A Emboscada

Cap. 17 A temível nevasca oportuna.


Capitulo 17

“ A temível nevasca oportuna.”

Num estalar de dedos, uma nevasca irrompia sobre a montanha de Highlands. Era pouco provável que fosse decorrente de uma simples e rotineira mudança de tempo, já que há poucos minutos podia-se notar o sol no céu ligeiramente esbranquiçado.

Kurt sorriu com o cenário do local, e teve a certeza de que seu plano funcionaria perfeitamente quando notou que fazia cerca de sete minutos que as Caçadoras saíram da pousada e rumaram exatamente para a armadilha que o mortal organizou em pouquíssimo tempo. Ele estava virando um mestre de truques ardilosos, e notoriamente gostava muito disso.

Com os pés grosseiramente pressionados ao chão a cada passo largo que dava, o mortal declarava seu aborrecimento com seus planos desfeitos pelas caçadoras de Ártemis, as destemidas e inoportunas criaturas que apareceram sem serem convidadas, salvando o grupo que deveria – em sua mente criminosa – estar sumariamente exterminado. Ele não podia deixar provas, portanto, vingar-se das pupilas da deusa das caças era mais do que divertimento, se tratava de necessidade caso quisesse que nenhum de seus rastros possa destruir seu sonho malévolo de vingança.

Não foi difícil convocar mais monstros – que o deus da guerra conseguiu que fossem seus aliados – para que vasculhassem as imediações e encontrassem uma cratera de três metros de profundidade a menos de um quilômetro no declive á nordeste da pousada.

As mesmas criaturas do tártaro receberam ordens de Kurt para que camuflasse o local com folhagens da vegetação local e em seguida cobrir com uma espessa camada de neve, cuidando para que ficasse compacta e aparentemente segura.

O próximo passo era atraí-las para aquela direção. Até para Kurt, que não tinhas raízes míticas gregas, imaginar como fazer isso era mais do que fácil, a dificuldade era irrisória. Um grupo de empousais conseguiria retirá-las do hotel e as levariam até o local em pouco tempo, já que suas vozes sibilantes e impregnadas de intenções malignas faziam um coro que assustava os mortais sobreviventes. As garotas não hesitariam em seguir o som, que mais parecia um chiado de um bando de cobras, o que não estava de todo errado. Nos momentos seguintes, elas cairiam no grande buraco oportunamente descoberto nos arredores.

O mortal tipicamente sádico sabia que as Caçadoras eram astuciosas o suficiente para escaparem da pequena cilada, e então convocou silenciosamente Ares, para que este lhe auxiliasse com uma intervenção divina que tornasse humanamente impossível desviar. Ele também sabia que as garotas eram imortais e só sucumbiriam para o mundo inferior em caso de derrota em combate, o que não aconteceria, por saber que eram habilidosas demais e transformariam em poeira dourada todos os monstros que atravessassem vosso caminho.

Ares parecia ter o dom de saber quando Kurt necessitava de sua ajuda. Obviamente, por ser um deus ele tenha certas virtudes, e reconhecer uma prece está incluso em seus dons, inclusive, ser um bom estrategista estava entre eles, até porque ele não seria o grandioso deus olimpiano da guerra não fosse sua inteligência aplicada em batalha.

Em um encontro forçado com Zéfiro, o deus dos ventos do Oeste, Ares cobrou uma antiga dívida. Sem cumprimentos ou sequer discurso de boas vindas, pois não tinha tempo a perder.

- Suponho que se lembre do episódio com Jacinto, não, grande e bondoso Zéfiro? – ele perguntou com claras segundas intenções fluindo no ar juntamente com sua voz oponente.

- Sim Ares. Creio que veio cobrar o favor que me fizeste ainda naquela época, quando se recusou a pedir qualquer coisa em que lhe pudesse retribuir. – Zéfiro não parecia muito atento à presença de Ares em seus domínios, situados no extremo oeste dos Estados Unidos, em Portland – estado de Oregon.

- É muitíssimo simples, meu caro. O Colorado fica em seus domínios, não fica? – Ares perguntou inocentemente, uma faceta que definitivamente não combinava com ele.

