A Esfera da Herança

First Judgement - Malfoys


HERMIONE

Em meio á dormência e convicção gerados pelo quinto elemento em meu corpo, minha personalidade normal simplesmente não conseguia acreditar no que estava vendo.

Eu encarei Atena, que estava encolhida, provavelmente intimidada com meu olhar.

Os Malfoys?

Meu Deus... os Malfoys! Eu ia reavaliar o julgamento deles!

A máscara da Wicca em meu rosto me impediu de demonstrar o quanto estava atordoada.

Observei, sem coragem de encarar os espectadores – ou Rony -, Draco e os pais se sentarem no banco dos réus, cabisbaixos.

Vi Draco erguer o olhar levemente, tentando me focalizar. Quando finalmente me fitou, percebi um misto de emoções passarem em seu rosto encovado. Ele aparentava estar chocado, amedrontado e decididamente desanimado.

Para minha completa confusão, não vi uma simples nesga de ódio em seu olhar.

Eu estava me sentindo ligeiramente nauseada.

Sim, é claro que eles mereciam ser julgados. Ameaçados ou não, haviam cometido crimes.

E Draco, mais do que qualquer um, provavelmente merecia um castigo pelo que fizera, mesmo em Hogwarts.

O que não significava que eu me sentisse bem em condenar aquela família.

– Advogado de defesa?

– Não há nenhum, Meritíssima.

Arfei, surpresa.

Os Malfoys não haviam pagado ninguém para defendê-los? Por quê?

Aquilo não fazia sentido algum. Se eles tivessem uma chance que fossem de se safar na reavaliação, por que não chamariam alguém para falar em seu favor?

– Leia a descrição das infrações – murmurei em bom tom. Vi os ouvintes se agitarem no tribunal. Rony, para meu constrangimento, não tirava os olhos um segundo sequer de mim.

Atena pigarreou, ainda meio contraída, e apanhou o prontuário dos processos.

– Lúcio Malfoy – Atena leu – condenado anteriormente á trinta anos de prisão, sendo resgatado por Comensais da Morte á dois anos. Em ambas as condenações, as acusações foram de formação de hordas violentas, colaboração com bruxos das Trevas, uso das Maldições Cruciatus e Imperio em cinco ocasiões e desvio de dinheiro. Narcisa Rosier Black Malfoy, acusada de colaboração total com os objetivos dos Comensais da Morte. Draco Lucius Malfoy, acusado de colaboração integral na invasão da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts por bruxos das trevas e colaborações em delitos menores.

Minha mente disparava, tentando discernir quais daqueles crimes de cada um eram passíveis de punições rígidas e quais poderiam ser abrandadas. Mas aquilo parecia ser a maior malha fina em que eu já entrara.

Eu não queria ser vingativa. Isso nunca... ainda mais em meu primeiro julgamento. Eu tinha que ser justa, não importava como.

– Lúcio Malfoy!

Vi Lúcio se assustar e erguer a cabeça para cima, me olhando.

– O que diz sobre as acusações?

O tribunal todo se voltou para o ex-Comensal da Morte. Para meu espanto, Lúcio aparentava estar completamente desconfortável com minha interrogação. Podia sentir, graças ao quinto elemento, o coração dele saltando levemente, porém sem disparar.

– São... – ele murmurou, tenso – coniventes.

– Está admitindo que as cometeu, então?

– Sim. Cada uma delas.

Pude ver, pela sua pulsação, que não estava mentindo.

Vi Harry e Rony se remexerem, incomodados, na fileira da frente, ecoando minha própria reação.

Lúcio estava confessando livremente as acusações. Isso, vindo de um bruxo como ele, era a última coisa que qualquer um ali no tribunal iria esperar.

– Por que não contratou um advogado para sua família?

– Achei desnecessário – Lúcio franziu o cenho, evitando me olhar outra vez – fomos condenados de qualquer forma mesmo com a presença de um no ultimo julgamento. Se vamos ser recondenados outra vez, preferimos admitir abertamente as acusações e nos defendermos por nós mesmos.

De onde viera toda aquela súbita honra? Pisquei, ainda surpresa.

Assenti para Lúcio.

– De qualquer forma, de acordo com a legislação, o tribunal deve fornecer um advogado á vocês – olhei para Atena, significadamente.

– Ah, sim, Excelência... Oliviene?

Não pude deixar de dar um leve sorriso de agrado quando a moça de cabelos pretos desceu até o banco dos réus, me dando uma piscadela.

Oliviene era advogada eletiva também? Que inusitado...

– Sem mais perguntas para o réu – disse á escrivã que registrava o julgamento – Narcisa Malfoy?

A mulher de cabelos louros me olhou, ansiosa.

