P.O.V America

Já haviam se passado três dias desde minha última aula com Marlee e ela realmente parecia ter desistido de tentar estimular o seu lado musical. No entanto, a ligação que havia sido interrompida entre nós, agora havia sido reestabelecida com sucesso e isso era bastante agradável para mim.

Estava conversando com minhas criadas sobre séries de televisão – dá para acreditar que aqui na mansão elas não têm tempo para ver séries? Isso pode? Dá para acreditar que Anne nunca ouviu falar de Friends ou How I met your mother? Beleza que eu não assistia a nenhuma dessas séries, mas todo mundo já ouviu falar dessas séries, fala sério! –, falando sobre as minhas preferidas e indicando algumas para elas assistirem quando tiverem tempo, enquanto Lucy escovava meus cabelos, quando uma batida foi ouvida na porta, nos assustando.

— Tive uma ideia! – Maxon anunciou, entrando no quarto sem esperar resposta.

— Alteza. – disseram Mary, Anne e Lucy em coro, sendo que Mary derrubou os grampos de cabelo que organizava antes dele chegar quando se abaixou para fazer a reverência.

— Deixe-me ajudá-la. – Maxon se oferece, indo em sua direção.

— Está tudo bem. – ela garante, de bochechas vermelhas, já indo em direção à saída.

Com uma sutileza bem menor do que gostaria – disso tenho certeza –, ela arregala os olhos para Lucy e Anne, como que implorando para que ambas a acompanhem.

— Ah, hm, boa noite, senhorita. – se despediu Lucy, parecendo incerta, puxando a bainha da saia de Anne para levá-la junto.

Assim que as três saíram, Maxon e eu caímos na gargalhada.

— São um trio engraçado. – Maxon comenta.

— É que elas admiram tanto você.

Modesto, ele fingiu não ter ouvido o elogio implícito em minhas palavras.

— Desculpe a interrupção.

— Tudo bem – respondo, o observando. Passo os dedos pelos cabelos, que se espalharam sobre meus ombros. – Estou bem assim?

Maxon aprova com a cabeça, depois de olhar para mim por mais tempo que o necessário. Quando voltou a si, falou:

— Em todo caso, aquela ideia...

— Diga.

— Eu já sei o que fazer para recompensar a sua viagem perdida.

— Sério? – pergunto, meio empolgada, mais temerária que fosse apenas mais uma ideia que não ia sair do papel. – Você foi rápido.

— Não tanto quanto gostaria. E acredite, eu preferia não ter que fazer isso, ou fazer, mas não por esses motivos. Sinto muito pela viagem perdida, America.

— Sem problemas. Agora prossiga.

— Tudo bem. Eu estava pensando. O Halloween já passou, não foi?

— Sim – confirmei, sem entender aonde ele queria chegar.

— Mas vocês o perderam por estarem aqui. O que acha de darmos uma festa de Halloween?

Me virei para ele.

— Mesmo? Ah, Maxon, será que podemos?

— Você gostaria?

— Eu amaria!

Digamos apenas que eu não participava das festas de Halloween da escola. Muito barulho, muita gente, álcool, sem falar que, sempre acabava em confusão, e, claro, o fator chave: eu tinha que levar meus irmãos para pegar doces.

— Poderíamos mandar fazer fantasias para todas as meninas da Seleção. Os guardas de folga serviriam como pares extras para a dança, já que somos apenas Asher e eu, e seria injusto fazer todo mundo esperar enquanto dançamos com alguém. E poderíamos também fazer umas aulas de dança por uma ou duas semanas. Você já me disse uma vez que às vezes não há nada para fazer durante o dia. E doces! Teremos os melhores doces nacionais e importados. Você estará empanturrada antes do fim da noite. Vamos ter que trazer você rolando de volta para o quarto.

Eu estava hipnotizada por aquelas palavras.

— E poderíamos chamar as famílias. Você acha que sua irmã gostaria de comemorar a data aqui, na mansão?

Fiquei pasma.

— Quê?

— Tenho que conhecer os pais das meninas da Elite em algum momento da competição. Bem que os irmãos poderiam vir junto e fazer desse encontro uma coisa mais festiva.

