A Esfera da Herança

Pardons and Convictions .


HERMIONE

A minha sensação era a de estar dentro de uma bolha vibrante, flutuando sob o nada.

As memórias estavam turvas em minha mente. Eu não conseguia lembrar o que tinha acontecido.

Como se para me auto-avaliar, o quinto elemento correu dentro de mim, tentando me orientar dentro de meu próprio corpo.

A memória ficou mais nítida, e agora eu me recordava.

Tudo veio num turbilhão. Becky, Rony indo embora, a mensagem do canguru prateado de Nyree, e minha corrida desenfreada em direção á Black Horse.

E, por fim, o mar de fogo que me engoliu.

Segundos antes, senti um arrepio na coluna, que parecia pressentir o que estava prestes a acontecer.

Mas eu estava tão estática, sentindo meus pés já tremendo para correrem em direção ao ruivo parado, á alguns metros do carro que se aproximava, que não me importei.

E foi quando, como se soubesse o que viria a seguir, uma redoma do quinto elemento me circulou impedindo-me de ser devorada pelas labaredas.

Mesmo assim, não foi o suficiente para que a força do impacto não me mergulhasse na inconsciência.

Meus olhos não conseguiam se abrir. Mas eu ouvia os sons ao meu redor, ruidosos como se viessem de um rádio com recepção ruim.

E vozes. Duas vozes.

Uma delas que eu achei que nunca mais iria ouvir.

A angústia me atingiu, misturada á um alívio que tornou tudo menos sombrio, dentro das trevas em que eu estava mergulhada.

– Três atentados em menos de três meses. Todos associados á Hermione. É óbvio que o criminoso a conhece... e quer atingi-la. Só não sei explicar por que ele usou esta tática para tentar matá-la. Nem como fez isso sem estar presente, o que é mais assustador... afinal, o tanque não explodiu sozinho, apesar de que há suspeitas de que tenha sido algum bruxo... não tem cara de coisa que um Wicca faria, afinal, estava mais que sujeito á falhar. Não pensaram que ela conseguiria muito bem de defender de uma explosão com os elementos? Estamos investigando, mas, tal como nos outros... nem uma única pista.

– Isso não importa, Oliviene – arfou a outra voz, banhada com uma dor que eu não esperava ouvir – se ela... ah, céus... – ouvi o arrastar de uma cadeira – fui um idiota, Oliviene. E se Hermione não tivesse conseguido amenizar os efeitos da explosão? E se eu nunca pudesse... eu...

– Ei, Rony, ei... – passos adiante – a culpa não foi sua, e você não poderia ter feito nada. Ela vai sobreviver... ficou esgotada quando conjurou o casulo do quinto elemento, mas só isso. Olhe para ela... não foi nada grave.

Nada grave?? – a exclamação de Rony me surpreendeu – minha noiva foi vitima de uma tentativa de homicídio por um Wicca desgraçado e você me diz que não foi nada grave??

Um suspiro prolongado. Seguido de mais passos.

– Desculpa, Oliviene.

Outro suspiro.

– Estamos todos abalados, Rony. Não se preocupe – Oliviene comentou - você nos assustou quando saiu da Toca. Hermione mal conseguia falar quando eu a encontrei no quarto. Mas sabíamos que não teria ido muito longe... – ela deu uma risada desanimada – essa sua psicose é enorme, mas não tão louca á ponto de fazê-lo fugir para qualquer lugar.

– E Nyree me fez enxergar, graças aos céus – Rony choramingou – como pude pensar naquilo? Eu nunca conseguiria agüentar ficar sem ela, Oliviene! Se não estivesse lá para ajudá-la...

– Se você não estivesse – corrigiu Oliviene – ah, Rony. Você deixa que a figura da Hermione Wicca lhe suba á cabeça, e a encara como onipotente e inabalável. Mas está errado. Ela precisa de você, Rony. De formas e maneiras que ninguém, muito menos ela, conseguirá suprir em seu lugar.

Oliviene e sua magia de dizer as coisas certas. Como eu amava aquela secretária... dissera numa frase o que aquele garoto levara duas horas para entender.

– Acho que posso conviver com isso – Rony suspirou, tentando dar uma risada fraca.

Em meio ao torpor, senti uma fisgada no estômago, em reação ao que Rony dissera.

Então ele não iria mais embora?

A perspectiva deveria me deixar feliz.

Mas meu coração ainda estava tão trincado como que acontecera, que parecia temer se apegar á promessa.

Talvez, quando eu estivesse melhor, Rony reconsiderasse partir. Não queria alimentar uma esperança que só pioraria as coisas.

Finalmente, senti minha mente se reconectar ao meu corpo, fazendo com que eu piscasse fracamente.

Oliviene e Rony pareceram perceber, já que pararam de conversar subitamente.

– Hermione? – ainda de olhos fechados, senti-o apertar minha mão, ansioso. O toque de sua pele na minha me causou outra fisgada – está me ouvindo? Está acordada? – um arquejo – acorde, por favor...

A luz banhou meus olhos, enquanto eu sentia meu corpo latejar de dor aos poucos, com uma intensidade crescente.

