A Different Dawn Treader
Sobre reencontros e doninhas
— Foi emocionante — Lúcia comentou enquanto recebia uma toalha.
— Como foi que vocês vieram parar aqui? — Caspian perguntou, passando um braço pelo ombro da garota.
— Eu não faço ideia!
— Caspian.
Os dois olharam para trás, vendo Edmundo, mesmo que ensopado, sorrir. Caspian andou até Edmundo, entregando-lhe sua toalha.
— Edmundo — ele cumprimentou.
— É um prazer ver você — Edmundo informou.
— É um prazer ver vocês, também.
— Mas... você não chamou a gente? — Lúcia perguntou, confusa.
— Não, não dessa vez — Caspian respondeu.
— Seja qual for o caso, é um prazer — Edmundo estava realmente feliz por voltar a Nárnia, não importava qual fosse o motivo ou os perigos.
De repente, gritos foram ouvidos. Todos olharam para o centro do deck. Eustáquio estava ao chão, berrando.
— Tira esse bicho de perto de mim!
Ele empurrou uma pequena figura, que correu e parou próximo aos reis e rainha.
— Ripchip! — Lúcia exclamou, sorrindo.
— Oh, Majestades — Ripchip ajeitou a bainha da espada, fazendo uma reverência.
— Oi Ripchip, é um prazer — Edmundo sorriu ao ver o rato.
— O prazer é todo meu, senhor. Mas, primeiro, o que fazer com esse intruso histérico?
Ripchip apontou para Eustáquio, que tossia e se remexia no chão de deck.
— Esse rato gigantesco quase arranha minha cara toda!
— Eu só tentei tirar a água de seus pulmões, rapazinho — defendeu-se Ripchip.
Eustáquio logo se levantou, aturdido.
— Ele falou! Vocês ouviram? Alguém mais ouviu? Esse rato falou!
— Ele fala sempre — comentou um dos marinheiros.
— Fazer ele se calar é que são elas — Caspian continuou, rindo.
— Quando não houver nada a dizer, Majestade, eu prometo ao senhor que não direi nada — Ripchip fez-se de ofendido.
— Mas que gritaria é essa? — uma voz feminina e um pouco esganiçada surgiu um pouco atrás de Eustáquio.
Edmundo logo estreitou os olhos, a fim de ver quem era. Ele sabia que aquela não era a sua voz, mas não custava nada ter esperança. E realmente não era. Na verdade, era uma garota da sua idade, mas claramente da Calormânia. A garota usava um vestido como os que se usam na Corte, o que parecia uma piada já que estavam em um navio.
— Eu não sei que brincadeira é essa — Eustáquio exasperou. — Mas eu quero acordar agora!
— Por que não o jogamos de volta ao mar? — perguntou Ripchip.
Edmundo pareceu ponderar por um segundo, mas Lúcia o repreendeu. Eustáquio emitiu um ruído esquisito antes de andar de um lado para o outro.
— Eu exijo saber agora mesmo onde estou!
— Está no Peregrino da Alvorada, o melhor navio da marinha de Nárnia — um minotauro respondeu, o que fez Eustáquio ficar ainda mais histérico.
O choque foi tão grande, que o menino caiu desmaiado no chão. Todos os tripulantes riram.
— Que frescura — a garota calormana comentou.
Caspian se aproximou, rindo.
— Eu disse alguma coisa errada? — o minotauro perguntou.
— Cuida dele, por favor — Caspian pediu.
— Majestade.
Caspian chamou a atenção dos tripulantes subindo na escadaria na popa do navio.
— Homens — chamou. — Vejam nossos náufragos. Edmundo, o Justo e Lúcia, a Destemida, Grandes Rei e Rainha de Nárnia.
Todos os tripulantes fizeram uma longa reverência aos dois.
XX
Caspian levou Edmundo e Lúcia até um camarote no interior do navio. Lá, Lúcia percebeu uma imagem entalhada de Aslam. Ela sorriu ao ver tudo o que tinha na pequena cabine.
— Olha, o arco da Susana com as flechas!
— Lúcia — Caspian chamou, tirando de um armário uma caixa.
— Meu elixir de cura — Lúcia sorriu, voltando para mais próximo. — E o punhal.
Ela já ia pegar os objetos, quando se retesou.
— Posso?
— É claro, eles são seus — Caspian respondeu.
— A espada do Pedro — Edmundo falou, chamando a atenção de Caspian.
— É, eu cuidei dela, como prometi — Caspian se aproximou, pegando a espada e ofereceu-a. — Toma, pode usar, se
— Não, não, não, é sua — Edmundo logo a recusou. — O Pedro deu pra você.
Caspian assentiu, se dirigindo novamente ao pequeno armário.
