— Kara —

A noite anterior, poderia ser descrita como absolutamente estranhada. Catriona era visivelmente perigosa, o que eu poderia fazer para controlar uma criatura mitológica com poderes ilimitados? Minha noite terminou com uma volta para casa melancólica e pensativa, eu lembrava dos meus momentos com Lena, mas eles pareciam tão distantes agora, quase como uma lembrança infantil.

— Você é tão linda dormindo. — A voz que me tirou de meu sono tinha um tom debochado e cínico, mas sua pronuncia das palavras era perfeita. Os abri para ter certeza e dei de cara com Catriona apoiada em seus cotovelos me assistindo dormir, por reflexo minha visão de calor foi acionada e a atingiu.

— Você é louca? — Corri até ela e a ajudei a levantar. — Eu poderia ter matado você. — Meu ataque a pegou de raspão no braço, mas nem um único aranhão foi feito.

— Não, não podia. Eu sou imortal. — Sua mão foi até seus longos cabelos.

— Ótimo, eu estou sendo assombrada por um diabo imortal. — Catriona me estendeu uma tigela cheia de morangos.

— Eu não sou um demônio, sou apenas uma... — Ela pensou um pouco, mas não pareceu achar termo que se encaixasse melhor. — Tudo bem, eu sou o diabo encarnado, mas um diabo simpático que só ataca como último recurso. — Um morango foi levado a sua boca. Voltei para a cama e me enfiei embaixo das cobertas.

— Você vai ver Lena hoje. — Ela pulou na cama de joelhos.

— Cai fora da minha casa. — A empurrei, ela desviou de me braço e deitou-se ao meu lado.

— Eu sei que você está com saudades dela, ligue-a e marque um almoço. — Continuei ignorando-a. — As crianças estão com a avó e a esposa ausente está em Gotham, vamos Kara. Eu sei que você quer. — Abri meus olhos e deitei de frente para Catriona. Ela ergueu meu telefone o peguei de sua mão, não havia outra alternativa, ela não desistiria.

— O que você ganha com isso? — Indaguei enquanto procurava o número de Lena em minha agente.

— Diversão. — Ela respondeu, claro que eu não fazia a menor ideia de como aquilo poderia ser divertido para ela. Depois de dois toques Lena atendeu. Catriona encostou sua orelha junto ao telefone para ouvir o que falávamos.

— Eu não sei se você lembra, mas deixamos a possibilidade de um café juntas em aberto. A propósito é Kara Danvers. — Eu estava nervosa em um nível cósmico.

— Sim, Danvers, eu reconheci sua voz. Que tal hoje na mesma varanda de ontem, eu estou presa tentando me livrar dos últimos problemas de uma festa tão imensa, seria bom ter companhia. — Ela se movimentava-se enquanto falava, tudo era tão natural na forma como ela agia. Ela continuava a mesma Lena de antes, claro se esquecermos o demônio ao meu lado na cama.

— Em uma hora estarei chegando. — Desliguei o telefone. Catriona me olhava com um olhar cômico. — O que foi? — Levantei.

— Seu coração está batendo tão rápido, que eu posso ouvi-lo daqui. — Fiz careta para ela. Era bom ter alguém que lembrava-se da nossa outra vida, mesmo que fosse uma maníaca.

— Nada vai acontecer, nós vamos apenas conversar. — Ela deu de ombros e sua expressão dizia claramente o que pensava, ela não acreditava.

— Eu posso transar com sua irmã? Ela é muito bonita. — Ela tinha um porta-retratos na mão e apontou para Alex.

— Não, você não pode. Ela está prestes a casar, por favor deixe-a em paz. — A fotografia foi colocada em seu lugar.

— Você é entediante. — Andei até o banheiro deixando-a para trás, aparentemente agora seria sempre assim, ela apareceria do nada e me tiraria a paciência. — Que tal sexo? — Ela olhou para mim e piscou.

— Nem que você fosse a última mulher na face da terra. — Catriona gargalhou a intenção dela sempre parecia ser me irritar.

Eu não saberia como as próximas horas ao lado de Lena, mas uma ansiedade apaixonada tomava conta de mim. Tive várias vezes que me fazer lembrar, ela era casada, tinha um esposa e dois filhos, eu não tinha direito algum de abalar essa estabilidade. Catriona fez com que eu usasse algo de seu gosto, acabei por aceitar, já que ela e Lena faziam parte de um só conjunto mesmo que separadas. Cheguei ao local e a procurei em todos os cômodos, empregados carregam coisas por todos os lados, desde prataria até restos de comida.

— É um tanto escatológico o final da festa, não é? — A voz de Lena alertou, olhei para trás e lá estava ela. Suas mãos dentro dos bolsos da calça e os ombros flexionados, ela andou até mim.

— Ver como todo aquele brilho e beleza ficaram ao fim da noite é revelador. — A vi assentir com um leve sorriso.

— Você quer tomar algo ou comer? — Fiz sinal de afirmativo.

— Me acompanhe. — Eu esperava que fossemos acabar em um lugar onde alguém fosse nos servir, mas foi justamente ao contrário. Acabamos na cozinha do hotel. — Que tal panquecas? Ainda é manhã, não se deve pular o café da manhã. — Ela começou a pegar os ingredientes antes mesmo que dissesse sim.

— Você cozinha? — Sentei em um banco frente a bancada.

