Deixe-me ficar onde o vento vai sussurrar para mim
Onde as gotas de chuva enquanto caem contam uma história

Amy Lee.

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Talvez tudo aquilo fosse uma loucura. Uma doce e intrigante loucura, a qual Yohma não temia.

Temer à insânia? Ele não temia a nada. Muito menos a algo tão simples, que muitos faziam questão de temer e desprezar.

Mas aquela doce loucura era, sem dúvidas, muito diferente de todas as outras que costumavam assolar sua mente desatinada. Não era apenas uma ilusão, um sonho, ou um pesadelo. Era real. Conseguia sentir o cheiro doce que vinha dela, não apenas da mulher que sempre tirava suas noites de sono, mas do jardim onde ela sempre costumava caminhar. Um jardim exótico, com flores de papel, um ambiente agradável, meio escuro, porém, iluminado na medida certa. A iluminação fraca era mais que suficiente para poder ver a silhueta do vestido longo e das madeixas contra o vento.

Aquela mulher não poderia ser apenas fruto da sua imaginação. Não, não poderia.

Um sorriso jactancioso desenhou-se em seus lábios, um riso que muitos consideravam cínico, mas que talvez o cinismo fosse apenas mais uma de suas ferramentas que ao longo do tempo aprendeu a usar como arma. E que agora lhe era uma característica bastante peculiar.

Levou o cigarro aos lábios, sentindo a calmaria que a nicotina lhe trazia. Em seguida, com suavidade, a fumaça escapava de sua boca, para iniciar mais uma nova tragada. Aquele era um dos poucos vícios que poderia ter para acalmar-se. Logo ergueu a cabeça mais uma vez, fitando a noite estrelada, observando com atenção... Mais uma noite, mais um sonho, e mais uma vez... A misteriosa mulher.

O clima frio das ruas da Itália apenas contribuía para pensar mais uma vez naquele misterioso sonho. Ou pesadelo. Um pesadelo que gostava de chamar de sonho. Era um pesadelo justamente por isso, por manter-se apenas no sonho, em sua mente. Quantas contradições, não? Mas aquela mulher era a única capaz de contradizer ainda mais a sua mente maluca.

Quando foi que começou a ter sonhos tão complexos com ela?

Ele não saberia responder. Mas já fazia um tempo, um bom tempo. Bastante tempo.

O relojoeiro deu uma leve risada, após mais uma tragada. Gostava de rir de suas próprias loucuras. Talvez as pessoas da vila tivessem razão. Todos o tachavam como louco, o relojoeiro louco, devido ao seu jeito de ser. Diziam até que ele costumava brincar com o tempo. Havia virado uma verdadeira lenda viva devido ao seu jeito de agir, nada convencional, o seu sorriso de deboche e cinismo, o olhar distante, mas ao mesmo tempo intenso.

E realmente gostava do tempo.

Passar o tempo concertando o tempo... Não existia coisa melhor!

Logo jogou o resto do cigarro no chão, pisando em cima. O caminho já estava bem mais escuro, mas já estava acostumado. Era o caminho de sua casa, afinal, que era relativamente longe do centro. E normalmente continuaria esse caminho com seus próprios pensamentos, mas hoje algo diferente lhe chamou a atenção. Yohma virou o rosto, vendo uma coruja em uma árvore relativamente longe. E ela parecia lhe observar.

Dizem que as corujas, símbolo da sabedoria, observam as pessoas. Mas nunca havia reparado numa coruja tão esquisita como aquela. Aquela coruja... Então era esse o animal que parecia sempre estar em companhia com aquela mulher?

- Essa coruja... - Murmurou para si mesmo, ajeitando a cartola elegante sobre sua cabeça antes de seguir o animal, que passou a voar de um jeito sereno, como se o guiasse.

Os passos rápidos a seguiam, aquela criatura da noite certamente estaria o levando para algum lugar. Correu sem rumo. Era um maluco mesmo, estava se deixando guiar por uma coruja! Uma ideia sem pé nem cabeça, mas que no momento pareciam lhe levar ao seu sonho-pesadelo preferido. Por que se sentia tão atraído por aquela mulher? Por que desde quando ela começou a aparecer em seus sonhos já não conseguia mais tira-la de sua mente?

A coruja enfim pousou.

Pousou no braço de uma mulher, em meio a um campo vasto e pouco iluminado. Talvez as luzes da época ainda não fossem suficientes para sanar a necessidade de luz em meio à penumbra da noite. Porém, naquele momento bastava a fraca luz da lua para lhe fazer ter a certeza de que era ela ali.

- Enfim resolveu aparecer. – Yohma falou com seu característico sorriso.

A moça sorriu e voltou seus olhos violáceos para os tão intensos a sua frente. Impossível não deixar escapar um sorrisinho diante daquele homem.

Aproximou-se a passos lentos, vendo que ele também se aproximava se si sem medo algum. Provavelmente qualquer outro que não fosse ele iria se afastar. E talvez fosse por isso que se sentia atraída por Yohma. Porque a loucura dele completava a sua.

- Não está assustado em me ver? – Perguntou realmente curiosa.

- Assustado em ver uma bela dama? – O outro lhe sorriu, galante e sedutor, beijando-lhe a mão alva e gélida, tirando a cartola em sinal de uma boa educação.

- Galanteador como sempre... – Comentou com uma pontada de ciúmes, mas não deixou de sorrir. Suas vestimentas longas, que apesar de serem características da época, não eram tão convencionais, e voavam com o vento, assim como os cabelos soltos e levemente desalinhados.

Uma de suas mãos pousou no rosto do homem a sua frente. O rosto áspero, a barba por fazer em contato com seus dedos finos e gelados. Sua pele era fria, diferente da dele, quente e cheia de vida. Desde que o viu em meio de seus devaneios, não parava de invadir os sonhos dele. E enfim, resolveu revelar-se. Já não aguentava mais deixar tudo apenas no subconsciente.

- Afinal... Quem é você? – Yohma perguntou intrigado. Ainda segurava-lhe a mão direita, sentindo como era delicada e macia.

- Eu sou... – Parou um pouco, antes de pensar na resposta. – A deusa da luz imaginária. E quero te levar ao meu campo de flores de papel. – Uma pequena e breve risada singela se fez, vindo da mulher, antes da mesma quebrar a distância e colar seus lábios nos dele. Enfim sentindo o calor, a paixão...

O tempo e o vento frio eram as únicas testemunhas daquele beijo tácito. Além do olhar intenso da coruja em direção aos amantes.

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Fim.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.