— Mas eu guardei uma coisa para você — ele pegou algo e deu para Edmundo.
— Obrigado — Edmundo agradeceu, ligando a lanterna, apenas para testar.
(...)
— Desde que se foram, os Gigantes do Norte se renderam de uma vez por todas — Caspian apontava o mapa. — Depois derrotamos os exércitos de Calormânia no Grande Deserto.
— Hã, se vocês derrotaram os exércitos da Calormância, quem é aquela garota? — Edmundo perguntou, quase inconscientemente.
— É Raisha*, uma das princesas do país. Ela está fazendo uma visita. Pelo menos era para ser uma visita — Caspian informou. — Bem, como eu dizia, a paz reina em toda Nárnia.
— Paz? — Edmundo voltou a perguntar.
— Em apenas três anos.
— E já encontrou uma rainha para você nesses três anos? — foi a vez de Lúcia perguntar, fazendo o mesmo gesto de por uma mecha de cabelo atrás da orelha.
— Ninguém que se compare a sua irmã — Caspian respondeu.
— Espera aí, mas se não há guerras para lutar, nem ninguém em perigo, por que estamos aqui? — Edmundo questionou.
— Tenho certeza que não foi apenas para ver um certo alguém, Edmundo — Lúcia brincou.
Caspian riu, mas logo falou: — É uma boa pergunta. Estou me perguntando isso agora mesmo.
— Mas para onde estamos indo? — Edmundo ignorou a brincadeira de Lúcia.
— Antes de retomar o trono do meu tio, ele tentou matar os melhores amigos de meu pai e seus aliados mais fiéis, os Sete Fidalgos de Telmar — Caspian mostrou alguns desenhos de perfis pendurados na parede atrás da mesa onde o mapa se encontrava. — Eles fugiram para as Ilhas Solitárias, ninguém mais teve notícias deles.
— E você acha que aconteceu alguma coisa?
— Se aconteceu, é meu dever descobrir.
— O que fica a leste das Ilhas Solitárias? — perguntou Lúcia.
— Águas não mapeadas — respondeu Drinian, o capitão do navio. — Lugares que mal dão para imaginar. Há contos de serpentes marinhas e monstros piores.
Edmundo riu, perguntando em seguida: — Serpentes marinhas?
— Pois bem, capitão, já chega de suas histórias — Caspian interrompeu.
XX
“Onde o céu e o mar se encontram,
Onde as ondas se adoçam,
Não duvide, Ripchip,
Que no Leste absoluto está
Tudo o que procura encontrar.”
— Que bonito.
Ripchip, que estava apoiado no chifre da cabeça do dragão da proa, levou um susto ao ouvir o comentário de Lúcia.
— Majestade, Alteza — o rato cumprimentou.
Lúcia sorriu, mas ao ouvir o ‘alteza’, franziu a testa e se virou, dando de cara com Adria.
— Adria! — ela voltou a sorrir.
— Não acredito que você voltou e nem me deu um “oi” sequer — a garota reclamou, ao receber um abraço apertado da mais nova.
Lúcia se afastou, rindo.
— Edmundo está pelo deck — informou. — Tenho certeza que ele vai gostar de te ver.
Adria disfarçou um sorriso e olhou para trás, apenas para ter certeza de que não havia ninguém por perto e que pudesse ter ouvido o que Lúcia disse.
— Conte a ela, Rip — ela se dirigiu a Ripchip. — Sabe, sobre a música...
E, então, caminhou pelo deck até onde os tripulantes exclamavam em aprovação enquanto Edmundo e Caspian duelavam. As lâminas das espadas se chocavam com frequência enquanto mais e mais golpes eram desferidos.
Edmundo fez um arco central com a espada, quase acertando Caspian, mas esse se desviou a tempo. O garoto voltou a fazer um arco, desta vez por cima. Caspian fez o mesmo, ainda desviando e desferindo mais golpes.
O duelo entre os dois estava acirrado, já que não se poderia dizer quem estava ganhando. Mais uma vez, o metal se cruzou e, num movimento quase imperceptível, Edmundo tinha a espada apontada para as costas de Caspian, enquanto o outro tinha a sua própria espada a centímetros do pescoço do garoto.
— Ficou mais forte, meu amigo — Caspian elogiou.
— É — Edmundo disse, franzindo a testa por conta do sol. — É o que parece.
Eles ouviram uma risada conhecida e que os dois adoravam. Adria estava recostada no mastro com os braços cruzados.
Edmundo sorriu ao, finalmente, vê-la. A garota usava uma camisa branca, como qualquer outro tripulante, mas o que a diferenciava era a longa saia marrom que esvoaçava com o vento.
— Alguém pode me explicar quem é o garoto desmaiado na cabine?
