. Cruzou os braços num suspiro de rendição:

- Vou fingir que acredito... – disse ao suspirar. – Mas então, o que queria falar comigo?

Pigarreei para ter certeza de que não gaguejaria, e de que não iria fazer papel de tola. Contudo, meus olhos acabaram “esbarrando”, digamos assim, nos seus braços. Mencionei que ele tinha belos braços? Não? Então menciono agora. Os braços dele eram incríveis.

Não me culpo por ter perdido a reação e ficado fitando os braços dele perdida e fascinada. Ele estava de braços cruzados, o que fez eles parecerem bem maiores e o peito duro e definido inflar, tornando impossível não ver, e ficar fascinada.

Não percebi que estava daquele jeito até ele chamar a minha atenção de novo:

- Então...?

- Hã...? – blefei. – Ah, sim. – me toquei, suspirei me corrigindo, corada. – Bom, é que eu queria saber se não quer sair...?

Sugeri um pouco mais calma. Parece estranho de que eu comece morrendo de medo dele depois o convide para sair, mas é tudo um plano.

A primeira reação dele foi nenhuma, só franziu um pouco o cenho e inclinou levemente a cabeça para o lado, confuso.

- Precisamos conversar, não é? Ainda não me disse nada e acho que você deveria querer sair. Não sai daqui desde o acidente e... Bom, quando me salvou daqueles caras...

Ainda esperei dois minutos olhando-o ficar em dúvida, depois responder desconfiado:

- Aonde vamos?

**********************

Fomos ao Cheese Cake Factory. Ficava ali perto. Imaginei que ele gostasse de Cheese Cake, quer dizer, a maioria das pessoas gostam, então...

Sentamos num mesa ao lado da vidraça, um de frente para o outro, sofás ao invés de cadeiras.

Esperamos a garçonete trazer as nossas tortas para começarmos a conversar. Na realidade fiquei em silêncio por muitos motivos antes disso.

Primeiro porque eu estava pensando em como exatamente começar.

Segundo porque eu estava morrendo de medo dele. Não sabia o que ele era, nem que reação ele poderia ter. Começava a duvidar até que fosse desse mundo.

E terceiro porque... Eu não conseguia pensar em nada. Foi só sentar numa mesa com ele e olhar naqueles olhos profundos brilhantes e cheios de segredos que me perdi. Não sabia explicar como me sentia ao seu lado. Mas por mais que tivesse certeza de que não o conhecia, eu sentia o contrário. Sentia como se o conhecesse, de algum lugar. Aquela pessoa com um rosto extremamente familiar que fica horas encarando tentando lembrar de onde a viu. Mas eu tinha certeza de que não o vira em lugar nenhum. Primeiro, porque ele não tinha um rosto familiar, de jeito nenhum. Seu rosto, suas feições, seus traços, por mais que pareça ridículo, eram perfeitos. Tinham total simetria para mim, era extremamente agradável aos olhos, olhá-lo era como uma espécie de hipnose simultânea. E não era só comigo. Todos que passavam sentiam total fascinação. Até a garçonete ficou intrigada, horas olhando para ele.

E não era só a sensação de conhece-lo. Por mais que eu sentisse medo do que ele poderia ser. Me sentia como no oposto disso. Me sentia segura. Como se ele fosse a pessoa certa para me proteger onde quer que fosse, não sabia o porquê, mas talvez aquele salvamento no show tivesse mexido com minha consciência ou algo parecido.

Em fim, pronunciei a primeira frase:

- Vai parecer ridículo, mas... Eu queria que respondesse sinceramente. – suspirei nervosa. Fitou-me esperando o que diria a seguir. – Devo ter medo de você. Sei que qualquer ameaça nunca avisaria que é uma ameaça. Mas você não parece ser totalmente ameaçador. Não importa quantas vezes tenha repetido os derivados de “ameaça”... – bufei, ridicularizando mim mesma e revirando os olhos impaciente. – Você já teria feito alguma coisa. Você parece querer ficar na minha casa, mas eu não sei por quê.

