A Escolha Do Guerreiro

Vinte e Sete Anos


- Hey, você ouviu que o Dragão Guerreiro venceu de novo?

- Oi, Shaohannah – disse Tigresa seriamente – de novo com histórias do Dragão Guerreiro?

Estavam à caminho da Academia Zhuang Wu. Haviam se passado dezessete anos desde a primeira viagem da felina ao Palácio de Jade, o lar dos Cinco Furiosos, Mestre Oogway e do lendário Dragão Guerreiro, cuja fama já estava por toda a China.

- Sim, claro. Ele é o guerreiro lendário, o melhor em kung fu no estilo... dele.

- Hm.

- Só vai falar isso? “Hm”? – Perguntou Shaohannah, surpresa caminhando a um lado de Tigresa.

- Deixa ela em paz, Shao... – disse Seyoung com calma.

- Ah, Sey, ela ama tanto kung fu, mas não tenta saber nada sobre os melhores mestres, lendas e histórias – dizia Shao com brilho nos olhos – é, é tão lindo... é emocionante saber de tudo isso!

Shaohanna era a mais fanática à respeito do kung fu, estava por dentro de tudo o que acontecia nesse mundo e sempre se inspirava em grandes mestres para mesclar seu estilo de luta com o deles. Seyoung era a mais calma, porém, falante como a irmã quando estava entusiasmada.

- É que eu não me importo com isso, quero melhorar por mim.

- Se inspirar nos mestres é uma boa forma de fazer isso – comentou Shao.

- Nisso eu tenho que concordar com ela, Tigresa.

- Nossa, Seyoung concordando comigo?! Meus deuses, é agora que a Tigresa casa.

As duas explodiram em gargalhadas e Tigresa riu um pouco, já estava acostumada com as brincadeiras de suas duas únicas amigas de verdade naquele lugar. As gêmeas eram as únicas com quem poderia ser ela mesma, as únicas para quem contaria seus segredos. No entanto, nenhuma delas se acostumava com o olhar de outros tigres sobre elas toda vez que saíam de casa.

Shaohannah e Seyoung, as tigresas gêmeas, se tornaram duas das fêmeas mais belas do sul do país. A primeira tinha olhos cor mel e a segunda verdes como esmeralda, herdados de sua mãe e pai, respectivamente, já que a Ah-Kum era uma tigresa-do-sul com sua bela pelagem alaranjada e Mu era um tigre branco e os pais de ambos não viram problema em relacionar-se, não estavam envolvidos com as confusões entre as raças.

Elas tinham o corpo esguio, a pelagem alaranjada com algumas partes, especialmente a calda, com uma espécie de degrade para o dourado e a ponta branca. Suas listras eram espaçadas e negras com as pontas em marrom. Ao redor dos olhos, tinham o mesmo contorno que lembrava maquiagem da realeza e na testa as mesmas marcas de seu pai.

As vestes de Shaohanna eram calça negra com desenho de flores em azul escuro nas laterais, uma camisa estilo q’pao sem mangas em azul com flores prata nas bordas, uma faixa de bandagens em torno da cintura e tornozelos. E Seyoung levava calças negras com linha ondulada vermelha, uma em cada perna, camisa sem mangas assim como a de sua irmã, mas vermelha com detalhes de chamas em dourado e nela, as bandagens estavam nos tornozelos, ao redor do pulso esquerdo e do braço direito. Ambas usavam sandálias da mesma cor neutra, adaptada ao pé das felinas para facilitar o treinamento.

- Até parece – disse Tigresa – até agora não acredito que o guerreiro lendário seja um panda gordo, um panda é tão indefeso... só pode ser piada.

- Não fala assim dele, você nem o conhece.

- E se não for piada? – Perguntou Sey.

- Aí eu peço pra aprender com ele.

