Sempre tive tudo o que uma pessoa pode desejar: riquezas, poder, boa saúde, minha família me amava e... Está bem, quase tudo. Nunca tive alguém para amar.

Não que nunca houvesse alguém para saciar minha luxúria. Desses haviam aos montes - mulheres, e até homens, os últimos sem o conhecimento de meus pais. E nunca me faltaria alguém - quem se negaria a deitar-se com o filho do Rei? Mas é de amor que estamos falando, não desejo.

Eu tinha tudo, menos amor. Na realidade, eu nada tinha, e minha vida era vazia.

\"And love\'s light blue

Led me to you

Throught the emptiness that had become my home\"

[E a luz triste do amor

Me guiou à você

Através do vazio que se tornou meu lar]

Peguei meu cavalo no estábulo e fui dar um passeio pela floresta. Era começo de inverno, e já nevava um pouco. Cavalgava a esmo, tentando me distrair. Foi quando avistei-na.

A tez era tão alva quanto a neve que caía, suas bochecas estavam coradas - ela estava correndo, mas não aparentava fazer esforço -, seus lábios carnudos eram rosados, e seus cabelos eram compridos, lisos e negros. Não pude ver a cor de seus olhos, mas queria muito descobrir. E ela estava usando um vestido leve, com um tecido que nunca antes vi. Parecia ser tecido com a própria luz da lua.

E, no instante seguinte, ela não estava mais lá.

Cavalguei para o lugar onde ela estava. Cavalguei para mais além, e nada. Resignado e pensando ter sonhado acordado, voltei para o castelo, para meu quarto, minha luxúria e meu vazio. Mas meu vazio já não me parecia mais tão vazio.

Cavalgar na floresta havia se tornado uma obsessão. Por mais que o inverno avançasse, eu ia à procura daquela dama do vestido de lua, mas não achava. Ainda sim, nunca desistia de procurá-la. Entrava na floresta ao alvorecer e só saia quando estivesse escuro demais para que eu enxergasse direito lá.

Logo chegou a primavera, e nem sinal da Dama do Vestido de Lua. Mas eu ainda procurava. Então, um dia, enquanto procurava, uma dama de tez levemente bronzeada, cabelos louros, ondulados e compridos, lábios finos e rosados, olhos de uma estranha cor âmbar, pulou em meu caminho. Assustei-me e fiz o cavalo parar, e, então, notei que seu vestido lembrava o da Dama do Vestido de Lua, mas parecia tecido da luz do sol. Ela sorria, radiante.

Principe: Tome cuidado, senhorita. Poderia ter se machucado.

Sol: Porque sempre vens à nossa floresta, caro Principe?

Principe: Nossa?

Sol: Sim, nossa. E então?

Principe: Procuro por uma dama que vi correr, certa vez, por aqui. Tem cabelos longos e negros, e um vestido que se assemelha ao teu, porém brilha com a lua.

Sol: E para que desejas vê-la?

Principe: Eu... Não sei de certo.

Sol: Venha comigo.

\"Love\'s lies, cruel,

Introduced me to you

And that moment, I knew that I was out of hope\"

[Mentiras de amor, crueis,

Apresentaram-me à você

E, naquele momento, soube que eu não tinha esperança]

Ela era rápida, não teve problemas em guiar acompanhando o ritmo do cavalo. E também não teve problemas para falar correndo - sua voz soava como se estivesse parada. Quando virou sua cabeça para mim, no sol, seus olhos brilhavam como ouro.

Sol: Acredita em lendas e contos de fadas, Principe?

Principe: Não. Já sou bem grandinho.

Sol: E conhece muitas lendas?

Principe: Algumas.

Sol: Já ouviu a lenda dos corpos celestes?

Principe: Já ouvi, mas não me lembro por completo.

Sol: Bem, eu posso resumir e vos contar.

\"Do Caos e da Noite veio a existência. Deles, tudo nasceu e floresceu. Primeiro veio o firmamento, que tudo contém. Depois vieram nove planetas. E o firmamento encheu-se de estrelas. E os planetas ganharam luas.

Depois, os corpos celestes ganharam almas, para que pudessem viver. Uma das estrelas grandes foi aproximada dos nove planetas - chamava-se Sol.

As almas dos corpos celestes convivem em harmonia, vão e vem como querem, e andam entre os mortais, se assim desejarem.\"

Assim que ela parou de falar, chegamos à uma clareira. E eu pude entender o porquê de ter ouvido aquela lenda. Eu pude entender que aquilo era verdade. Pude entender que estava perdido.

Era uma clareira imensa. Várias damas faziam uma dança complicada que não pude entender a princípio. Mas, então, a Dama do Vestido de Sol correu graciosamente e posicionou-se ao centro, girando sozinha. Ela era o Sol!

Céus! Elas eram os espíritos dos corpos celestes!

