A Espiã

Capítulo XIX


De início, só desejava seguir em frente, atordoada, procurando ficar o mais longe possível de Sherlock. Depois, um pouco mais calma, decidiu ir a um lugar em especial.

Teve que parar duas vezes para perguntar o caminho e com isso, já eram quase seis horas quando entrou na Clínica Baskerville. Encontrou a enfermeira-chefe cruzando o saguão e se dirigiu diretamente a ela.

— A senhora está lembrada de mim? Estive aqui há algumas semanas com o Sr. Magnussen.

— Oh, sim. — A mulher sorriu. — É a filha dele, não?

— Eu? Não, ele veio…

— Veio lhe mostrar o que as drogas podem fazer a uma pessoa.Ele parece ter medo de que você comece a experimentá-las. Espero que a lição tenha sido útil.

— Sim. Quer dizer… a moça que visitamos… como ela se chamava?

— Sally Donovan.

— Ela ainda está internada?

— Oh, sim. Acho que vai continuar aqui por muito tempo.

— Posso vê-la de novo? Por favor! — perguntou, quase suplicando.

— Bem, não sei… — A mulher terminou concordando, ao perceber que aquela era uma situação grave. — Certo, vou mandar uma das enfermeiras acompanhá-la até o quarto de Sally.

Nada havia mudado. O quarto e a moça estavam exatamente como antes. Só a vida de Molly tinha se modificado completamente…

A enfermeira-chefe continuava no saguão quando ela desceu. Despediu-se dela e acrescentou:

— Por favor, não deixe de agradecer ao seu pai pela magnífica doação que fez à nossa clínica.

Ao sair, procurou respirar bem fundo, estava zonza por causa do cheiro forte de desinfetante do hospital. Os últimos raios de sol ainda iluminavam o horizonte, e em qualquer outra ocasião ela teria admirado o tranquilo entardecer de verão. Também mal se deu conta do que estava acontecendo quando Sherlock chegou e pegou-a pelo braço, levando-a até o Jaguar, estacionado bem perto.

Estava perplexa demais com a história de Charles Magnussen para sentir medo do que poderia acontecer. Enquanto voltavam para Londres, ela o olhou de soslaio. O corte não sangrava mais, mas a camisa manchada lembrava a Molly o que havia acontecido.

Quando pararam em frente ao prédio, Sherlock lhe passou o braço pelos ombros, sem qualquer protesto por parte dela, que estava vazia de emoções.

O porteiro recebeu as chaves do Jaguar.

— Tomei emprestado o carro do Sr. Mycroft. Poderia lhe devolver as chaves, por favor?

Chegando ao apartamento, ele fechou a porta com força e depois se virou para Molly, com uma estranha expressão de triunfo.

— E agora temos que terminar uma coisa.

— Sherlock, eu sinto muito…

— É tarde demais para se lamentar.

Estendeu as mãos para ela, que tentou afastá-lo, mas uma onda de escuridão a envolveu, fazendo-a desmaiar nos braços dele.

Quando voltou a si, estava deitada na cama. Sentiu o rosto úmido e viu Sherlock em pé, segurando uma toalha molhada. Virou a cabeça para não enfrentá-lo, mas ele a encarou com firmeza, sentando-se na beirada da cama.

— É melhor me contar exatamente como você entrou nisso tudo. Também vou querer que faça uma declaração por escrito e assine.

— Não vai ser preciso. Já tenho tudo escrito.

— O que está querendo dizer?

— Na minha bolsa, perto da porta — explicou muito cansada. — Eu ia deixar um pacote aqui, para que fosse encontrado quando você voltasse de Edimburgo.

Ele a examinou com suspeita por alguns instantes e depois foi buscar a bolsa. Pegou os dois pacotes e abriu o que estava em seu nome. A caixa que continha o colar de Sarah Bernhardt caiu no chão, e Sherlock olhou surpreso para a joia e depois para Molly. O pacote também trazia a caixa de tartaruga, o anel de noivado e o camafeu, juntamente com uma longa carta. Sherlock começou a ler a mensagem. Nela vinha relatado tudo o que havia acontecido, desde o seu primeiro encontro com Magnussen. O final dizia: “O que você fez a Sarah Magnussen é imperdoável, mas não quero vê-lo na cadeia. Por favor, fuja enquanto há tempo, saia da Inglaterra antes que seja descoberto e todos fiquem sabendo a verdade. Vá depressa”. Seguiam-se duas palavras, firmemente riscadas, e o nome dela.

