A Espiã

Capítulo XVI


No dia seguinte, Molly acordou muito resfriada e usou isso como desculpa para não ver Sherlock e manter Charles Magnussen a distância. Ficou em casa e aproveitou para alugar um aparelho de raios ultravioleta que, além de ser bom para o tratamento da gripe, permitia um bronzeamento bem saudável. Em poucos dias, já estava completamente curada. Sherlock, durante esse tempo sempre telefonava, tendo também enviado flores e frutas, mas mesmo assim ela se recusou a vê-lo, alegando que se sentia muito mal. Apesar dos vários protestos, ainda conseguiu permanecer afastada dele por mais alguns dias. Charles também havia mandado flores e um bilhete desejando um pronto restabelecimento, mas estava claro que ele só se preocupava com os próprios interesses. Antes de mais nada, queria que o plano de espionagem continuasse.

Sherlock se admirou ao ver que ela estava bronzeada.

— Se não fossem as nossas conversas de todos os dias pelo telefone, eu pensaria que você tinha ido passar férias no sul da França em vez de ficar fechada aqui no apartamento!

— Aluguei um aparelho de raios ultravioleta — ela explicou, com um sorriso.

— E os resultados foram fantásticos. — Ele lhe deu a mão e foram até a sala de visitas. — Trouxe um presente para você. — E colocou o anel de noivado no dedo dela.

A joia formava um lindo contraste com sua pele morena, realçando o brilho das pedras preciosas. Molly percebeu que Sherlock estava esperando um comentário e se forçou a encontrar as palavras adequadas:

— É lindo, perfeito mesmo! — disse, afetando a dose exata de emoção. — Obrigada, Sherlock, vou usar sempre este anel. — Depois sorriu e lhe deu um beijo.

— Você está mais magra — ele observou, algum tempo depois. — Precisa se cuidar melhor. — Sentando-se no sofá, puxou-a para perto de si. — Estes últimos dias pareciam intermináveis… Nunca me deixe. Eu não aguentaria viver sem você — disse, num tom alegre.

— E eu também senti a sua falta. — Molly falava a verdade, embora soubesse que era mais difícil ficar perto dele do que longe.

— Bem, pelo menos agora que você está usando o anel vai ser possível oficializar o nosso noivado. Pretendo comunicar para os jornais amanhã mesmo.

— Comunicar?! — Ela o encarou, consternada. — Mas, por quê? Acha mesmo necessário?

— Necessário, não. Mas é habitual, querida. Além disso, quero mostrar a todo mundo que sou um homem de muita sorte.

— Mas… eu praticamente não conheço ninguém em Londres. — Molly procurava desesperadamente uma desculpa. — E mandar notícias de noivado para os jornais me parece um costume bem ultrapassado!

Ele explodiu numa gargalhada.

— Santo Deus, já me chamaram de tudo, menos de ultrapassado! Mas o fato é que eu conheço muita gente e por isso tenho o dever social de comunicar o noivado. E acima de tudo, quero que todos fiquem sabendo sobre nós.

— Mas você não pode simplesmente telefonar para os seus amigos mais chegados? Por favor, Sherlock, por que fazer um espetáculo?

— Mas para mim, isto é um espetáculo, um acontecimento maravilhoso. E nós dois somos livres e solteiros, não vejo motivo para deixar de lado a tradição. — Virou-se para ela com um sorriso brincalhão. — Ou será que sempre falava que nunca se casaria e agora está com vergonha de parecer incoerente?

Molly se agarrou à desculpa que ele acabava de lhe dar com muita avidez. Também sorriu com certa malícia e abaixou o olhar.

— Sei que pode parecer bobagem, mas… você entende, não?

— Oh, sim — ele respondeu num tom estranhamente frio. — Entendo muito bem. — Depois sorriu e a beijou na ponta do nariz. — Está bem, querida, vamos segurar o anúncio do noivado oficial por algum tempo, até que você se acostume com a ideia. Mas ele tem que ser feito pelo menos um mês antes do casamento. Certo?

— Certo. — Molly sorriu, pensando que dali para frente tentaria sempre conseguir um novo adiamento. Sem dúvida, a notícia na imprensa teria feito grande furor entre os amigos e colegas do meio teatral, e certamente os pais dela, que moravam em Tersey, cairiam de costas ao ler sobre aquele casamento com um homem totalmente desconhecido para eles.

Se a vida como namorada de Sherlock Holmes já era excitante, agora como noiva dele, mal havia palavras para descrevê-la. Costumavam ir a bailes, estreias nos melhores cinemas e teatros, aos eventos de Wimbledon e Ascot, onde sempre ocupavam camarotes nos melhores lugares. Era maravilhoso e Molly teria aproveitado cada minuto se fosse possível esquecer a falsidade daquela situação de casal apaixonado. Ela, claro, estava fingindo, e Sherlock também parecia esconder muito bem o lado cruel de sua personalidade.

Apesar de saber que tinha assumido a obrigação de desmascará-lo, ficou adiando esse plano dizendo a si mesma que havia tempo suficiente para concluir seu trabalho. Agora estava certa de sua paixão por aquele homem. Começou a tomar consciência do fato aos poucos, à medida que se surpreendia aguardando ansiosamente os telefonemas dele, ou atendendo à porta ao primeiro toque de campainha. O coração também disparava, sempre que o via. As horas que passava sem sono, rolando na cama, as visões da polícia vindo prender Sherlock, o temor em encontrar notícias dos golpes dele nos jornais, da execração pública, tudo isso demonstrava claramente o quanto Molly estava apaixonada.