Procurei com os olhos pela Dama do Vestido de Lua. Mercúrio... Vênus... Terra... Terra! E lá estava ela, girando ao redor de uma dama de cabelos castanhos e cacheados, e um vestido verde-azulado.

Não sei quanto tempo durou. Mas, depois, todas estavam abraçando-se e sorrindo. Depois, viraram-se para alguém e se curvaram.

Sentadas em uma rocha estavam duas mulheres. Uma tinha cabelos negros e curtos, a pele negra como o ébano, lábios fartos e pálidos. Seu vestido era negro. Deduzi que essa seria a Noite. A outra tinha cabelos coloridos, coisa que nunca havia visto, um corte confuso, pele amarelada, e seu vestido era mais curto e manchado de cores. Com toda a certeza, era o Caos.

Sol: Senhoras, descobri o que o Principe quer.

Noite: E o que é?

Sol: Ele deseja falar com a Lua.

Ela levantou-se, então, e veio à minha frente. Meus olhos encontraram os dela. Prateados. Simplesmente lindos.

Como isso foi acontecer? Como me apaixonei pela Lua?

Desejei morrer.

Lua: Olá, Principe.

Principe: Olá, senhorita.

Lua: Porque vieste procurar-me?

Principe: No começo do inverno, te vi correndo pela floresta. Desde então, empenhei-me em achar-te.

Lua: Porque apaixonou-se?

Principe: Não sei ao certo. Nunca havia sentido isso.

Lembro-me de cada pequeno gesto dela. Segurou meu rosto com as mãos e aproximou-se um pouco. Encarou-me por um tempo e, por fim, suspirou e me soltou.

Lua: Não sei se fico feliz ou triste com uma resposta duvidosa.

Principe: Porquê?

Lua: Porque eu te amo, Principe. Amo, mas não é certo.

Principe: Porque não?

Lua: Vais morrer, eu não. Tens um reino para governar e precisará de herdeiros. E eu não poderia deixar um filho meu viver muiito tempo em terras mortais - é contra as regras.

Principe: Regras?

Lua: Sim, regras. Um dia terei de partir.

\"Kill me

I\'ve begged, and love said no

Leave me

To dead, and let me go

Kill me

I\'ve cried, and love said no

Kill me

I\'ve cried, and love said no\"

[Mate-me

Eu implorei e o amor disse não

Deixe-me

Para a morte e deixe-me ir

Mate-me

Eu chorei e o amor disse não

Mate-me

Eu chorei e o amor disse não]

\"Partir\", ela disse. Como uma simples palavra podia causar-me tanta dor? Olhei para seu belo rosto, e me parecia triste, magoada, condoída. Ela havia dito que me amava. Seria isso o que sinto o mesmo?

Encontravamo-nos todos os dias, na orla da floresta. Seus olhos, sob a sombra, eram cinza-claros. Ela me perguntava sobre o mundo mortal e eu sobre o mundo celeste. Conversávamos muito, e riamos muito. Mas sempre havia a despedida, e ela era dolorosa. Em cada despedida, pedia para que me matasse.

Lua: Porque não tiras essa idéia absurda de tua cabeça?

Principe: Absurda? Não aguentaria viver sem ti, Lua.

Lua: Quando me for, se sentir saudades, olhe para o céu e ver-me-á! Sempre brilharei por você.

Principe: Mas não poderia tocá-la como posso agora... Mate-me, por favor. Eu imploro.

.

\"Love\'s icy tomb

Dug open for you

Lies in a cemetery that bears my name\"

[O amor é um túmulo gelado

Aberto para você¹

Jaz em um cemitério que leva meu nome]

Ele pedia - ou melhor, implorava - para morrer todos os dias. Isso doía profundamente em mim, pois eu sabia que, mesmo que eu não o matasse, ele não escaparia da morte.

Afinal, a morte é o destino de todo ser humano. Como pude ser tão estúpida ao ponto de apaixonar-me por um mortal? Ele vai morrer - isso é um fato. E eu, só de pensar nisso, sinto dor. Será que eu sentiria essa dor para sempre quando ele se fosse?

Não lembro mais quantas vezer tive de fingir minha própria morte por conviver com os mortais. Era triste, mas ridiculamente simples, ao menos para mim e minhas irmãs. Devia fingir uma morte qualquer, e, depois, ficar imóvel até que me enterrassem. Depois, eu saia do túmulo. Fácil assim. E ninguém descobriria, pois posso abandonar o corpo que estava usando e criar outro, não preciso remover a terra para sair.

Lembro-me de alguns mortais aos quais havia apegado-me. Visitei-nos depois de minhas \"mortes\".Eles sentiam-se tristes, arrasados. Imagino se eu ficaria assim quando ele se fosse.