Sherlock ficou olhando para a carta e terminou lendo novamente o último parágrafo. Depois abriu o pacote endereçado a Charles. Dentro dele estava o bracelete de Simonetta Vespúcio, juntamente com um cheque e um bilhete, onde Molly deixava bem claro que não queria mais tomar parte naquela farsa. As roupas compradas para desempenhar seu papel tinham sido vendidas e estava devolvendo o dinheiro que havia conseguido por elas, juntamente com o restante já recebido durante a execução do plano.

— Por que fez isto? Por que ia mandar o dinheiro de volta?

— E o que importa?

— Importa muito. Diga, por que ia devolver o dinheiro a Charles! Por que não me deixou ir para a cadeia?

— Você sabe por que…

— Não. Como poderia? — Segurou as mãos dela com força. — Vamos, responda.

— Porque eu amo você, Sherlock… — murmurou e ele virou rapidamente o rosto envergonhado.

Houve um longo silêncio, antes de Sherlock lhe soltar as mãos e dizer asperamente:

— Que bela maneira de demonstrar!

Virando-se, Molly viu que ele estava tocando o corte feito na testa, seu rosto se contorcendo de dor. Ela sentou-se, bruscamente.

— Sherlock, pensei… fiquei com medo de que você fosse me violentar…

— E com toda a razão — ele concordou, com um ar sarcástico. — Você deve ser maluca! Por que não me contou a verdade? Eu lhe dei todas as oportunidades… — Parou de falar e se levantou, os olhos brilhando de raiva. — De início eu quase acreditei em você. Não se atirou sobre mim como as outras e parecia nervosa quando fomos a Oxford. Comecei a ter alguma esperança… mas então ganhei de presente aquela caneta com o microfone e as minhas suspeitas se confirmaram. Você só estava bancando a garota rica!

Com um movimento rápido, ele foi para a sala. Molly o seguiu e parou na soleira, com medo de entrar.

— Você foi muito esperta — ele disse, depois de servir-se de uma bebida forte. — Mas mesmo assim acabou se denunciando. No nosso primeiro encontro, você me contou que já tinha estado na Itália, mas mais tarde, quando fomos jantar naquele restaurante italiano, acabou admitindo que nunca esteve lá. E quando me disse que tinha ido passear em Hampstead Heat… alguém já havia visto e fotografado você conversando com Charles. — Mostrou os retratos, que ainda estavam sobre a escrivaninha.

— Você me beijou naquele dia. Disse que o beijo era para você. Achei isso estranho.

Sherlock ficou muito sério e tomou um gole de sua bebida.

— Talvez porque aquela tenha sido a primeira vez em que pude ver como você era realmente. E talvez porque eu já não estivesse fingindo. — Virou-se de costas, como se não suportasse olhar mais para ela. — Mas não foi muito esperta naquele dia. Fiquei esperando na sala enquanto você mudava de roupa e pude ver os microfones na sua bolsa. Então resolvi facilitar tudo, e lhe dei a oportunidade de colocá-los no meu escritório e aqui mesmo no apartamento. Quis terminar tudo o mais rápido possível, desmascarar você e Charles e me livrar da sua presença. — Sua voz estava áspera, mas depois ele mudou de tom: — Depois que você instalou os microfones no meu escritório eu telefonei para a sua casa e ninguém respondia. Então tive a certeza de que havia fugido, mas quando fui até lá, encontrei você chorando. Esperava que me contasse a verdade, mas em vez disso a farsa continuou.

— Foi a noite em que você me pediu em casamento.

— Sim. — Sherlock se virou para olhá-la de novo, com o rosto muito sério. — Charles certamente não resistiria à oportunidade de tentar me atingir se pensasse que eu estava apaixonado por você. E como minha noiva, seria mais fácil descobrir tudo o que ele queria saber.

— Por que você não foi à polícia?

— A única prova que eu tinha era a sua foto, conversando com Charles. Se tivesse desmascarado você naquela ocasião, ele iria tentar de novo e sempre é melhor lidar com alguém que já se conhece. Além disso, eu queria os dois, não só você. Você e seu amante…

Muito pálida, Molly voltou ao quarto, pegou as coisas de Charles Magnussen, guardou-as na bolsa e tomou a direção da porta de entrada.

— Aonde pensa que vai?