Nossa felina também crescera e amadureceu como as outras duas. Era séria, focada em seu kung fu para algum dia governar Guangzhou. Seu pelo era um laranja forte como o de seus pais, seus belos olhos âmbar de sua mãe que também brilhavam com intensidade quando havia algum oponente a enfrentar. Suas listras eram curtas, espaçadas e negras, algumas delas eram marrons e em torno dos olhos, o delineado negro, na testa, as marcas de seu pai. Ela se rendeu às petições da mãe para usar suas cores e levava um colete vermelho com videiras douradas e negras, uma calça totalmente negra e sandálias para treinar, mas quando não estava na academia, trocava o colete por uma camisa de seda parecida com ele e até da mesma cor, mas com mangas largas e uma fênix desenhada em dourado nas costas, cujas asas abertas passavam pelos ombros e as pontas tocavam na parte superior do peito, próximo ao busto da felina.

Além de a acharem linda, os tigres que a cobiçavam viam a vantagem de se tornarem governantes daquela terra, por isso, logo afastava os encrenqueiros que demonstravam algum interesse a mais por seu trono.

- Claro que vai, você está andando demais com o An – brincou Seyoung.

- Parem de besteira, só aceito o cortejo dele porque não tenho nada a perder, além de um casamento forçado que parece que não vai acontecer. É a Shaohannah que quer tanto conhecer o Dragão Guerreiro, capaz de se casar com ele.

- Ah, se eu pudesse...

- Soube que ele caiu do céu numa bola de fogo, quando Mestre Oogway teve a visão de um novo ataque daquele pavão, o tal de Lord Shen...

- Isso é verdade, ele venceu.

- Um tempo depois, os pandas saíram de seu esconderijo quando souberam da vitória dele – comentou Sey.

- Tô falando que ele é um grande guerreiro. Pena que nenhuma de nós pôde ir até o palácio na escolha do Dragão Guerreiro, a gente teria conhecido ele... eu adoraria conhece-lo – disse Shao de um modo sonhador – ouvi dizer que ele é alto, forte, bondoso, poderoso...

- Tá interessada nele ou nas habilidades? – Perguntou Tigresa levantando uma sobrancelha.

- Ah, chega, vamos andando.

- Ih, emburrou – riu Seyoung e continuou com as amigas até a academia.

À essa altura, Tigresa ainda não sabia de sua viagem ao palácio. Ela nunca mais viajou para o centro do país, apenas treinou com mestres de seu estilo e o destino planejava para ela uma viagem inesquecível, revelando segredos do passado de sua família, ajudando-a a descobrir mais sobre si mesma e sobre o que realmente desejava, coisa que ela reprimia por achar que seu destino já fora traçado.

Tanto que se conformava com o cortejo do tigre que mais insistiu e era um bom mestre, de companhia agradável. Planejava um dia casar-se com ele, embora seus pais não gostassem tanto assim da ideia, apenas pelo fato de An ser um tigre branco. Ele era filho de Bái e primo do príncipe.

Chegando à academia, as três felinas entraram e foram direto até a Grã-Mestre. Ming-Yue estava parada na beira do mezanino que separava os cantos de um dos salões de treinamento do circuito. Ela estava de costas, mas seu ouvido aguçado as ouviu chegando.

Ela se virou com um sorriso.

- Bom dia.

- Bom dia, mestre – as três se curvaram em respeito.

- Tigresa, seu irmão veio com você?

- Acho que vem só pro treinamento da tarde.

O irmãozinho de Tigresa era chamado Zhuang em homenagem ao mestre que dera nome à academia, nascera dois anos depois da viagem da felina ao Vale da Paz. Ele era a imagem e semelhança de seu pai, era bondoso, amigável, alegre, além de ser amigo para todas as horas. Também adorava kung fu, mas amava a liderança. Toda vez que queria pregar peças em alguém (inclusive em seus pais), contando com ajuda de amigos e às vezes de sua própria irmã, ele era quem instruía os envolvidos deixando seus pais mais irritados quando Tigresa metia a pata nos planos de Zhuang.

Seu sonho era liderar seu povo, desvendar os mistérios que rondavam os festivais de luta e paz, além de melhorar a vida dos seus. Mas infelizmente, ele só poderia ser apontado como substituto de Tigresa se fosse mais velho ou se a disputa da felina por território fosse adiada até o pequeno ter idade, mas isso não aconteceria. O primeiro filho era quem deveria competir.