Voltei correndo para a clareira. Sentia-me bem correndo. Quando cheguei, a dança da Noite e do Caos já havia começado. Era uma dança intensa e suave, ao mesmo tempo. No começo - que eu já havia perdido - era conflitante, mas ia harmonizando-se aos poucos. E no fim, elas sempre faziam algo diferente, como se tentassem decidir, mas nunca conseguissem.

\"Love\'s violent tune

From me to you

Rips your heart out and leaves you bleeding with a smile on your face\"

[A melodia violenta do amor

De mim para você

Dilacera seu coração e te deixa sangrando com um sorriso em seu rosto]

Esperei pelo fim da dança para ir falar com Vênus. Ela, com toda a certeza, saberia como ajudar-me.

Não demorou muito. Estava mais atrasada do que imaginara. E, antes que me levantasse, ela veio até mim.

Vênus: Sabes que não devias levar essa situação adiante, não?

Lua: Claro que sei. Mas não sei como fazê-lo sem magoá-lo. Dá-me um conselho, por favor.

Vênus: Se desejas meu conselho, eis o que vos digo: faz o que ele pede. Mate-o.²

Lua: Céus! Não, Vênus! Como poderia?

Vênus: Use seu amor por ele. Assassinato é tão passional...

Lua: Como podes pensar assim?

Vênus: Ao menos, ele será feliz até o fim. Pense nisso.

E eu pensei. Afastei-me daquela região e refugiei-me ao norte, perto do mar, em uma caverna. Ali permaneci, imóvel, durante meses. A dúvida corroía-me.

Assim como a saudade. Imaginei que, para ele, fosse pior, já que, para mim, meses nada significavam.

Já era final de outono quando voltei. Fui, primeiramente, à clareira. Lá fiquei sabendo que ele procurou por mim todos os dias, assim como fazia antes de conhecer-me. Ele acabara de voltar ao castelo quando cheguei.

Estava morrendo de saudades, então resolvi ir até lá. Quando cheguei, ele estava à mesa de jantar, com os pais e irmãos. Tinha uma expressão triste, mas ela desapareceu quando ele me viu.

Principe: Lua! Pensei que nunca mais ver-te-ia.

Lua: Não sejas tolo. Amo-te, esqueceste?

Rainha: Quem é ela, meu filho?

Principe: Ela é a Lua, minha mãe. O espírito da lua.

Rei: Sua sorte sempre foi estranha, meu filho... Amar a Lua! O que pretendem fazer? Pretendem casar-se?

Lua: Não, senhor. Pretendo atender o maior desejo de vosso filho.

Rei: E qual seria?

Meu Principe sorriu, e eu falei. Houve choro, e gritos. Percebi que eu também chorava, chorava lágrimas de prata. Ao fundo, ouvia-se o riso dele. Ele seria feliz, no fim. Enxuguei minhas lágrimas e sorri, mas elas continuaram a rolar.

Esperei que ele terminasse sua refeição. Que abraçasse os parentes e lhes dissesse tudo o que queria dizer. Quando terminou, estendi minha mão para ele, e ele a pegou.

Caminhamos, então, pelo castelo, pela floresta. Caminhamos até uma bela campina, que etava toda florida naquela época do ano. Queria que ele tivesse uma ultima visão bonita.

Andamos até o centro e, sem antes trocar uma única palavra, nossos lábios tocaram-se pela primeira e última vez.

Tão rápido como começou, acabou. Afastamos nossos lábios, ao mesmo tempo em que enterrava meu punho em seu peito e arrancava seu coração. Ele ainda viveu tempo o suficiente para sorrir e sussurrar \"Eu te amo\" para mim.

Mas não o suficiente para ver-me chorar.

\"Love\'s light blue

Took me from you

And that moment, I knew that I was out of hope... Again!\"

[A luz triste do amor

Tirou-me de você

E naquele momento, eu soube que eu não tinha esperanças... Novamente!]

No exato momento em que o fiz, desejei não tê-lo feito. Chorei, inconsolável, por horas naquele lugar. Mas Lembrei-me que devia levar o corpo dele para sua familia. Acalmei-me, juntei minhas forças, e levei-o até o castelo.

Foi feito um belo funeral. E, agora, eu entendia como todos aqueles mortais sentiam-se quando eu fingia minha morte. A dor da perda sufocava-me.

Foi nessa época que comecei a ficar inconstante no céu. às vezes estava inteira, às vezes escondia-me em partes e, as vezes, não aparecia. Mas a Noite e o Caos pareciam não se importar com isso. Talvez elas já esperassem por essa mudança, ou quisessem-na.

A Terra, minha amiga mais próxima, ficou arrasada. Agora, todo outono, suas folhas caem.

Anos passaram, séculos passaram, e a dor nunca passa. Talvez nunca passe, e eu agradeço se nunca passar. Mas sempre que dói demais, eu visito o Sol - ela me alegra.

Ser imortal tem suas desvantagens, mas agradeço todos os dias por tê-lo conhecido.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.