— Estou cansada. — E se balançou para sentir um pouco de conforto. - Apenas cansada dessa farsa. Não tenho que ficar aqui e ouvir os seus insultos. Se quiser me punir, chame a polícia. Tenho certeza de que vai poder dizer a eles onde me encontrar. Sei que mereço tudo o que vai me acontecer, mas não tenho obrigação de ficar ouvindo suas palavras.

♫♪♫

Ela recuou quando ele tentou alcançá-la.

­­ Ignorando isso, ele a puxou para junto dele. Ela tentou se afastar duas vezes, mas ele a trouxe de volta, com firmeza, para junto dele. Então, em um gesto desesperado, ela tentou empurrá-lo, sem sucesso.

— Me solte. — pediu ela, apertando o rosto contra o ombro dele. – Me solte.

— Não vou deixar você ir a lugar algum. — Devagar, ele fez um carinho nas costas dela e embalou sua cabeça. Será que havia algo mais surpreendente ou mais assustador para um homem, meditou ele, do que uma mulher coberta de lágrimas e ainda mais por causa dele?

Cause you are the piece of me

I wish I didn't need

Chasing relentlessly

Still fight and I don't know why

— Olhe para mim, Molly! – Ela obedeceu, mas seus olhos estavam tão cheios de lágrimas que não conseguia vê-lo. — Eu a amo, mais do que consigo suportar. Não posso viver sem você. Eu preciso de você. Não consigo evitar. — Beijou-lhe primeiro uma das faces molhadas e depois a outra.

Ficou completamente perdida, sem acreditar no que tinha acabado de ouvir.

— Por que não me contou a verdade? — ele sussurrou.

— Eu quis. Mas senti muito medo.

— De mim?

— Sim, eu realmente acreditava que você tinha feito uma coisa horrível. Charles me enganou. Soube tudo na clínica. É verdade, a moça que vi não é filha dele.

— Você e o seu coração mole! Por acaso não lhe ocorreu que um homem capaz de fazer tanto para me prejudicar não usaria os mesmos truques para convencer você a colaborar com os planos dele?

— Não. Mas agora acho que ele até subornou o meu agente para eu ficar sem trabalho. Assim não me restariam alternativas. E como me senti infeliz! Você era completamente diferente do que ele tinha falado. Eu amava você, Sherlock, embora soubesse que era cruel e vingativo.

— E eu também a amava apesar de saber que tudo não passava de uma encenação. Deve ser por isso que fiquei tão irritado hoje. Quando saiu correndo e pegou o meu carro tive medo de que tudo acontecesse de novo. Nunca senti tanto medo em minha vida! Se eu tivesse perdido você…

— Oh, Sherlock! — Ela lhe tocou levemente o corte na cabeça. — Sinto muito!

— Não diga mais nada. Eu amo você. — E soltou o ar. — Ah, Deus. Você me desmontou. — murmurou, passando a ponta dos polegares em seu rosto para secar-lhe as lágrimas. — Vamos descobrir um modo de fazer com que isso funcione para nós dois.

If our love is tragedy, why are you my remedy?

If our love's insanity, why are you my clarity?

A emoção que o varreu por dentro foi como uma tempestade de verão, rápida, violenta e depois pura. Pleno com esta sensação, ele uniu as sobrancelhas com as dela e ela levantando a cabeça, encontrou os lábios dele.

Em um instante o beijo se tornou quente, insaciável e cheio de energia represada. Ele sentia o sangue rugir dentro da cabeça, tão alto e tão feroz que nem conseguiu ouvir o momento em que repetiu as palavras, mas as sentiu, pelo jeito com que seu coração corcoveou e se avolumou. Beijaram-se como amantes separados há anos, famintos de paixão, revelando todos os sentimentos que haviam sufocado.

Sem conseguir respirar, e já se sentindo molhada, ela agarrou as calças dele — Agora — pediu ela. — Agora mesmo.

— Sim, agora mesmo! — ele arrancou-lhe a blusa por cima da cabeça antes mesmo de chegarem ao chão. Acariciou-lhes os seios e apertou o mamilo dela, suavemente, colocando-o entre o polegar e o indicador.

Aquilo provocou um efeito forte, que desceu em ondas por dentro dela, até os pés. Rolaram, tateando um em busca do outro. Os braços e as pernas se emaranharam. Tonta de desejo, ela enterrou os dentes nos ombros dele enquanto ele puxava seu jeans para baixo. Ele teve apenas um momento em que registrou com o tato a pele dela sob as mãos, suas formas, o calor que vinha dela, e então tudo se transformou em uma massa de sentidos, uma mistura de cheiros e texturas que se friccionavam de encontro à necessidade urgente de unir os corpos.