— Ah, Maxon... seria tão bom. Pena que ela não sabe que eu estou aqui. Ela nem sabe que sou uma semideusa...

Ele me olhou, parecendo triste.

— Além do mais, ela está em aulas.

— Ah.

Percebi que tinha feito besteira, trazendo esse clima pesado ao ambiente graças aos meus problemas de família.

— Mas é uma ideia incrível. – assegurei.

Então eu o abracei, para ele saber que a ideia havia me deixado bastante feliz e que ele era incrível. Ele jogou seus braços em torno de minha cintura e me olhou nos olhos; seu olhar brilhava de alegria.

— Mas é sério? Eles poderão vir de verdade?

— Claro. – afirma ele. – Faz tempo que gostaria de conhecê-los, e faz parte da competição. E além disso, ver suas famílias também faria bem a todas vocês.

Quando tive certeza de que não choraria, cochichei:

— Obrigada.

— É sempre um prazer... Sei que você ama eles.

— Amo.

— E é óbvio que você faria praticamente qualquer coisa por eles. – continuou Maxon, com um sorriso.

— Mas e os pais divinos?

O sorriso de Maxon despencou um pouquinho.

— Vamos ter que convidar o Olimpo.

Só de imaginar minha mãe, meu pai e Apolo no mesmo salão, já sentia uma onda de enjoo, mas tentei não demonstrar. Maxon era uma pessoa importante e sempre fazia as coisas que estavam ao seu alcance por mim, eu adoraria reencontrar meus pais, mesmo que fosse estranho.

Me lembrei da conversa com Marlee e de como me sentira no dia em que falamos da Seleção. Era difícil ver Maxon como meu namorado sabendo que ele se encontrava com outras garotas, mas ele também não era apenas um amigo. Mais uma vez, fui tomada por uma sensação de esperança, me maravilhei com a possibilidade de termos algo especial. Maxon significava mais para mim do que aquilo que eu me permitia ver.

Dei um sorriso e me dirigi para a sacada com passos lentos.

— America Singer, volte aqui.

Ele correu na minha frente, me alcançando antes que eu saísse, e passou o braço por minha cintura. Seu peito pressionava o meu.

Virei-me para ele, meio surpresa com aquele contato repentino.

Sem qualquer aviso, Maxon me beijou. Senti meu corpo inclinar um pouco para trás, completamente sustentado por seus braços. Passei as mãos em torno de seu pescoço, com o desejo de guardá-lo só para mim... e, então, algo passou por minha cabeça.

Geralmente, eu conseguia deixar de lado todas as outras pessoas quando ficávamos a sós. Mas naquela noite, pensei na possibilidade de haver alguém em meu lugar. Só de imaginar outra garota nos braços de Maxon, fazendo-o rir, casando-se com ele... Isso despedaçava meu coração. Não deu para evitar: comecei a chorar.

— O que foi, amor?

“Amor”? Aquela palavra, tão terna e pessoal – apesar de ligeiramente brega –, me tocou. Naquele instante desapareceram quaisquer desejos de lutar contra o que eu sentia por Maxon. Eu queria ser seu amor. Queria ser só de Maxon.

Essa escolha poderia implicar um futuro generoso em que eu nunca tinha pensado. Talvez tivesse que dar adeus a diversas coisas que nunca imaginei abandonar. Eu não podia, porém, lidar com a ideia de ficar longe dele.

Sim, realmente eu não era a melhor candidata a virar uma espécie de deusa, mas não queria continuar na competição se fosse incapaz de ao menos confessar meus sentimentos a ele.

Respirei fundo, na tentativa de manter a voz firme.

— Não quero deixar tudo isso.

— Se bem me lembro, na primeira vez em que nos encontramos, você disse que a mansão parecia uma jaula.

Maxon sorri e completa:

— No entanto, acabamos nos apegando a ele, não?

Inclinei um pouco a cabeça, concordando.

— Às vezes, a gente consegue ser bem idiota. – eu digo, e um riso fraco conseguiu abrir caminho entre meus soluços.

Maxon me deixou recuar o suficiente para eu olhar no fundo de seus olhos castanhos.

— Não é a mansão, Maxon. O que menos me importa são as roupas, a cama e, acredite, a comida.