— Não, não... nada de sentar, você vai me ajuda. — Dei a volta e me juntei a ela. — Na verdade, eu nunca cozinhei a minha vida inteira, mas com a chegada de Violet tive que aprende algo, eu não queria que minha filha tivesse todas as refeições preparadas por empregados. — Lena começou a preparar a massa.

— É uma boa maneira de se pensar. — Eu estava daquele lado da banca para ajudar, mas na verdade apenas a assistia. Logo ela estava levando a mistura a frigideira e indo ao fogo.

Minutos depois panquecas estavam sendo despejadas em meu prato, nós conversávamos sobre vários aspectos de nossas vidas, ela tinha certa curiosidade quanto a mim, tanto quanto eu tinha a respeito dela, afinal tudo havia mudado. Tínhamos uma única cadeira na cozinha, pelo fato de que todas já haviam sido levadas pelos empregados.

— Vamos. — Acabamos por parar na mesma sala onde nossa conversa havia começado. Ela sentou ao chão, ela realmente não havia mudado tanto continuava a mesma Lena. — O que foi você não vai sentar? — Ela indagou, eu apenas sentei ao seu lado.

— Da próxima vez eu tentarei cozinha algo para você. — Levei uma fatia generosa da panqueca a boca.

— Você não me parece o tipo que cozinha. — Lena falou em tom de brincadeira.

— Eu consigo fazer uma pipoca de micro-ondas impecável. — Ela mais uma vez sorriu.

— Eu não duvido. — Ela falou aquilo enquanto olhava para o meu rosto estaticamente, aquele momento durou por pelo menos quinze segundos.

— O quê? Tem alguma coisa errada com meu rosto? — Levei as mãos as minhas bochechas.

— Não, eu só... — Lena pensou em suas próximas palavras. — Eu tenho a estranha sensação de que já conheço você e de que você já esteve comigo, como se eu pudesse contar qualquer coisa para você. — Permaneci em silêncio sem saber o que dizer. — Eu sei que é completamente estranho, mas... — a interrompi.

— Não é estranho, eu sinto o mesmo. Talvez em uma realidade alternativa nós tenhamos sido boas amigas. — Conclui, ela moveu as sobrancelhas pensativa.

— Talvez. — Ela olhou para o piano no centro da sala.

— Você me deve uma música. — Me virei para o instrumento também.

— O que você quer ouvir? — Ela perguntou atenciosa.

— Me surpreenda. — Ela retirou os saltos e andou até o piano.

A melodia que invadiu o ambiente foi o suficiente para me derrubar, eu conhecia aquela música, ela fazia de um filme em que eu e Lena estivemos juntas na sessão, ainda como amigas, mas foi suficiente para nos marcar imensamente. Andei até o piano e a observei.

— City of stars are you shining just for me? City of stars there's so much that I can't see. Who knows? I felt it from the first embrace I shared with you... — Não me segurei e apenas cantei, pareceu surpresa por eu reconhecer a música.

— Continue... — Ela pediu, foi o que fiz. Quando ela tocou a última nota foi como foi como se todos os nossos laços estivessem sido restaurados. — Você tem uma bela voz. — Lena olhou para mim como se tentasse lembrar de algo, mas logo era impedida pela ausência da lembrança. Aquilo me machucou profundamente, ela sentiu até os ossos que sabia quem eu era, mas não conseguia explicar.

— Conte-me sua história com essa música. — Sentei ao lado dela ao piano.

— Bem, não é bonita. Eu e Kate tínhamos tido uma briga horrível, eu acabei em um cinema local e essa era o único filme disponível. — Ela ficou de frente para mim. — Eu nunca gostei de musicais, mas estranhamente esse filme... essa música me fez sentir melhor, foi como se eu não estivesse vendo ele pela primeira vez, mas sim pela segunda sem saber e mesmo assim me apaixonando por ele, entende? — Eu era como um fantasma na vida dela, um todas as nossas lembranças estavam lá mascaradas em novos momentos. — E a sua história com ele? — Ela me interrogou.

— Eu fui com alguém, alguém que gostava muito. Ela odiava musicais, mas saiu do cinema cantarolando essa música pelas ruas, assim que nós saímos da sessão. — O momento me veio vivida a cabeça.

— O que aconteceu com ela? — Lena deduziu pela minha expressão que a história não havia terminado bem.

— Algo similar com o desfecho do filme. — Respondi quase com um sussurro.

— Sinto muito... — Ela tocou meu ombro.

— Não, ela está feliz, isso é suficiente para mim. — Me limitei a uma careta infantil ao fim do que falei. — Me desculpe, mas eu tenho que ir. — Levantei-me repentinamente, eu não estava bem o suficiente para estar ali, lado a lado com ela.

— Não vá ainda. — Ela segurou minha mão.

— Desculpe, vida de jornalista. — Me desfiz de sua mão e sai.

Eu não conseguia manter nem mesmo minha respiração correta, minhas mãos tremiam. Eu só conseguia pensar no quanto queria estar no lugar de Kate, eu faria qualquer coisa, era um sentimento infantil, egoísta e invejoso, mas eu amava Lena, nada iria mudar isso. Entrei em meu apartamento e finalmente o resto da força que me mantinha sã na última semana se foi.

— Pare chorar. — Sussurrei para mim mesma. Levei as mãos ao meu rosto, se fosse tão simples. Eu não conseguia.

Seria sempre assim daqui por diante? Era tudo que eu queria saber, manter distância dela estando na mesma cidade eu não conseguiria. Amar outra pessoa da mesma pessoa menos ainda. Bom, eu estava condenada a viver com aquela dor constante, seria melhor acostumar-me.