A Criança de Erebus

Capítulo 01: Frio Interno


A primavera naquele ano estava mais gelada do que o habitual. Ainda assim, Regina ficou muito surpresa ao notar que nevava fora de sua mansão na manhã daquela segunda-feira. Não demorou muito antes que ela ligasse o evento àquela garota que a vinha atazanando sempre que tinha a oportunidade, Elsa.

Elsa, namorada da Emma; Regina tinha certeza de que aquela garota significava problemas. Ciumenta, infantil, temperamental e completamente descontrolada: essa era Elsa. Ainda assim, Emma a escolhera.

Mas, dessa vez, Regina sabia que não era apenas uma brincadeira boba da rainha de Arendelle. Ela tinha absoluta certeza de que Emma também estava por trás daquilo, já que, dois dias antes, ela e Henry haviam partido para Nova York sob a condição demandada pela prefeita de que o garoto retornaria para assistir às aulas naquela segunda-feira.

Era evidente que Emma e Elsa haviam tramado aquilo para estender aquela viagem por mais um ou dois dias no que provavelmente acreditavam ser uma brincadeira muito divertida. Infantis, ambas.

Furiosa, Regina pegou o seu celular, na tentativa de se comunicar com Elsa ou Emma e enfiar algum bom senso na cabeça delas.

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Os últimos dois dias haviam sido cheios e, de certa forma, estressantes para Elsa.

Emma e ela haviam passado um bom tempo planejando uma maneira de manter Henry em Nova York por mais do que apenas dois dias. Na opinião de Elsa, algo justo, já que Emma andava querendo viajar com o menino há meses, sendo constantemente impedida pelos seus próprios deveres e pelo calendário escolar do filho.

Tendo finalmente conseguido a permissão de Regina para uma viagem de fim de semana tanto, elas resolveram estender a viagem por pelo menos um dia. Para tanto, planejaram provocar um apagão na região da escola de Henry. Infelizmente, Emma ainda não possuía tanto domínio de sua magia quanto as duas haviam acreditado à principio, e o feitiço se voltou contra ela.

A mais velha acabou por passar as horas seguintes desacordada, enquanto uma Elsa bastante desesperada tentava encontrar uma maneira de reverter o quadro sem chamar a atenção dos outros para o que elas fizeram. Finalmente, sentindo-se um tanto tola por não ter pensado naquilo antes, a rainha de Arendelle deu um beijo de amor verdadeiro em Emma, o segundo desde que haviam começado a namorar, e a outra mulher acordou, completamente desnorteada.

Com receio de que o apagão fosse descoberto, Emma decidiu mudar a abordagem e decidiram provocar uma nevasca na segunda-feira, o que era fácil para Elsa.

Elsa ficou bastante satisfeita consigo mesma devido à nevasca que provocara na noite de domingo para segunda. Aquilo, somado ao apagão que não apenas dera certo, mas também não fora descoberto, provavelmente seria o bastante para manter Henry em Nova York com Emma por pelo menos mais vinte e quatro horas.

Ela saiu no começo da manhã daquele dia para verificar o estado da cidade antes de ir trabalhar na Any Given Sundae. Em meio à sua caminhada, ela recebeu uma mensagem irada da Regina, pedindo que ela resolvesse o problema, ameaçando impedir que ela tivesse contato com Henry caso não o fizesse. Relutante, Elsa interrompe a nevasca em toda a cidade, à exceção da região ao redor da prefeitura — uma pequena vingança.

Novamente, Regina mandou uma mensagem dizendo que estava presa no prédio da prefeitura com Mary Margaret, ambas completamente incapazes de sair de lá já que, segundo a prefeita, ela machucara seu tornozelo e a dor a estava impedindo de fazer magia — algo que Elsa sabia ser apenas uma desculpa. Embora desejasse manter a prefeita lá durante uma boa parte do dia, Elsa não desejava irritar a mãe da Emma, então foi até a prefeitura e desfez o feitiço.

"Nós conversaremos com você e Emma assim que ela voltar, Elsa," prometeu Mary Margaret, aparentando mais preocupação do que irritação. "Você não pode continuar congelando a cidade como uma brincadeira. É perigoso!"

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Devido à ausência de Henry, Regina estava se sentindo ainda mais solitária do que ela normalmente se sentia. Assim, seu pensamento continuava a retornar para Daniel, sua mãe, seu pai, Robin Hood; sentindo como se houvesse um buraco em sua vida, mesmo que Henry estivesse apenas viajando e logo voltaria.