– Tem algo a declarar sobre as suas acusações?

– Todas verdadeiras... – Narcisa olhou nervosa para Oliviene – mas... gostaria de acrescentar, não em defesa minha, mas de... de Draco... – ela arfou – fomos ameaçados nesse meio-tempo. Eu, meu marido... ameaçaram meu filho...

– Ainda iremos considerar isto durante o julgamento, Sra. Malfoy – eu disse, taxativa – com relação á suas próprias infrações, tem algo a dizer em sua defesa?

– É o que estou tentando dizer... não colaborei apenas por vontade própria.

– A senhora alega, então, que todas as suas infrações foram supostamente cometidas em prol de seu filho?

– Sim.

Assim como Lúcio, sua pulsação não estava alterada. Ela estava sendo sincera.

O burburinho na assistência aumentou. Dava para ver que o júri em si estava bem agitado.

– Meritíssima, posso fazer uma observação?

Olhei para Oliviene.

– Concedida.

– Segundo o relato de testemunhas, Narcisa Malfoy auxiliou para que Harry Potter pudesse se reconfrontar com Lord Voldemort, mesmo ainda, supostamente, á serviço dos Comensais.

O agito no tribunal aumentou. Vi alguns até mesmo protestando, se movimentando nos bancos.

Por mais clichê que fosse, fui forçada a silenciar a assistência.

Sem o clássico martelinho, só consegui fazer uma rajada de vento ecoar no salão. Os espectadores se arrepiaram e pararam de falar.

– Ordem, por favor! – suspirei – Oliviene, as testemunhas estão presentes no tribunal?

– Uma delas está – Oliviene sorriu.

Harry se ergueu no banco dos expectadores, e eu quase revirei os olhos. Ah, Harry. Defendendo Narcisa... minha nossa.

– Pode nos contar o que aconteceu nesse momento em que Narcisa Malfoy supostamente o ajudou?

Harry me olhou exasperado, como se dissesse “supostamente é a sua bunda... se eu falei, é por que é verdade!”.

Tive que usar todo o meu autocontrole Wicca para não rir.

– Voldemort a solicitou que verificasse se eu estava morto, antes de eu reaparecer momentos depois. Ela arriscou a vida alegando que eu realmente havia morrido. Se tivesse me entregado, eu nem estaria vivo agora.

Narcisa se virou para ele, encarando-o. Harry, para minha agradável surpresa, deu um meio sorriso para a bruxa.

Assim que o burburinho ameaçou começar, foi só eu encarar a assistência para que ficasse calada outra vez.

– Anote essa observação – disse á escrivã – sem mais perguntas, Sra. Malfoy.

Era impressão minha, ou todos pareceram segurar a respiração quando se deram conta que eu finalmente interrogaria Draco Malfoy?

Draco já olhava para mim bem antes de eu chama-lo.

– Draco Malfoy...

Ah, Draco, Draco. A doninha, serzinho desprezível, esnobe, riquinho e desprezador dos nascidos trouxas. O que ia fazer com aquela figura?

“Nada”, bufou minha cabeça. “Não venha com vingançazinhas agora. Ele esta aqui para ser julgado por crimes sérios, e não desavenças bobas de escola. Segure seu orgulho, garota. Ele também é só um menino.”

– Tem algo á declarar sobre seus supostos delitos?

Draco me encarou outra vez. Calmo... absurdamente sereno. A pulsação tão lenta, que poderia estar dormindo.

– Verdadeiros.

Suspirei.

– Posso inferir, Excelência?

Oliviene já estava me enchendo o saco.

– Concedida, Stark.

– Bom, tal como Narcisa Malfoy alegou, Draco evidentemente também foi ameaçado á colaborar com os objetivos dos Comensais da Morte. Na verdade, ele se expôs à grande perigo quando, tal como a mãe, tentou ocultar a verdadeira condição de Harry Potter na mansão de sua família, há quase dois anos.

Ê, Harry... aquele moleque estava em todas. Encarei-o, vendo dar de ombros e fazer uma careta divertida. Era impressão minha, ou ele também não queria ver os Malfoys em prisão perpétua ou coisa parecida?

Vi Rony dar uma risadinha, me observando, e segurei a vontade de sorrir-lhe de volta.

– É verdade, Draco?

– Sim.

Embora tivesse perguntado, não precisava ter conferido, e nem mesmo sentido sua pulsação. Afinal, eu estive lá. E um garoto, que tinha a própria Juíza como testemunha, tinha era uma sorte do cão.

– Gostaria de acrescentar mais alguma coisa, Sr. Malfoy?

– Sim... – ele me olhou. Tipo, me encarou, nos olhos, com a feição contraída, como se lutasse para se desengasgar – eu estou arrependido.