Focalizei os rostos tensos de Oliviene e Rony, que me encaravam.

– Hermione? – Oliviene envergou a cabeça – como se sente?

Levantei um pouco a cabeça, mas o esforço me fez guinchar. Olhei meus braços, que tinham várias escoriações, quase curadas – provavelmente pelo mesmo quinto elemento que me protegera da combustão.

– Depois de quase morrer cozida? – choraminguei, tentando fazer graça – já tive dias piores.

Não ia demonstrar que ouvira todo que haviam dito. Podia poupar os dois de mais angústia.

Por mais que ainda estivesse magoada, não precisava piorar as coisas entre mim e Rony.

Oliviene riu baixinho, mas Rony não esboçou reação. Estava me encarando, imóvel, fixamente, como se temesse reagir de qualquer forma que fosse.

– Que bom... você vai ficar bem...

– Onde estou?

– No St. Mungus – ela respondeu – te trouxemos para cá... os Weasleys e Harry vieram te visitar enquanto dormia... não quiseram incomoda-la – ela afagou o braço - bom, quanto ao que aconteceu...

Ergui a mão, fazendo-a parar.

– Conversaremos sobre isso depois, Oliviene – ergui a mão em que havia um acesso pingando a poção ao meu lado – quando eu estiver em condições... por favor.

Oliviene assentiu.

– Tudo bem. Vou deixá-la descansando. Se quiserem... hum... – ela mordeu o lábio, nos olhando – sabe, conversarem... vou deixá-los a sós.

Oliviene saiu por uma porta branca adiante, e fechou-a atrás de si.

O silencio que banhou o quarto parecia latejar entre mim e Rony.

Eu não sabia o que dizer. Não sabia no que ele estava pensando. Depois do que havia acabado de acontecer entre nós dois...

Não sabia se ia agüentar outra facada como aquela.

Meu coração não ia agüentar.

Talvez explodisse, como eu quase havia feito horas atrás. Toda a dor das últimas horas... aquilo me destruiria por completo.

Temia ouvir o que quer que Rony planejasse dizer.

Ele finalmente saiu de sua reflexão cabisbaixa, para virar o rosto em minha direção.

Muito lentamente, ele arrastou a cadeira em que sentara, até ficar do lado da maca em que eu estava.

Baixei o olhar, tensa. Não sabia o que dizer, o que fazer.

Senti, surpresa, sua mão abarcar meu queixo, delicadamente, até levantá-lo e deixar meus olhos ao nível dos dele.

– Hermione.

Engoli em seco.

– Você ainda vai embora? – não quis choramingar, mas minha voz me traiu. Tentei disfarçar com um pigarreio desolado.

Ele paralisou, me encarando.

– Não acho que seja o caso.

– Tem certeza? – arfei baixinho.

Ele olhou dentro dos meus olhos, e vi os dele ameaçarem ficar úmidos. Sua expressão era a de quem tinha vivido e morrido de todas as formas nas últimas horas.

Como eu ousaria dizer algo, quando via que Rony estava tão destroçado quanto eu?

– Não sei por que fiz aquilo – ele finalmente respondeu – pensei que ficaria melhor sem mim.

– Já disse que você é um idiota? – meus olhos traiçoeiros começaram a lacrimejar. Ai, ótima hora para meu corpo me deixar na mão.

– Já... e agora eu consegui provar – Rony lamuriou-se – vou entender se ISS... se você quiser reconsiderar... qualquer coisa. Você está magoada, eu sei...

– Você nem imagina – solucei, odiando reagir daquele jeito. Eu parecia uma adolescente.

Rony suspirou.

– Provavelmente está considerando acabar comigo.

– Provavelmente – minha voz saiu baixa e aborrecida... aborrecida com ele ou com o fato de chorar feito uma menininha? Nunca vou saber – depois que eu sair daqui, lógico.

Um lampejo humorado brilhou em seus olhos.

– Eu só fico pensando em que sentido.

Ele conseguiu. Uma risada ridícula e fora de hora cortou minha garganta.

O que me fez sibilar outra vez de dor. Meu corpo estava acabado.

Rony pareceu estremecer quando percebeu. Voltou a ficar soturno e cabisbaixo.

As lágrimas ainda escorriam pelo meu rosto quando voltei a fita-lo.

– Não faça mais isso. Por favor.

– Prometo que não vou – ele ofegou, apertando minha mão boa – Hermione, Nyree me disse coisas. E possivelmente vou passar o resto da minha vida me detestando por ter feito isso, não importa quanto tempo passe... ou o que você diga – ele acrescentou, triste – não é a primeira vez que eu magôo você.

– E tampouco vai ser a última, Rony – funguei, levantando a mão entubada, onde estava meu anel de noivado – na alegria e na tristeza, lembra? Eu sei muito bem o que isso vai envolver.

– E você não tem medo de se machucar pelo resto da vida? – Rony choramingou, abarcando o rosto com as mãos.

Segurei seu pulso, fazendo-o soltar o rosto e olhar para mim.