Emma estar sendo tão hostil com ela também não ajudava. Por alguma razão, a Salvadora tinha a estranha ideia de que Regina estava dando em cima dela e, por causa do relacionamento dela com Elsa, começara a tratá-la mal.

Então, ela começara a pensar a respeito daquelas pessoas e a relembrar coisas as quais ela preferiria esquecer; com isso, vieram memórias de alguém. Alguém há muito esquecido em meio à bagunça cotidiana que era ser prefeita de Storybrooke. Alguém que ela não podia evitar pensar que errara. Sua única amiga na Floresta encantada: Maleficent.

Olhando para a parede de corações, ela não pôde deixar de lembrar do conselho de Maleficent quando ela estava para lançar a maldição: há fronteiras que nem mesmo nós deveríamos cruzar; isso deixará um buraco em seu coração que nunca será preenchido. Ela estava certa.

Regina tinha o Henry, mas ele não era apenas dela, pois ela tinha que dividir seu amor com a Salvadora. Ela sentia falta de alguém. Ela precisava de alguém. Ela precisava de um amigo. E ela sabia onde encontraria um: no subterrâneo da biblioteca. Ela apenas não sabia como trazê-la de volta. Ainda.

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A viagem para Nova York fora revigorante para Emma. Uma pequena e rápida mudança de cenários.

Ela aproveitara aquele momento para buscar o que ela e Henry haviam deixado para trás quando voltaram correndo para Storybrooke com Killian cerca de dez meses antes. Também passaram no antigo apartamento do Neal para pegar alguns objetos que Robin havia separado quando se mudara para lá. Por fim, visitaram Gold e Belle, que estavam viajando em lua de mel há alguns meses.

Emma tentou não pensar no problema que estava logo diante deles, algo sobre o qual ainda precisaria conversar com todos. Seis meses de paz; sem dragões, rainhas más, bruxas malvadas, adolescentes que na verdade são homens adultos que se recusaram a crescer, mães adotivas do mal. Apenas havia o revezamento entre as funções de mãe, xerife, filha e namorada. Paz.

Infelizmente, aquilo parecia ter chegado ao fim, e Emma seria a portadora daquela notícia. Ótimo!

Quando Emma e Henry chegaram a Storybrooke, cerca de ao meio-dia da terça-feira, a loira deixou seu filho na escola, conforme prometera à Regina, e rumou imediatamente para o Granny's, onde haviam combinado com amigos e familiares de encontrá-los para uma pequena celebração. A xerife se perguntava se teria que contar a todos ainda naquele dia; ela esperava ter pelo menos algumas horas para descansar da viagem antes de ter que abordar o assunto.

Apenas quando todos estavam presentes Mary Margaret, que se confessara para uma Emma muito surpresa que resolvera aproveitar o seu horário de almoço para participar daquela pequena recepção, se voltou para Elsa e Emma com um olhar repreensivo:

"Eu estava pensando, já que estão todos aqui, se podemos conversar a respeito de toda aquela neve em Storybrooke."

Emma tentou manter sua expressão neutra sob o olhar da mãe, embora Elsa tenha corando violentamente. Tudo bem, a Salvadora sempre soubera que sua namorada era uma péssima mentirosa; principalmente agora, quando o nervosismo dela estava fazendo nevar dentro do restaurante no meio daquela conversa.

Pior momento possível! Emma teria que trabalhar as habilidades de sua namorada em mentir; ela sentia que precisariam disso. Não que alguém tivesse percebido a neve, que era escassa e se concentrava entorno da antiga rainha de Arendelle; todos estavam muito concentrados em ver a xerife de Storybrooke levar um sermão de sua mãe.

Emma, entretanto, percebeu o olhar apologético de Elsa e lhe sorriu. Não era como se ela pudesse manter aquele problema em segredo por muito mais tempo, de qualquer maneira. Pelo menos podiam tomar providências para que ninguém se machucasse.

"Eu suponho que podemos dizer que você é honesta demais para o seu próprio bem," Emma suspira e encara a namorada com um olhar que conseguia ter algo de triste e brincalhão simultaneamente. "Me desculpe por te envolver nessa confusão."

"Me desculpe, Emma. Pelo menos foi divertido por um tempo, e o Henry não tem muitas tarefas da escola hoje," Elsa diz, incapaz de encarar a namorada de volta.