Também Magnussen era uma preocupação constante. Telefonava diariamente, exigindo que continuasse a procurar a pasta contendo documentos sobre a fusão de empresas. Ele parecia cada vez mais irritado e dizia que os microfones não estavam ajudando muito.

Para escapar da insistência de Charles, ela passou a dar longos passeios a pé quando não estava com Sherlock. Um dia, cansada dos seus trajetos habituais e sentindo certo desejo de voltar à realidade, dirigiu-se à parte de Londres que costumava frequentar anteriormente, percorrendo os bares e lanchonetes preferidos pelo meio artístico, onde encontrou vários amigos. Estava se levantando para ir embora, quando cruzou com Mark Gatiss, o produtor de tv que tinha estado a ponto de contratá-la. A série já havia começado e ela, como conhecia alguns episódios, resolveu cumprimentá-lo pelo bom trabalho.

— Obrigado — ele respondeu. — A atriz que ficou com o seu papel é muito boa, mas eu ainda preferia que você estivesse trabalhando conosco. Foi uma pena você não estar livre na ocasião.

Molly ficou completamente surpresa.

— Mas eu estava livre. Eu lhe disse! — Mark franziu a testa.

— Mas quando eu telefonei para o seu agente, ele me falou que você tinha sido aprovada num outro teste, que o contrato já estava assinado.

— Mas ele me disse que você queria alguém com mais experiência em tv!

Quando se despediu de Gatiss, ela estava furiosa e decidida a procurar John para esclarecer definitivamente o assunto. Ou ele havia cometido um grande engano ou tinha feito aquilo de propósito, e lhe devia explicações. A caminho do escritório dele, porém, tomou consciência de que já não se incomodava com o fato, que no momento vinha enfrentando problemas mais sérios.

Alguns dias depois, quando estava descansando num banco do parque em frente ao prédio onde morava, ouviu passos rápidos vindo em sua direção.

— Molly?

Levantou os olhos surpresa, ao encontrar Sherlock.

— Oi! — Então viu o Rolls-Royce estacionado alguns metros à frente, com o motorista na direção. — Você estava passando?

— Não.— Ele sentou-se ao lado dela. — Esperei um pouco na porta do prédio e depois o zelador me disse que você tinha vindo para o parque.

— Alguma coisa de urgente?

— Não. Hoje eu tinha uma reunião, mas acabou sendo desmarcada. Então pensei que seria bom almoçarmos juntos. — Ele a observou por alguns instantes e depois fez um sinal para o motorista partir. — Vamos dar uma volta? — perguntou, dando-lhe a mão para que ela pudesse se levantar.

Andaram abraçados em silêncio, por alguns minutos, e quando chegaram a um lugar mais abrigado do vento ele fez uma pausa para acender um cigarro.

— Aconteceu alguma coisa com você, Molly?

— Não, claro que não. — Ela tentou manter um tom alegre e despreocupado. — Por que perguntou?

— Não sei. Mas você parece preocupada…

— Acho que todas as mulheres ficam um pouco nervosas antes do casamento. — Sua risada soou falsa, forçada.

— Verdade? — Sherlock ergueu as sobrancelhas, incrédulo. — Mas você nem quis marcar a data.

Ela então percebeu que precisava colocar um fim em tudo aquilo. Não podia continuar adiando a situação, tentando ganhar tempo, como se estivesse esperando um milagre para fazer tudo dar certo. Isso não era justo para Magnussen, para ela própria, ou mesmo para Sherlock.

— Que tal… marcarmos para o dia primeiro de agosto?

Ele a encarou por alguns instantes e depois seu rosto se abriu num sorriso largo.

— Vai ser maravilhoso! — E beijou-a apaixonadamente.

Ela sentiu o calor dos lábios dele e se deixou envolver por um incrível estado de melancolia. Passando-lhe os braços pelo pescoço, abraçou-o com força e o beijou como se aquela fosse a última vez. Depois, tão abruptamente como havia começado, soltou-se dele e falou apressada.

— Está esfriando muito. Vamos voltar para casa? O vento está forte e meus olhos estão lacrimejando.

O carro já estava na frente do prédio e Sherlock ficou esperando ali, enquanto ela subia para se arrumar e pegar a bolsa. Quando finalmente partiram, entregou a ele a cópia da chave do seu apartamento.

— Sinto muito por ter feito você esperar tanto tempo. Por isso é melhor ficar com esta chave, para o caso de alguma necessidade.

— Obrigado. Também acho bom você ficar com a cópia da chave da minha casa. E tirando um chaveiro do bolso, acrescentou: — Esta abre a porta do prédio e a pequena é a do apartamento.

Molly guardou-a na bolsa e sorriu, pensando que não eram aquelas chaves que realmente queria. Precisava entrar no escritório dele, e não no apartamento. Desde aquela primeira vez, ele não a tinha mais convidado para ir até lá e já estava mais do que na hora de forçar uma oportunidade.