- Está bem. O mestre Wu já está esperando por vocês no pátio.

- Está bem, mestre – se inclinaram novamente para ir treinar.

Tigresa e as gêmeas deram as costas à mestre e se foram, enquanto a Grã-Mestre olhava com certa tristeza e preocupação, coisas que ela sente há anos e sabia que tinha muita culpa nisso, mas só queria proteger a filha.

Ela sabia que Tigresa deveria tomar um dos dois caminhos: ser líder para ter a situação sob controle ou casar-se e se afastar de lá. Apesar de a opção de afastá-la de lá parecer a mais acertada, Ming e Feng deveriam pensar nos outros tigres, tanto os de seu clã quanto os do clã branco. Se ela fosse embora, seria um completo caos, o outro clã iria tomar o poder justificando a falta de um herdeiro que batalhe pelo outro lado e travariam uma verdadeira carnificina contra os que discordassem. Tudo voltaria a ser como antes dos festivais.

Sacudiu a cabeça por esses pensamentos e voltou a olhar seus aprendizes enquanto sua filha chegava ao mestre.

Tigresa, Shaohannah e Seyoung treinaram os mesmos movimentos de defesa primeiro. Bloqueio alto, baixo que são os básicos e os outros de seu estilo. Fizeram a parte de ataques em bonecos de madeira. Cada uma delas ficaria com um boneco.

- Shaohannah, o que está fazendo? – Perguntou mestre Wu se aproximando, estava intrigado e surpreso – esses não são exatamente movimentos do estilo tigre...

- Eu sei, mestre. Apenas quis desenvolver mais habilidades introduzindo movimentos de outros estilos. Perdão, mestre – disse ela inclinando-se e fazendo um kin lai, a saudação que é sinal de respeito.

- haha, está tudo bem, Shaohannah. Faz bem em pensar dessa forma. Vejamos, Seyoung é a jovem que analisa mais antes de atacar, correto?

Dito isso, encarou Seyoung que esperava alguma ação de seu mestre. Ela esperava que ele movesse o boneco para que as partes móveis girassem para acertá-la, mas não aconteceu. Ele a atacou com um soco direto e ela defendeu com um bloqueio básico e ficaram parados se observando, esperando um atacar o outro. Ele atacou novamente com a pata livre, puxando a pata que havia utilizado antes para cobrir a área das costelas e então ela o bloqueou novamente e a cada bloqueio, era um passo para trás, evitando ficar próxima do atacante.

Wu a atacou rapidamente com um chute lateral cujo peito de sua pata traseira era direcionado a ela, mas ela bloqueou novamente com o antebraço e o olhou fixamente para então atacá-lo com um soco e logo após ser bloqueada, saltou à pouca distância do chão e ao fazer isso, conseguiu impulso para um chute giratório que acertou no centro do bloqueio de Wu, cujos braços estavam cruzados à frente de seu rosto e ele tinha uma postura apoiada em uma pata e a outra estendida para trás para conter um pouco do impacto. Mesmo assim, o chute de Seyoung o fez derrapar um metro pelo pátio.

Ele se colocou em postura ereta novamente e a felina o imitou, ambos fizeram a saudação, o kin lai e Wu sorriu dizendo:

- Muito bem, boa defesa, bom ataque, ao menos no básico. Com os outros mestres, vocês duas vão desenvolver seu próprio estilo característico, mesclando o tigre com o básico ou com outros - apontou para Shaohannah - então, podem ir com a Grã-Mestre, já supervisionei seus ataques, agora não sei o que ela vai fazer.

As duas assentiram, se inclinaram e se foram. Wu virou-se para Tigresa.

- Agora é você.

Ambos se colocaram em posição de ataque e começaram a andar formando um circulo esperando o outro atacar. Depois de um tempo, Tigresa perdeu a paciência e se lançou contra Wu para acertar um soco. Ele empurrou o braço dela, mas então, Tigresa se apoiou no chão com ambas as patas dianteiras e fez um girou tentando acertar-lhe chutes. Wu foi empurrado um pouco para trás devido à força usada pela felina. Os dois se endireitaram e, segundos depois, quem atacou foi o mestre.