- Sim. – Zéfiro não se prolongou.

- Será divertido até para você, eu posso garantir. O que lhe peço é simples: Comece imediatamente uma tempestade de neve sobre as quatro montanhas de Aspen, mas intensifique o fluxo dos ventos em Highlands. Meu interesse está lá. – Ares praticamente ordenou e pode ver que Zéfiro franziu o cenho. O deus da guerra havia esquecido da índole pacífica do deus dos ventos oestes.

Depois de um tempo pensando sobre, com a dúvida dançando em seus olhos sobre acatar ou não o pedido que o deus em sua frente havia lhe feito, Zéfiro não conseguiu formar uma frase mais inteligente do que a seguinte:

- E por que exatamente eu faria isso? Não vejo motivos. – Zéfiro ainda estava confuso.

Ares, cujo um dos dons não é a paciência, respondeu empregando seu tom de voz mais hostil.

- Os motivos não lhe interessam, são meus e não seus. O que está em questão é que você me deve um favor e eu estou cobrando. O fato de você ter perdido Jacinto para Apolo¹ não te exime de cumprir a dívida. – Os olhos de Ares fumegavam por trás dos óculos escuros. Para que a armadilha de Kurt tivesse sucesso, ele precisava ser mais rápido.

Sem relutar uma vez mais, Zéfiro acenou em concordância com o militar olimpiano e disse por fim.

- Se a nevasca sem fundamento é o pagamento que posso lhe fazer, então considere a dívida paga. Daqui a poucos instantes uma nevasca brusca assolará as montanhas mais famosas do Colorado, em especial, Highlands.

Batendo os coturnos no chão, Ares virou as costas e desapareceu diante do entardecer em Portland, enquanto Kurt observava por um último minuto a nevasca se derramar sobre a pousada.

Com o intuito de voltar para a cabana onde suas reféns estavam, ele tinha os pesados flocos maciços de neve bloqueados por seus guarda costas Lionel e Jake, os lestrigões muito úteis e inseparáveis a ele até o presente momento. Kurt tinha certeza de que, há essas horas, com mais de vinte minutos de tempestade incessante, as Caçadoras ficariam presas na grande valeta até que a nevasca terminasse, sendo machucadas pela quantidade de neve que ia para o buraco e correndo o risco de sofrer uma hipotermia. A cada vez que lembrava que as garotas pagariam com sofrimento sua intromissão, um sorriso brotava de seus lábios, e o regozijo pela vingança apenas alimentava sua alma para que levasse sua emboscada adiante.

***

O grupo de caçadoras se arrastavam em meio aos ventos fortes e cortantes do nordeste da montanha, enquanto empunhavam seus arcos em busca do local de origem do canto efusivo e sibilante que elas sabiam decorrer de um bando de Empousai. Kate, a tenente interina designada por Ártemis em função da licença de Thalia para procurar Annabeth, ia à frente com a tiara prateada brilhando entre seus cabelos curtos e castanhos. O rosto sardento estava judiado pelo inverno intenso, assim como o de todas as outras.

Quando as vozes se tornaram mais audíveis do que nunca, uma chuvarada de flechas foram alvejadas para o interior de uma floresta de pinheiros ao sul de onde as Caçadoras estavam. O barulho cessou por um instante dando lugar apenas do assovio da ventania que se tornava mais forte a cada segundo, e antes que pudessem encaixar novas flechas em seus arcos, as garotas foram sumariamente atacadas por um grupo de vinte empousais ou mais.

O primeiro pensamento foi correr na direção oposta, entretanto, elas não sabiam que estariam correndo direto para a fenda propositalmente escondida há pouquíssimos metros dali, de modo que quando as três primeiras caçadoras pisaram na neve espessa o gelo se rachou e todas foram engolidas pelo abismo em miniatura.

Com o hormônio da destruição correndo por suas veias inumanas, as empousais se debruçaram na borda do buraco recém descoberto e voltaram a cantar de forma torturante, melodia que durou pouco pois logo em seguidas flechas destruíram o coral do tártaro, mandando de volta suas cantoras. No mesmo instante em que explodiam em pó dourado, flocos pesados de neve começaram a cair incessantemente sobre o local, piorando a situação das garotas, que já estavam muitíssimo feridas devido à queda.