'Cause we both know what we'll choose

If you pull, then I'll push too deep

And I'll fall right back to you

— Simplesmente relaxe. — Olhando para o rosto dela, ele deixou a mão deslizar para o espaço entre as pernas dela, e o apertou. — Deixe-me ter você, Molly. — A finesse ia ter de esperar, e a ternura também.

Antes que ela pudesse responder, ele a lançou em um orgasmo rápido e devastador. Seus quadris se arquearam, bombeados de encontro à sua mão hábil, e então ela relaxou.

Ela não ia conseguir pensar naquele instante, ele sabia. Estaria envolta em sensações que vinham em camadas. Ela jamais parecia esperar por aquilo. E a sua surpresa, a sua resposta ingênua e doce eram, como sempre, terrivelmente excitantes. Ele seria capaz de trazer prazer a ela sem parar, só pela delícia de vê-la absorver cada toque, cada golpe.

Assim, ele se entregou ao desejo, explorando aquele corpo esguio, sugando os seios, tragando a respiração rápida que saía ofegante, de seus lábios.

Ela se sentiu drogada, indefesa, com o corpo e a alma sobrecarregados de tanto prazer. Uma parte dela estava chocada, ou tentava estar. Não tanto pelo que ela deixava que ele fizesse, mas pelo fato de permitir que ele tivesse o controle total e completo dela. Ela não conseguiria impedi-lo, não o faria, nem mesmo quando ele a levou próximo dos gritos, antes de lançá-la em outro clímax estremecedor.

— De novo! — Sedento, ele puxava a cabeça dela para trás, segurando-a pelos cabelos, e enfiava os dedos dentro dela, trabalhando incessantemente, até que as mãos dela se lançaram para os lados, largadas sobre o chão. — Nesta noite eu sou tudo o que existe, nós somos tudo o que existe. — Ele mordeu a garganta dela com violência enquanto procurava por sua boca, e os olhos dele eram como dois sóis ferozes e azuis.

— Diga que você me ama. Diga!

— Eu amo. Eu amo você! — Um gemido lhe rasgou a garganta quando ele mergulhou dentro dela, puxou-lhe os quadris mais para cima e se enterrou mais fundo.

— Diga para mim, outra vez. — Ele sentiu os músculos dela o apertarem como se fosse uma mão e cerrou os dentes para evitar que ele explodisse dentro dela. — Diga, novamente!

— Eu amo você! — Ainda tremendo, ela o abraçou com as pernas e deixou que ele a golpeasse para além do delírio.

O instinto animal tomou conta dos dois, devorando-os até mesmo depois que ele já estava dentro dela, bombeando-a loucamente. Ele podia sentir o corpo dela se agarrar ao dele e ficar mais tenso, e ouviu o gemido longo e baixo da libertação que trepidou através dela.

E se esvaziou por completo, liberando coração, alma e mente.

If our love is tragedy why are you my remedy?

If our love's insanity why are you my clarity?

Passou-se muito tempo antes que os dois tivessem tempo para palavras. Quando finalmente se afastaram, ela suspirou cheia de contentamento. — Isso foi para a verdadeira Molly…

— Sabe, eu já tinha suspeitas de que você me amava de verdade há algum tempo, mas só tive certeza quando vi a sua reação ao ver a foto da minha noiva. — Ela o encarou meio intrigada. — E o que eu disse é a pura verdade. Ela faz parte do meu passado!

— Mas você conheceu muitas mulheres, não?

— Claro — respondeu, com uma risadinha. — Nunca tive vocação para monge! De qualquer modo, você também não é nenhuma santinha. Eu não suportava ver você com Greg Lestrade.

— Desde essa época?

— Sim. Eu desejei você como louco desde o nosso primeiro encontro. Eu estava perigosamente próximo de me colocar de joelhos por você.

— Oh, Sherlock querido!

— Você nunca me chamou assim antes.

— É que eu não tinha coragem. Mas queria muito.

— Bobinha. — Ele a beijou ternamente. — A farsa terminou… Nós nos encontramos.

— Que tal começarmos de novo?

— Não me interessa um novo começo. Só quero saber do final. Molly sorriu para ele, vibrando de amor e desejo.

— Então que seja um final feliz, Sherlock.

— Pode ter certeza. Juntos estaremos sempre felizes.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.