Tentou passar uma rasteira nela e quando Tigresa saltou, ele se apoiou nas patas como ela fizera momentos antes e chutou. Tigresa apoiou um dos próprios pés no do mestre para conseguir impulso e saltar metros à frente de onde estavam, caindo de costas para ele e de pé. Ela girou sobre os próprios calcanhares e se colocou em posição de defesa. Wu se endireitou, podia ver nos olhos dela a mesma determinação de Ming-Yue quando mais nova, a mesma determinação de Feng ao vencer Bái e também do pai do líder tigre. Aquele velho tigre teve esse olhar quando lutou com o próprio pai e imperador para ficar no templo onde aprendeu a amar de verdade a bela kung fu, mas que tão logo, desistiu de lutar e trouxe com ele aquela que seria a mãe de Feng.

Sorriu quando a jovem felina parou seriamente em sua pose e esperou seu movimento. Passaram o dia todo treinando combate corpo-a-corpo, parando apenas no almoço. Estavam no mesmo nível de luta, até que ela o derrubou com alguns golpes e quando Wu percebeu, estava deitado no chão com a guarda baixa e Tigresa com o joelho esquerdo ao lado direito de seu corpo, o pé direito em suas costelas, imobilizando seu braço direito com uma pata e a outra parada à centímetros de seu rosto.

Os dois felinos ofegantes pela luta se encararam e Wu a via com os olhos bem abertos, surpreso. Tigresa o havia superado, notavelmente.

Ela o liberou e se levantou para depois ajudá-lo.

- Ótima luta, Tigresa - sorriu ele.

- Obrigada, mestre - ela se inclinou em respeito.

- Você me superou muito mais rápido que a maioria dos meus alunos em todos esses anos - disse ele deixando-a surpresa - apenas o pai de Feng conseguiu fazer o mesmo com tão pouca idade.

- Sério? Meu avô?

- Sim. Seu treinamento comigo está completo.

- Mas, já?

- Sim, mas comigo. Você pode treinar com outros mestres para melhorar ainda mais. Você desenvolveu todas as habilidades que um guerreiro do estilo tigre poderia desejar, é uma pena que você não era estudante do Palácio de Jade, poderia ter disputado o título de Dragão Guerreiro.

- Hm, acho que não. Apesar de ser um panda, falam que ele é o maior guerreiro que jamais vai existir na China, mas não entendo como um panda pode ser um guerreiro se a raça dele não é agressiva...

- As aparências enganam, jovem Tigresa. Ele pode parecer inofensivo, mas pode ser justamente isso, o juízo precipitado dos bandidos e malfeitores, que o faz vencer. Além disso, kung fu não é apenas ataque e defesa, ensina um modo de vida – sorriu – bem, está dispensada.

- Sim, mestre – se inclinou – até amanhã.

- Até amanhã, menina.

Viu Tigresa se afastar. Lembrou-se de quando o avô da felina aprendeu com ele, afinal Wu tinha idade para ser bisavô da felina. Embora não quisesse admitir, ela era Hu por inteiro.

Tigresa caminhou para casa, havia demorado, então suas amigas tiveram que ir embora. Na rua, os tigres a cumprimentavam, ela era a melhor guerreira de seu clã, ao menos durante os festivais e torneios isso era constatado.

Hoje, ela não estava com vontade de ver An então foi direto para casa e chegando lá, sua mãe, seu pai e irmão estavam sentados à mesa esperando para comer. Tigresa se sentou à mesa em silêncio como sempre, ao lado direito de seu pai que estava na ponta e sua mãe à frente dela, seu irmãozinho à sua direita.

Feng encarava sua filha como todos os dias, querendo que ela voltasse a ser a filhote falante que era antes de contar sobre seu destino. Ming se sentia culpada por isso, só queria que ela ficasse bem. Zhuang apenas ignorara o clima tenso que se formava no local. Estavam jantando sem um ruído, a não ser o dos chopsticks nos pratos.