Suspirou pensativo e depois me respondeu:

- Não sou uma ameaça. Fui melhor do que você pensa para você.

- Do que você anda falando? Fala como se eu conhecesse você, mas tenho certeza de que não o conheço.

Perguntei intrigada.

- Eu sei que não me conhece. Mas a verdade é que eu estive com você o tempo todo. Você só não me via.

Explicou. Pisquei paralisada, minha cabeça virou de cabeça para baixo. Completamente confusa, estava perdida naquilo tudo. Quanto mais tentava descobrir sobre ele, menos acabava sabendo.

- Quem é você...?

Indaguei num fio de voz.

- Não posso dizer agora. O lugar de onde eu vim é muito mais longe do que você pensa. – tocou minha mão como se quisesse me tranquilizar, explicando-se. Mas não adiantou. Continuava sem fazer a menor ideia do que ele podia ser, ou que ele queria. – Mas não posso mais ficar onde eu estava, fui banido e por isso estou aqui.

- Por que foi banido?

- Eu... – desta vez ele pairou no ar, como se não soubesse como explicar. Passou a mão nos cabelos louros. – Não podia desejar quem desejei. Era tudo que eu não podia ter, uma pessoa... - fitou-me intenso e profundo no meu olhar, como se quisesse me dizer alguma coisa. Não sabia o quê. Mordeu o lábio, tentado. – E era tudo que eu queria.

Ficamos nos entreolhando intensamente por longos segundos que pareceram séculos para mim. Meu coração palpitava em meu peito. Não sabia o que pensar, nem o que dizer ou fazer. Mas cada vez que me aproximava, parecia mais perigoso e... Tentador.

Nathan quebrou o silêncio com outro assunto:

- Mas pelo menos de onde eu vim não podia provar cheese cake. Aqui eu posso.

Pegou o garfo e pegou um pedaço. Pôs dentro da boca e sorriu apreciando o gosto.

Abracei mim mesma, tentando espantar um frio de pavor que me veio, pigarreei para conseguir continuar falando:

- M-mas... – gaguejei um pouco. – Não pode ficar na minha casa por muito tempo, a minha mãe não vai ficar com você para sempre se achar que sua amnésia é falsa, ou que não vai se lembrar de nada nunca. Se não começar a recordar sua memória ela vai deixar nas mãos do governo.

- Eu acho que não. Sua mãe não vê problema em me adotar.

Falou cheio de tranquilidade, degustando o bolo.

- E meu pai?

- Ele concorda com todas as decisões da sua mãe, não ousa decepcioná-la.

Respondeu convicto. Abri a boca, incrédula. Não fazia ideia de como sabia de tudo aquilo. Detalhes sobre a personalidade da minha família que eram muito particulares para que alguém pudesse descobrir.

- Sei exatamente como se sente. Se pudesse saber como eu te conheço, ficaria impressionada. Sei que está com medo de mim e que não consegue deixar de se sentir segura comigo e não sabe por quê. Mas quando chegar a hora certa, eu vou contar tudo, está bem?

Falou calmamente me passando tranquilidade. Que mais uma vez não funcionou.

Ele tinha o controle. Estava nas mãos dele. Sabia de tudo, entendia tudo, sabia como lidar com tudo. E eu? Não fazia a menor ideia de como lidar com ele.

Passei horas em claro. Sem conseguir pregar o olho tentando pensar em respostas. Respostas malucas e sem sentido que não se encaixavam nem pareciam se encaixar.

A única resposta que chegava perto e mesmo assim era completa loucura, era que Nathan não era humano. Era algo, uma criatura que se parece com um. Não sabia quem ele queria tanto para que fosse banido de onde veio, mas o fato é que estaria ali o tempo que quisesse, pois ele sabia como fazer com que ficasse.