– Prefiro a facada de quem ama ao abraço de quem odeia – sorri amarelo.

Ele pareceu surpreso com minha parábola.

– Se... Hermione... – ele balançou a cabeça – nunca mais vou sair de perto de você. Já fiz essa promessa e a quebrei. Isso nunca mais vai acontecer- ele me encarou, sério, e fiquei tensa com a certeza em seu olhar – vou morrer antes de fazer isso outra vez.

Suspirei.

– Depois de tudo que passamos nos últimos dias – eu falei, finalmente tomando coragem – e você ainda duvida que é importante para mim?

– Eu sei... – Rony arfou - fui um... um...

– Um legume insensível de primeiro escalão, com a inteligência de uma ervilha – deduzi, rindo.

Ele pareceu um pouco mais animado com minha brincadeirinha, pois sorriu.

– Acho que até pior – o sorriso dele sumiu.

Arfei, sentindo meu corpo doer.

– E quanto àquela coisa de eu ter uma vida... – olhei-o, séria – é difícil ter uma, quando a única coisa que a mantém deixa o anel de noivado num criado-mudo e desaparata porta afora.

– Então, que assim seja – El se ajoelhou ao lado da cama, debruçando os pulsos em minha barriga – vou ficar ao seu lado eternamente, até que você me mande embora.

Dei risada, afagando suas mãos.

– Espere sentado, Ronald. Espere sentado.

Rony finalmente deu um sorriso aliviado, debruçando o rosto para que ficasse deitado em meu ventre. Ali ficou, sorrindo consigo mesmo, simplesmente me olhando.

Meu coração pareceu ligeiramente menos pesado enquanto eu encarava seu olhar ao mesmo tempo triste e alegre.

Rony tinha razão... eu estava me sujeitando a ter que agüentar todos os seus erros e fraquezas pelo resto de minha existência. Provavelmente, haveria vezes desanimadoras e até angustiantes.

Mas todos tinham problemas. Eu ia sacrificar todos os milhares de experiências felizes por umas poucas ruins que fossem surgir em nossas vidas?

Eu sabia a resposta.

Não. Com certeza não.

O meu amor por aquela criatura frustrante era mil vezes maior do que meu reles medo de me machucar.

E eu também não era perfeita. Então eu tinha que ver o lado dele. Também não tinha sido exatamente uma santa nos últimos oito anos e meio.

– Pode me perdoar? – Rony suspirou, fazendo minha barriga se arrepiar com sua respiração.

Apertei os olhos. E eu lá tinha alternativa? Ia ficar deprimida com aquilo até que dia?

– Sim – acrescentei subitamente – e você? Pode me perdoar também?

– Pelo que? – ele franziu o cenho.

– Só diga se perdoa – resmunguei, fazendo-o rir.

– Seja lá pelo que for, eu perdôo, então – Rony se levantou.

Subitamente, porém, ele deitou levemente o corpo em minha direção, para que sua boca pousasse em minha testa.

E ali, Rony plantou o beijo mais carinhoso e suave que eu poderia esperar.

Senti, naquele beijo tão simples, tudo que ele queria me dizer e não conseguia expressar em palavras.

E, quando virei o rosto para pousar seus lábios nos meus, eu respondi tudo que também não conseguia dizer.

Só quando Rony se afastou para sentar de volta na cadeira, sem soltar minha mão nem por um segundo, e eu vi, surpresa, o anel que circulava seu dedo anular, percebi que nosso assunto estaria encerrado.

Por hora.

Sim, eu o tinha perdoado. E nunca ficaria julgando-o por isso, em mais nenhum momento. Vi a verdade em seu rosto... o quanto estava arrependido e sofrendo.

O que não queria dizer que eu não planejava nenhuma conseqüência para ele depois daquilo.

Mas meu pequeno e maldoso pensamento podia esperar.

Ainda sentia a ameaça do maldito Wicca Negro ao meu redor. Ainda sentia a dor da perda de Becky, minha querida amiga. Temia pela segurança e vida dos que estavam ao meu redor. E me roia com as lembranças que afloravam em minha mente sem a minha permissão, envolvendo Harold, Leopold, Madelaine e tantos outros que haviam se sacrificado.

Mas agora, que tinha a presença de Rony de volta ao meu lado, eu não conseguia impedir-me de sentir uma segurança e uma paz que, além de não terem lógica – como nosso breve rompimento me mostrara - não deveriam existir.

Mas das quais eu precisava mais do que nunca.

Eu amava tanto aquele ser absurdamente inadequado – e, ao mesmo tempo, fantástico – que o que eu dissera não havia sido uma brincadeira piegas.

Minha vida estava ali, repousando suavemente ao meu lado, nossas mãos e alianças entrelaçadas, como nossos destinos em breve iriam estar.

E ali, antes que eu voltasse a adormecer, eu tomei uma decisão.

O Wicca Negro iria morrer pelo que havia feito.

Assim como qualquer outro que ousasse ferir o garoto cuja mão eu segurava.

O medo de um nome só fazia aumentar o medo da própria coisa.

E eu faria com que todos os bruxos das Trevas em breve temessem o meu.