- Filha – chamou Feng e ela o encarou – como foi seu dia?

- Bom.

- Só isso?

- Sim.

- E seu treinamento?

- Terminei o individual.

- Que legal, filha. Fico muito feliz e orgulhoso de você – sorriu sinceramente para ela.

Tigresa devolveu com um leve sorriso. Apesar de ter um mundo só dela para que pudesse relaxar e se concentrar no que deveria viver, amava os pais e não tinha raiva deles por tudo, apenas não compreendia, mas deixava de lado para poder viver em paz com eles e evitar que se repetissem as brigas que eram frequentes alguns anos atrás. Isso já que, como ela acreditava, seu destino estava selado.

Ming quis dizer alguma coisa, mas todas as vezes que tentava, não era delicada para lidar com sua filha e acabavam discutindo. Feng se colocava entre elas e isso apenas piorava o estado de humor de Tigresa.

- Vai ver o An hoje? – Perguntou Feng.

Ele não aprovava, mas também não iria impedir que ela vivesse algo que a tirasse um pouco de toda aquela pressão.

- Não, estou cansada. Ele vai entender... e também se não entender, não tem problema.

- Ai, ainda bem. Me basta saber que você está com ele, pelo menos um dia não vão se ver – comentou Ming tomando um gole de seu chá.

Tigresa respirou fundo e terminou o jantar. Se levantou.

- Boa noite, Zhu – se aproximou do seu irmão e deu-lhe um beijo na marca central de sua testa.

- Boa noite, Ti.

Ela subiu para seu quarto.

-

- Gente, o macarrão tá pronto.

Quem chamou foi o Dragão Guerreiro, na verdade, fora um panda ex garçom no restaurante de seu pai que conquistou o título de guerreiro lendário com consentimento do universo. Seu nome era Po. Ele era divertido, altruísta, bondoso, atrapalhado e sabia como melhorar o dia de quem convivia com ele ou irritá-los, claro. Era um tanto infantil, mas essa infantilidade poderia ser ou ao menos demonstrar a própria pureza de seu interior e seu coração iluminado.

Pela porta da cozinha entraram uma serpente verde com flores na cabeça, um langur-dourado com um inseto verde em seu ombro direito, uma ave alta e um leopardo das neves. Todos correram famintos e se sentaram empurrando uns aos outros, até que chegam dois outros pra “bota ordi no baguio”.

- Alunos, que comportamento é esse? Todos os dia... a comida não vai fugir – disse Shifu parado na porta.

- Ah, pai, mas se deixarmos Macaco e Louva-a-Deus chegarem primeiro, junto com Po, eles comem tudo.

- Exagero, Tai Lung, Louva-a-Deus come como uma menina – brincou Macaco.

- O quê?! Vai mesmo falar assim de mim? Não te ajudo a pregar peça em... – parou de falar ao ver que todos o encaravam.

- Quem é o próximo? – Perguntou Víbora com uma expressão de poucos amigos.

- Não ia falar alguém, especificamente.

- Nossa, isso tranquiliza demais... – comentou Garça.

- Bem, espero que não estejam com fome ou então eu vou comer todo esse macarrão – disse alguém sentado á ponta da mesa oposta à entrada da cozinha.

- Mestre Oogway, c-como o senhor chegou aí tão rápido? – Perguntou Po assombrado enquanto servia o idoso – isso é demais! Eu quero aprender...

- Tudo a seu tempo, Dragão Guerreiro, mas posso adiantar que, com a leveza da mente, se pode fazer qualquer coisa... obrigado – respondeu, e assim que teve seu jantar servido, começou a comer.

- Vou meditar. Boa noite à todos.

- Boa noite, Mestre Shifu – disseram os estudantes.

- Boa noite, meu velho amigo.

Shifu foi até o pessegueiro e se sentou próximo às suas raízes. Respirou fundo e depois liberou todo o ar de seus pulmões, relaxando. Deixou um sorriso aparecer em seus lábios e fechou os olhos para meditar. Estava em paz.