"Não é bem isso, eu tentei esconder o meu incidente da melhor maneira que consegui," ela respondeu e baixou o olhar, agora incapaz de encarar qualquer um naquele momento. "A verdade é que o motivo pelo qual eu pedi que Elsa conjurasse neve ontem... bom, não é apenas para que o Henry pudesse matar aula."

"O que você quer dizer?" Elsa finalmente olhou nos olhos da namorada, ignorando os demais presentes.

Regina, entretanto, encontrava-se mais irritada por ser forçada a presenciar aquela cena entre as duas mulheres do que realmente preocupada. Provavelmente, aquela seria apenas mais uma das brincadeiras estúpidas das duas mulheres; elas haviam fingindo alguns alarmes falsos nos últimos meses apenas para irritar as pessoas. Enquanto David os achava engraçado e Mary Margaret imprudente, Regina os achava irritante.

"Sou toda ouvidos, querida."

"Quando eu tentei provocar um apagão na frente da escola do Henry, a minha magia meio que ricocheteou e me atingiu, e eu me paralisei sem querer. Mas eu estava consciente," ela se voltou para Elsa quando enunciou a última frase. "Depois de um tempo, eu vi uma sombra se movendo em minha direção. Ela ficou um tempo me encarando, então esticou a mão e tocou o meu ombro. Pior sensação de todas!"

"E então…?" Regina se senta ereta, incapaz de tirar os olhos do rosto de Emma, que se voltou para Elsa. Se aquilo fosse mais uma brincadeira, ela mataria a Swan!

"Então, a sombra virou para a Elsa e tentou tocar no ombro dela, mas ela se afastou de repente. Quando percebi, a mão da sombra estava congelada!" Emma olhou de volta para as suas próprias mãos antes de prosseguir. "Depois a Elsa conseguiu me trazer de volta, mas a minha magia… tinha desaparecido. De alguma forma, eu sei que a sombra a tirou de mim."

"Por que você queria que eu criasse a nevasca, Emma? Você acha que a minha magia pode parar essa… criatura?" Perguntou Elsa, confusa.

"A sombra não podia tocar a sua magia. Imagino que, mesmo que você não possa pará-la, poderia mantê-la longe de todos," Emma segura as mãos da namorada. "Se aquela coisa tirou a minha magia, pode muito bem ter outros alvos."

"Como você está se sentindo?" Perguntou Elsa, segurando as mãos de Emma com firmeza.

"Melhor agora que desabafei, eu acho," Emma sorri fracamente para Elsa.

"Então," começa Regina, lentamente. "Gold ou Belle não tiveram nenhuma ideia do que essa sombra poderia ser?"

"Não tive a oportunidade de perguntar a eles, eu não queria preocupar mais pessoas do que o necessário," falou Emma, olhando para Regina.

"Nós devíamos olhar na biblioteca," disse Ruby, que parara o seu trabalho para ouvir o que Emma estava dizendo. "Belle teria feito isso."

"Belle está em Nova York com o Gold, mas deveríamos ligar para eles," falou Elsa, encarando Ruby. "E eu vou conversar com a Anna também, ela tem trabalhado com a Belle na biblioteca há algum tempo."

Emma concorda com Elsa, e se volta para o pai e Ruby. "Desde aquele dia, ninguém viu a sombra novamente? Não há nenhum relatório de eventos estranhos?"

"Ninguém relatou nada na delegacia, Emma," David se aproxima e pousa a mão no ombro da filha, tentando confortá-la.

"Nós não notamos nada diferente, ninguém comentou nada aqui no restaurante. Mas é melhor perguntarmos a Belle e Anna," completou Ruby.

"Ótimo, agora eu estou começando a pensar que estou apenas ficando louca," Emma pensou a respeito e tentou conjurar magia novamente, mas nada aconteceu.

"Talvez você apenas esteja insegura porque não funcionou da primeira vez," zombou Regina. Uma parte dela ainda achava que aquilo era mais uma brincadeira sem graça, outra parte, no entanto, estava terrivelmente preocupada. "Talvez eu deva te levar de volta àquela ponte."

"Regina, dessa vez eu tenho certeza que eu fracassaria," Emma estava frustrada e se sentia indefesa sem sua magia. Irônico, levando em conta que até dois anos atrás, nunca nem soubera que tinha magia.

Ao escutar o tom de voz de Emma, ela finalmente se convencera que aquilo não era uma brincadeira. Não, Emma era uma boa mentirosa, na maior parte do tempo, mas nem mesmo ela era tão boa atriz.