Caspian e Edmundo se entreolharam.
— O histérico? — a tal garota calormana, Raisha, apareceu ao lado de Adria.
— Ah, você ainda está aqui — Adria fez uma careta.
— E onde mais eu estaria?
— Bem, eu achei que a essa altura algum dos marinheiros já havia te jogado no mar. Sabe como é, ninguém aqui é capaz de aturar uma doninha espevitada.
— Você me chamou de quê? — Raisha estreitou os olhos.
Caspian sufocou um riso, enquanto Edmundo ria baixo. Mas não foi baixo o bastante, já que Adria olhou para ele com uma sobrancelha levantada.
— Oi. — Ele disse, atrapalhado.
A garota riu levemente, mas retribuiu o cumprimento.
— Oi.
— Tudo bem, mãos à obra! — Drinian ordenou e os tripulantes voltaram aos seus afazeres.
Edmundo viu quando Adria e Raisha saiam dali resmungando alguma coisa uma para a outra, e planejava segui-las, se não tivesse sido atrasado por um marinheiro que lhe oferecera um copo com água. Quando voltou a vê-las, elas estavam com Lúcia recostadas na amurada do navio.
— Edmundo — Lúcia chamou. — Será que se a gente for de barco até o fim do mundo, a gente... cai pela beirada?
— Relaxa Lúcia, a gente tá muito longe de lá — o irmão respondeu.
— Cair pela beirada? Isso é possível...? — mas Raisha não terminou de falar, pois nesse mesmo instante Eustáquio apareceu.
— Ah, vocês estão aí — ele disse, ainda carrancudo. — Já vi que ainda estão falando besteiras, vocês dois.
Ele estava tão concentrado em manter sua pose de quem não queria estar ali, que nem se deu ao trabalho de notar Adria e Raisha.
— Está se sentindo melhor? — perguntou Lúcia.
— Estou — respondeu. — Mas não graças a você.
Raisha revirou os olhos.
— Sorte que eu tenho uma saúde de ferro — o menino continuou.
— Uma simpatia, como sempre — Ripchip apareceu se agarrando a uma das cordas que pendiam da vela. — Vê se não cai.
— Eu não caí — Eustáquio se defendeu. — Só estava absorvendo o choque.
Só então ele percebeu as outras duas garotas ali, e logo corrigiu sua postura.
— Mamãe diz que minha percepção é apurada — se gabou. — Por causa da minha inteligência.
Raisha e Lúcia riram, enquanto Edmundo cuspia, a contragosto, a água que bebia.
— E sua mãe tem toda razão — Adria concordou, o que deixou a todos confusos. — Sua inteligência é, hum... bastante singular.
— Ah, bem, é isso mesmo — ele se surpreendeu ao ver que alguém naquele navio de loucos apreciava sua cultura. — E quem é você?
— Acho que se lembra da ‘namorada imaginária’, não é? — Edmundo perguntou.
— Hã, é... Ela não é tão imaginária assim.
Adria arqueou uma sobrancelha, olhando para Edmundo. O garoto sorriu para ela, esperando ter tempo, mesmo que mais tarde, para ficar a sós.
— Ele vai acabar nos colocando em apuros — Ripchip balançou a cabeça em negativa.
— Você vai ver quando chegarmos na civilização — Eustáquio retrucou. — Vou contatar o Consulado Britânico e mandar prender vocês todos por rapto!
Ele se afastava de outros cinco, mas, ainda olhando para trás, esbarrou em Caspian.
— Rapto, é? Engraçado, pensei que tivéssemos salvado a sua vida.
— Me trouxe contra a minha vontade!
Ripchip riu.
— E para um lugar que, francamente, não tem a menor higiene! Parece um zoológico aqui embaixo!
— Esse rapaz só sabe reclamar? — Ripchip perguntou.
— Você ainda não viu nada — Edmundo resmungou.
— Se ninguém fizer nada, eu mesma jogo esse garoto do navio — Raisha se pronunciou, e só então Edmundo reparou nela.
De certa forma, ela se parecia com Adria. Apesar do jeito extravagante e da clara diferença de traços, ela parecia ter a mesma impaciência e péssimo senso de humor. E, não que ele tivesse notado (claro), ela era bonita.
— Ele me lembra aquela garota de Galma — Adria comentou com Caspian, que riu.
— Eu ia dizer a mesma coisa.
— É... Mas eu sou mais engraçada, mais esperta e, ah, eu falei primeiro — a garota piscou.
Caspian rolou os olhos.
— Continue pensando assim, talvez se torne realidade.
Adria fez uma cara ofendida. O mais velho riu e depositou um beijo na testa da garota, saindo logo em seguida.
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