Os outros guerreiros continuaram comendo e então, depois de terminar, Oogway ficou na cozinha para ajudar Po com os pratos. O panda lavava os pratos com um sorriso nos lábios e a sábio a seu lado secava-os.

- Feliz, jovem guerreiro?

- Sim, mestre. To feliz por tudo ter acabado... vencemos Shen, reencontrei meu povo e descobri mais sobre mim, acho que cheguei à paz interior...

- Sim, mas ainda tem alguma coisa para aprender, não acha?

- É, acho que sim – sorriu – tem muita coisa pra eu aprender, especialmente no kung fu. É incrível como tem coisa que eu não sei.

O que Po disse, fez o Grão-Mestre rir. Ele tinha consciência de que ainda tinha um longo caminho a seguir. Sua integração com o universo estava se formando agora, portanto, ainda não sabia o que fora planejado para ele do mesmo modo que Oogway podia sentir. Ao menos, estava em paz consigo e desse modo, enfrentaria tudo o que fosse colocado em seu caminho.

Logo depois de terminarem com a limpeza, cada um foi para seu quarto ter uma boa noite de sono depois de um longo dia de treinamento e meditação.

-

Na manhã seguinte, em Guangzhou, Tigresa acordou ao som do gongo para rapidamente se vestir e sair de casa sem esperar pelos demais, com apenas uma maça e um copo de chá como café da manhã. Os tigres sob a tutela de seu pai comiam apenas vegetais e frutas, nada de carne para eles. Há muito tempo dominaram seu instinto assassino utilizando-o apenas para defender-se, ao seu território e suas famílias.

Chegou ao seu lugar secreto, seu recanto sagrado, onde poderia ser ela mesma. Ali meditava e treinava socos e chutes. Antes de se sentar a meditar até a hora de treinar, resolveu fazer um pouco de calejamento. Se colocou em frente a uma árvore e começou a soca-la. Um golpe após o outro, já não sentia mais nada e sorriu quando terminou a série de exercícios.

Se sentou sobre uma pedra em posição de lótus e respirou fundo para se acalmar. Durante à noite, antes de dormir, ficou pensando no modo com que sua mãe a trata. Não queria brigas, apenas ficar quieta em seu canto seguindo seu rumo independente de quem o controlasse ou a tivesse incluído nele. Só queria cumprir com o que estava determinada a fazer, já havia dito à seus pais há um bom tempo, mas parece que apenas Feng a ouviu. Então, antes de treinar, se acalmaria, porque não queria voltar á discutir, muito menos num templo sagrado do kung fu.

Enquanto isso, sua mãe estava chegando à academia e Feng a acompanhara para depois cuidar dos assuntos de Guangzhou. Encontraram-se com Hu, pai de Feng.

- Bom dia, filho, Ming.

- Bom dia – responderam os dois.

- Bem, vou entrar, meus alunos já devem estar chegando. Até mais tarde – deu um leve beijo no marido, acenou com a cabeça para seu sogro e se foi.

- Filho, posso ir com você para sua casa?

- Claro, pai – começou a conversar enquanto caminhava para casa - está tudo bem?

- Ah, sim, está. Só fiquei sabendo pela sua mãe que você tem intensões de mandar Tigresa para o Palácio de Jade. Isso é verdade?

- Sim, por quê?

- Acho que ela vai gostar de passar um tempo lá, vai ser muito bom pra ela – sorriu.

- Sério? Tem tanta certeza assim?

- Sim, eu tenho. Quando você a levou até o palácio, ela adorou, não foi? – Perguntou e seu filho assentiu – então, ela vai gostar de voltar pra lá, fará bem a ela e quem sabe, pode quebrar um pouco dessa frieza dela. Eu era assim também, acabei adorando e por mim, teria me tornado um mestre e vivido no palácio até hoje com sua mãe... – Hu tinha a expressão feliz enquanto contava sobre seu antigo desejo.

- E por que não fez isso?

A expressão de seu pai se tornou séria, intrigando Feng.