Com essa eu quase caí para trás.

Nem quis impedir a balbúrdia que se seguiu. Caramba... Draco Malfoy, puro-sangue, sonserino, confessando que estava arrependido?

E eu vi, alarmada, enquanto sentia sua pulsação e confirmava a veracidade de sua declaração, que ele não estava se referindo apenas ás acusações.

Até mesmo Lúcio e Narcisa estavam espantados.

Eu estava ficando completamente tonta. Minha nossa... não estava sendo nada parecido com o que eu esperava.

– Sem mais perguntas – eu disse, me erguendo na tribuna – vou reunir o júri e os advogados para o debate da condenação. Sem mais por agora... essa audiência está dispensada até o veredicto. Atena... escolte os réus e peça para que aguardem até a segunda ordem.

– Sim, Excelência.

O tribunal foi se esvaziando aos poucos, enquanto eu e os demais nos reunimos na sala de reunião, a lado do tribunal. Draco e os pais foram levados por dois aurores para fora dor recinto.

Passei por Rony antes de entrar na sala. Ele me deu um sorriso e um aperto na mão que praticamente diziam “mandou bem”.

Devolvi-lhe o olhar, desaparecendo dentro da sala em seguida.

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O júri estava completamente escandalizado e dividido. Uns concordavam com a situação delicada em que os Malfoys estavam durante o decorrer das acusações. Outros eram taxativos ao defender que deviam ser condenados.

E eu só queria ir embora, tomar um banho e dormir. Fala sério...

Eu devo ter discutido e proposto meio mundo de coisas durante a averiguação dos fatos e dos testemunhos.

Eu tinha uma surpreendente pena de Narcisa Malfoy. Ela podia ser só mais uma sangue-puro que odiava trouxas, mas eu tinha certeza absoluta de que ela realmente fizera tudo, absolutamente tudo em sua vida, apenas por Draco. Eu tinha certa ideia do que o amor de uma mãe era capaz – até mesmo das piores atrocidades.

Lúcio não me inspirava tanta pena quanto Narcisa, mas eu tinha que levar em conta de que a humilhação que ele provavelmente sofrera á mais de um ano ainda era castigo o suficiente pelas suas maldades.

E Draco, para meu próprio choque, me deixava tão insegura quanto Narcisa me deixara.

Quando eu parava para pensar, eu percebia que, mesmo sendo quem era, Draco Malfoy era só um menino. Um menino que fora criado com uma concepção errada sobre o mundo ao seu redor, e, por isso, se metera em apuros e fizera inimizades. E, no fundo, eu sabia que,talvez, um dia, ele poderia mudar.

Eu tinha esse defeito de, bem no meu âmago, tentar ver a bondade em todos.

E eu a via em Draco. Minúscula, oculta por uma grossa casca de orgulho e preconceito, mas havia.

Eu tinha que levar tudo isso em conta enquanto me reuni com o júri e os advogados.

Então, finalmente, chegamos á um consenso.

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Eu via as pessoas conversarem afobadas enquanto o tribunal se enchia novamente. Todos pareciam ansiosos para a decisão final.

– Oi, Juíza.

– Manda ver, Juíza,

– A gente se conversa depois, Juíza.

Revirei os olhos, sorrindo, quando Harry, Darel e Rony passaram por mim na entrada.

Assim que subi novamente na tribuna, e todos haviam reocupado seus lugares, pedi á Atena que trouxesse a carta de veredicto.

Apenhei o pergaminho que ela me inclinou, notando os Malfoys se enrijecerem de tensão. A expectativa no tribunal pulsava feito um ser vivo.

– Veredicto da reavaliação de pena dos réus... Lúcio, Narcisa Rosier Black e Draco Malfoy – li, observando a reação da assistência.

Ninguém dava um pio sequer. Os júris estavam amuados, depois do debate na sala de reuniões, e, sabendo o resultado, tinham mais que a obrigação de ficarem calados mesmo.

– Lúcio Malfoy... Após averiguação e reconsideração de seus delitos confirmados, sua pena será de quinze anos... – olhei para Atena, que aprecia pasma – de serviços comunitários, após dois anos em Azkaban. Seus serviços serão fiscalizados efetivados no Centro Sanitário do Hospital Saint Mungus.

Eu vi vários rostos se boquiabrirem, incluído o de Lúcio Malfoy.

Eu tive que esconder meu contentamento com a pena. Eu fizera questão de sugerir um lugar onde, inadvertidamente, Lúcio teria mais do que vários contatos com todo tipo de ser mágico. Talvez aquilo trouxesse um pouco de humildade para Malfoy.

O som das exclamações cessou quando eu continuei.