- Uma nevasca! Era só o que nos faltava. – Kate gritou, enfurecida. A situação era, sem dúvidas, periclitante.

Uma ideia ocorreu a Lindsay, uma das mais experientes Caçadoras do grupo.

- Sentem-se encostadas na parede da cratera. Aquelas que tiverem escudos, coloquem sobre suas cabeças e protejam as que não os possuem. É uma medida de urgência até que consigamos escapar. – ela ordenou às outras, que prontamente atenderam, na tentativa de não se machucarem ainda mais.

Elas só podiam rezar aos deuses que as protegessem até que o tempo traiçoeiro desse uma trégua e pudessem escapar.

***

Extremamente sorridente, Kurt adentrou a cabana fazendo um enorme alvoroço que despertou Giovanna e Annabeth. As meninas, confusas e com as faces inchadas de quem chorou por algum tempo considerável, sentaram-se de frente ao seu sequestrador.

- Tiveram o que procuravam. Garotas imbecis... que morram congeladas! – ele pensou em voz alta e depois, gargalhou.

Giovanna, no mesmo instante, revirou os olhos e se voltou para Annabeth, falando propositalmente em uma altura em que Kurt ouviria.

- Já fez tanta maldade que ficou louco, coitado. Nós não morreremos congeladas aqui dentro... Se pelo menos estivéssemos lá fora... – ela fez o último comentário de Kurt parecer demente, e Annie riu fracamente.

- Eu não falava de vocês, garota tagarela. Mas sim de suas amiguinhas – ele apontou para Annabeth – as Caçadoras de Ártemis. Aquelas intrusas interromperam a carnificina que eu ordenei que meus súditos fizessem na pousada no momento em que te sequestrei. – Kurt fez menção de continuar, mas Annie o interrompeu com um largo sorriso no rosto e palavras recheadas de asco.

- Seu idiota! Seus súditos são monstros irracionais, enquanto as Caçadoras são em sua maioria, semideusas. Aqueles incompetentes nunca teriam chance contra elas.

- Pelo contrário queridinha... um grupo de Empousais conseguiram atraí-las para uma armadilha que as cercearam no meio da nevasca violenta que ocorre lá fora, neste exato momento. Acho que teremos alguns casos extras de hipotermia... – Kurt se deliciava a cada vez que imaginava a situação precária das Caçadoras.

Giovanna estava sem entender muito a coisa do que era dito ali, mas compreendeu que as Caçadoras estavam de seu lado, e que se elas não tiveram muitas chances de escapar do ataque de Kurt, ela e Annabeth estavam fadadas a perecer nas mãos do sociopata.

Annabeth segurava suas lágrimas e mantinha uma expressão mais fria possível, tão congelante quanto os ventos que no momento sopravam ruidosamente em Highlands. Ela não se conteve e exigiu de Kurt uma resposta para tudo o que estava acontecendo.

- Está na hora de você esclarecer o por quê de tudo isso. Se for para morrer aqui, eu quero saber pelo menos o motivo de minha morte. Você não vai me matar covardemente e me negar esse direito, vai? – ela gritou desafiadoramente a ele.

- Filhos de Atena... sempre atrás da razão. Alliz também era assim. Você quer saber de tudo, desde o começo, detalhe por detalhe. Certo?

Annabeth se limitou em assentir.

- Tudo bem, vai ser divertido contar. – o brilho sanguinário nos olhos de Kurt subitamente deu lugar a um olhar opaco e irremediavelmente triste.

Respirando fundo, ele pôs-se a destrinchar seu passado, sem imaginar que os ouvintes não eram apenas os presentes na cabana. Haviam mais do lado de fora, com os ouvidos preparados para escutar o menor som de ameaça e então invadir o local.

___________________________________

¹ O mito de Jacinto e Zéfiro é verídico entre os gregos, embora a parte em relação a Ares eu tenha acrescentado, então, não haverá as menções que fiz nesse capítulo. Se alguém se interessar em conhecê-lo, acessem: http://somostodosum.ig.com.br/clube/artigos.asp?id=08235.