Maxon riu. Não era segredo a minha empolgação com as refeições exóticas que fazíamos.

— É você. – eu digo. – Não quero deixar você.

— Eu?

Fiz que sim com a cabeça.

— Você me quer?

Achei engraçada a sua expressão maravilhada. Quase consegui imaginar ele completando “Você quer esse meu corpinho sexy?” Fazendo uma pose engraçada, mas ele não o fez. Foi meio decepcionante e meio aliviante; apesar de eu o imaginar assim, não quer dizer que essa é uma cena que eu realmente queira ver. Dei um risinho.

— É isso o que estou dizendo.

Ele se cala por um momento.

— Como... Mas... O que fiz?

— Não sei. – respondo, dando de ombros. – Só acho que formaríamos um bom “nós”.

Ele abriu um sorriso.

— Formaríamos um “nós” maravilhoso.

Maxon me puxa para si, de uma maneira até bruta para seus padrões, e me beija outra vez.

— Tem certeza? – ele me pergunta, segurando-me com os braços esticados e me olhando ansioso. – Certeza absoluta?

Estou prestes a responder que sim, quando batidas são ouvidas na porta.

— America? – ouço Asher perguntar, entrando. – Está aí?

Então ele se depara conosco e para, observando-nos levemente chocado.

— Uou... – o som sai lentamente de seus lábios abertos.

— Ninguém nunca te ensinou a bater não? – Maxon pergunta, ele parece muito irritado. Muito mesmo.

— Na verdade, a minha primeira namorada, lá por 1900 e... – Asher começa, com um sorriso malicioso, mas é cortado.

— Pare! Que horrível. Você é uma criatura desprezível. Falando esse tipo de coisa na frente de uma garota. – Maxon diz.

— Ei... – protesto fracamente.

Maxon está irritada e Asher parece divertido. Essa áurea dele de conseguir fazer brincadeira com tudo, às vezes, apesar de muito incômoda, é divertida. Apesar de tudo, o clima foi destruído.

— O que você quer? – ele pergunta, exasperado.

— É com a dama, não com você. – Asher responde. Ele aponta com a cabeça para a porta. – poderia sair?

Maxon revira os olhos. Ele se levanta da beirada da cama e dá um beijo na minha testa.

— Cuidado com esse idiota. – ele sussurra.

— Eu ouvi.

— Essa era a intenção. – Maxon rebate. – Tchau, America. Até amanhã. – e saí, ainda parecendo bravo.

— Oi, America. – Asher dá um sorrisinho confiante e um pequeno aceno. – Tudo bem com você?

Um pensamento me ocorre.

— Você sabia que ele estava aqui? – pergunto.

— O quê? Como você pode pensar que eu deliberadamente interromperia um momento seu e dele? – ele me olha, como se esperasse que sua brincadeirinha me convencesse. Quando percebe que não, apenas dá um sorrisinho. – Talvez sim, talvez não. – meneia com a cabeça. Continuo a encará-lo. – Tá bom. Não. Mas foi uma ideia brilhante vir convidá-la para um encontro, de qualquer modo.

— Um encontro? – pergunto, ainda não convencida.

Asher parecia sincero, mas eu ainda não sei se confio nele. Apesar dele seu charme e tudo o mais, Asher ainda tem alguma coisa que me grita para ter um pé atrás com ele, talvez seja sua descendência divina, lembro-me que Annabeth já me contou uma vez que passou poucas e boas com alguma coisa a ver com Circe...

— É. Sei que você não precisa que eu busque um dicionário para te dar a definição, você tem feito isso esses meses todos com o idiota do meu irmão. – ele revira os olhos.

Não é como se eu pudesse negar, não é mesmo?

— Tá, né? – digo, vacilante.

— Apesar de todo esse seu entusiasmo, tenho certeza que você não se arrependerá. – diz, caminhando de volta para a porta. – Amanhã eu venho te pegar depois do almoço. – ele fala, de costas para mim, antes de se virar e dar outro sorrisinho. Abre a porta. – Durma bem. – diz, antes de fechar a porta e sair.

Suspiro antes de me jogar na cama e ficar pensando o que diabos está acontecendo na minha vida.