– Narcisa Rosier Black Malfoy... sua pena foi decidida como a ser de dez anos de serviços comunitários no Cartório de Fiscalização e Certificados do Ministério da Magia, sendo supervisionada pela própria encarregada do setor nas atividades devidas.

Vi Rony arregalar os olhos, olhando de Draco para mim como um automoto desregulado. Devia estar se roendo para saber a condenação que eu escolhera para ele.

– Draco Malfoy...

Draco parecia pasmado com a condenação dos pais. E devia saber, tão bem quanto eu, que teria a mesma sorte.

Ou nem tanto, já que seu queixo caiu quando eu proferi a sentença.

– Sua pena será de cinco anos como auxiliar... sob a supervisão e ordens da futura Chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia. Todas as penas serão cumpridas em regime tácito e liberdade assistida.

Senti certo alívio quando Atena trouxe um martelo sabe-se lá de onde e me ajudou a concluir o julgamento. Não queria tacar mais uma ventania na pobre multidão.

– Caso encerrado.

Fiquei espantada quando a assistência ficou estática por um momento, antes de começar uma barulheira infernal no tribunal.

Senti uma coisa estranha no estômago quando vi várias pessoas conversando com animação. Como se estivessem falando... não do julgamento, mas de mim.

Os Malfoys pareciam desorientados, abalados demais com o veredicto para se levantarem; eu podia sentir três corações palpitando de choque e adrenalina.

Foi preciso que dois aurores os chamassem para que se retirassem do banco de réus.

Minha curiosidade fez com que eu tentasse ver o rosto de Draco uma última vez, antes que a família saísse do tribunal da Corte.

Só vi um garoto cansado e aborrecido virando a porta do recinto e desaparecendo de vista.

A assistência demorou mais do que antes para deixar o salão. Mas, depois de um tempo, finalmente todos haviam ido embora, para só retornar mais tarde, no segundo julgamento.

Todos, exceto seis pessoas... que eu estava desesperada para ver.

– Caramba, Hermione!

Corri até os braços de Rony, abraçando-o.

– Que julgamento! Que julgamento! Só se falava disso no meio do povo que saiu agora!

– Sério? – engoli em seco, ao mesmo tempo em que senti, subitamente, meu corpo amolecer; os poderes Wicca deviam estar passando, e eu estava retornando ao normal – o que estavam dizendo?

– Que nunca viram uma Juíza tão assustadora... – Harry riu.

– Mas que também nunca viram uma Juíza tão imparcial e justa - Rony sorriu, beijando minha testa – você... deixou todos espantados, Hermione. Muitos ficaram falando que você tentaria se vingar deles depois de tudo que haviam feito... que iria condena-los a á dezenas de anos em Azkaban... você surpreendeu a todos... – Rony afagou meu rosto e completou – surpreendeu a mim. Nunca havia pensado, ainda mais com você como Wicca... que seria tão razoável.

– E não é só isso que ela faz? – Gina acotovelou Rony, empurrando-o e me abraçando – foi incrível, Hermione!

Vi Darel e Nyree atrás deles, o que me deixou eufórica.

– Darel! Nyree! Tamahine!

Eles vieram até mim, num abraço coletivo.

Nyree estava razoavelmente bem, exceto pela medonha mão branca se afagava Tamahine. Já a bebê era o retrato da saúde; gorduchinha e esperta, tentou se guinchar para meu colo.

– Agora não, linda – sorri para Tamahine, dando-lhe um beijinho.

– Parabéns, Excelência – Atena se aproximou, sorrindo – foi um grande julgamento... e muito justo, devo dizer.

– Obrigada, Atena... – me virei para a moça, aliviada – já sabe qual será o próximo julgamento?

– Será dada sequencia ao julgamento que deveria ter ocorrido agora. Começará em uma hora – ela respondeu – a réu é uma repórter do Profeta Diário...

– Rita Skeeter – bufei, suspirando.

– Sim...

– Aliás... você mandou dizer á Oliviene sobre a sugestão de pena comunitária... fiquei curiosa – olhei para Atena – quem será a nova Chefe do Departamento?

– Ora, menina – Oliviene surgiu atrás de Atena, rindo – não é nada decisivo... ou talvez seja, sei lá... mas não agora, quem sabe em alguns meses. Depende de como vai se desenvolver aqui... por que acha que a Srta. Weasley sugeriu aquilo?

– Gina?

Gina ria como uma garotinha.

– Coisa nossa. A gente simplesmente teve que dar a sugestão quando descobrimos... se tudo der certo, será em algumas semanas, sabia?

Eu piscava, atônita, e meu estômago – e o queixo de Rony – caíram quando Atena finalmente falou.

– Quem achou que ia ser? – a loira gargalhou – a nova Chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia será você, Hermione!