- A nossa terra estava se tornando uma bagunça por causa do clã branco. Tome muito cuidado e se puder, deixe o pequeno Zhu ser seu substituto, meu filho. Ele realmente tem vontade.

- Ai pai, já conversamos sobre isso! – Feng notou que todos os moradores e visitantes, que passaram à frente de sua casa, os encaravam e decidiu entrar. Uma vez na sala, continuou sua resposta – as regras são claras, o primeiro filho ou filha é quem tem que disputar, porque senão a disputa demorará muito pra acontecer e o clã branco discorda em esperar. Já fizemos reunião pra tentar isso.

- Tente novamente. Ele realmente quer isso... ela não, não é uma coisa que tenha que acontecer já que há outra possibilidade e Zhuang nasceu com a vontade de ser o líder e fazer o bem.

Zhuang estava na escada escondido em uma curva do corredor que levava aos quartos. Estava à ponto de descer quando os ouviu conversar e decidiu não interromper, mas ao compreender o assunto, sentiu interesse e ficou ali.

- Mas, pai... são regras...

- Regras, regras, regras... – repetia Hu andando de um lado a outro – você só sabe falar sobre isso! Esqueça essas regras. A regra que regia a vida de Ming era se tornar mestre, apesar disso ela se casou e teve crias, ainda assim conseguiu ser mestre. A regra da sua vida era se divertir e teve que dar um tempo nisso pra ser nosso líder, mas você recuperou a felicidade quando Tigresa nasceu. É tudo uma questão de ponto de vista...

- Ah, eu não sei – caminhou e sentou-se em um sofá – eu, eu quero que ela seja feliz, quero ela a salvo, mas se não tivermos um líder na época da disputa, todos do nosso clã vão correr perigo, inclusive ela – enfiou a cabeça entre as patas, escondendo seu rosto de seu pai.

- Não deixe que ela perca a chance de se ver livre de tudo isso, eu não tive e imagino que isso seria muito bom. Acho que mesmo Zhuang ficaria com medo de saber tudo que acontece, mas enfrentaria todo mundo pra conseguir o que quer, assim como ela.

- Então por que ela não fez isso ainda? – Perguntou com a voz abafada.

- Provavelmente ela ainda não sabe o que quer... não teve nem tempo de saber com tudo o que vocês dois jogaram nas costas dela – o que Hu disse chamou a atenção de Feng, que o encarou – eu peço que tente convencer o outro clã e nosso próprio a fazer essa... a adiar tudo isso. Manda Tigresa pro Palácio de Jade sim, vai fazer bem, vai melhorar suas habilidades pra luta que ela tem que enfrentar e do jeito que ela gosta de kung fu, ela não vai querer voltar, assim como eu não queria. Você vai ser obrigado a mudar as coisas. Que espécie de líder é você, se não consegue controlar seus próprios súditos?

Hu virou-se e saiu da casa, batendo a porta ao sair e deixando um tigre desconsertado. Seu pai estava certo, deveria se impor, ele não fazia isso nunca, levava as coisas como dava para não arranjar conflitos. Estava decidido, iria fazer o possível para livrar sua filha de tudo que a afligia. Se levantou rumo às escadas.

Zhuang se sentiu mal pelo que seu avô disse, não queria seu pai mal e imaginava como ele se sentia, mas logo parou com seu sentimentalismo quando ouviu alguém, seu pai, pisar no primeiro degrau. Saiu correndo para o quarto, tentando seu máximo para não fazer ruídos no assoalho.

“Merda, merda, merda, merda... ele vai me ver, tô frito! Mamãe vai me matar. Já falou pra eu não escutar conversa dos outros”, pensava ele chegando a seu quarto.

Seu coração estava à mil. Certamente receberia um bom castigo se fosse descoberto. Esperou um pouco e ao não ouvir mais nada, saiu do quarto procurando por seu pai. Feng estava no escritório com a porta aberta. Soltou um longo suspiro de alívio e estava decidido à provar seu valor diante de ambos os clãs para que pudesse ser seu líder.

Desceu as escadas rumo à cozinha.

- Uh, isso me deu fome... pensar me dá fome...