"Não se preocupe, Emma," falou Snow em um tom confiante, claramente também percebendo a frustração da filha. "Nós vamos procurar pela sombra e você terá os seus poderes de volta."

"Obrigada," disse Emma, forçando um sorriso, mas ele se esvaiu rapidamente enquanto ela pensava a respeito da sombra que a atacara. "Eu achei aquela sombra muito parecida com a do Pan, mas havia algo diferente nela, e ela não tinha os mesmos olhos brilhantes."

"Você tem um tipo poderoso de magia, Emma, que já foi tirado de você uma vez pelo feitiço da Zelena…" Regina se interrompeu, os olhos arregalados, enquanto ela pensava. "Espere um momento… nós nunca chegamos a ver o corpo da Zelena, chegamos?"

"Não, nós não…" Emma olhou ao redor, aterrorizada. "Nós vimos apenas a gravação da câmera da delegacia como ela se tornou uma estátua e foi desintegrada em pedacinhos."

"Zelena! Primeiro ela tentou tirar o nosso bebê, depois foi atrás dos poderes de nossa filha… de novo?" Mary Margaret se voltou para David, apreensiva. "Nós precisamos fazer alguma coisa, David."

"Claro, nós vamos pegá-la, Mary Margaret," David fez uma expressão corajosa, muito embora não estivesse tão confiante quanto queria aparentar estar.

"É uma boa suposição. Então, nós temos que descobrir o que aconteceu com a Zelena," disse Emma, levantando-se com um olhar determinado. Ela se volta para Elsa, "mas você deveria entrar em contato com Anna na biblioteca de qualquer maneira, ver se tem alguma coisa lá que possa ser útil."

"Vou falar com ela assim que possível, mas você provavelmente deveria contatar Belle e Gold."

"Nós não podemos dizer que foi a Zelena com certeza, mas nós podemos pesquisar mais a respeito dessa morte dela," falou Regina. "Se a minha irmã continua viva de alguma forma, então nós devemos nos preparar. Ela com certeza tem bons motivos para se livrar da sua magia, Emma, e posso apostar que a minha será a próxima."

"Se você vai ser a próxima, temos que te proteger," falou Elsa, também se levantando. "Quero dizer, minha magia repele a criatura. O que eu posso fazer?"

"Bom, querida, eu não vou me mudar para as montanhas do norte com vocês," disse Regina, com azedume. "Não se preocupe, eu sei me proteger da Zelena, se é que é ela que estamos enfrentando."

"Eu posso sempre te congelar," Elsa disse, sorrindo com o pensamento de ter a permissão de congelar a outra mulher.

"Não vamos pular para ações drásticas," falou Emma, embora fosse evidente que estava se esforçando para não cair na gargalhada.

"Claro," falou Regina, irritada, enquanto se levantava. "Já perdemos muito tempo conversando. Eu tenho muito o que pesquisar a respeito da morte da Zelena. Estou indo para a delegacia para ver aquela gravação da câmera de segurança de novo, ver se encontro alguma coisa a respeito do desaparecimento dela."

Emma observou Regina saindo, perguntando-se, como normalmente fazia após uma de suas brincadeiras, o que estava fazendo. Talvez devessem mudar o alvo da próxima vez. Se houvesse uma próxima vez.

Elsa é a segunda a sair do restaurante; ela conjura uma pequena nevasca e depois parte rumo à biblioteca. Mary Margaret retorna para a escola e David para a delegacia. Emma, no entanto, permanece no restaurante, tentando contatar Belle e Gold.

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Regina estivera assistindo a gravação do desaparecimento seguidamente por um tempo e ela ainda não conseguia entender o que tinha realmente acontecido com sua irmã. É claro que sua irmã era bastante poderosa, mas o que a prefeita estava testemunhando não parecia nada que ela já tivesse visto no universo da magia.

Demorou muito tempo antes que ela finalmente percebesse: um vislumbre, tão súbito que ela não tinha visto até aquele momento. Uma estranha energia que não pertencia à fita magnética; ela reconhecia aquilo: era magia. A fita havia sido, por algum motivo, preenchida por magia.

Ela usou sua própria magia para sugar a contida na fita.

Novamente, ela pressionou o botão para ver a gravação e ali estava: Rumplestiltskin estava de pé dentro da cela de Zelena, aproximando-se dela com sua adaga e finalmente a esfaqueando no estômago.

Regina estava ainda boquiaberta quando sentiu aquilo. Uma presença, similar à do Wraith. Ela sentiu-se tonta e tudo ficou preto.