A Consternação

Capítulo Único - Ciclo


Não compreendia. E, talvez, nunca compreenderia a sensação.

O que não tinha lógica, já que estava vivo.

Por hora.

Jazia deitado no piso do corredor real; as mãos entrelaçadas contra os espessos cabelos castanhos, fitando o teto incrustado de ouro maciço e plantas ornamentais. Uma bela visão. Tranquilizante, e solitário, pensava, sorrindo. Será que há lugar melhor no Underground?

Deu-se pensando em Sans. Era hilário imaginar que tudo que passaram juntos era mera ilusão. Um idiota filho da puta. Talvez voltasse à resetar o mundo para relembrar aqueles momentos, mesmo que um pouco. Toriel, Undyne, Papy... Até Grillby. Todas boas pessoas. Não. Todos bons monstros. Pessoas... Não lembrava nada de sua vida passada. Apenas que caiu, e isso não ajudava em nada. Se eu investigasse, talvez pudesse voltar. Ouviu isso, Chara?

Caminhos que sempre se cruzam no final. Perdera as contas de quantas vezes matara Undyne, aquele Mettaton... e Sans. Contara exatas 154 vezes, mas depois perdera a conta. Mas não queria pensar nisso, e sim, noutra coisa...

Chara. Noutra época, tinha medo dela, mas isso tornara-se tão repetitivo que acostumou-se. Ainda sentia-a dentro dele, inútil, infeliz e nada influenciável. Sim, Frisk estava no controle. No total e completo controle. Ninguém mandou você me fazer repetir esse caminho várias vezes, tonta, pensou, sorrindo novamente.

Estava certo. À cada reset, Chara o dominava mais, mais e mais. E, quanto mais conseguia LOVE e EXP, mais Chara o possuía.

Mas ela não contava com uma coisa: Frisk compreendia, aos poucos, o seu âmago. Ela era ele, ele era ela. O controle não dependia de ninguém, apenas do verdadeiro anfitrião. Embora Chara seja sua alma, Frisk é o corpo. E, no momento oportuno, a razão preencheu-o, tão forte que nem mesmo a alma fora capaz de suportar. Ela é o pensamento, os sentimentos, as emoções... Tudo que envolvia essa área. E ele, o cérebro, a razão, o movimento... e o controle. Deve ser por isso que me tornei tão diferente. Aquela vadia corrompeu-me para sempre.

Então, sentiu suas mãos dormentes. Ficou ali por tempo demais. Levantou-se, flexionando os dedos. Ai ai... agora vou cuidar daquele saco de ossos. Dessa vez, não sorriu.

Sans emergira de um dos pilares que sustentava o belo corredor, com as mãos aos bolsos, de olhos cerrados. Abriu-os num instante:

— chara... ou devo dizer frisk? — alargou seu sorriso infinito. — por que veio pra cá?

— Para passar. — Encarava Sans profundamente, com a atenção desperta para seus olhos dissimulados. O esqueleto escondia algo... mas o quê? — Verdade seja dita, não quero derramar seu sangue, Sans. Parte de mim sente-se culpado, mas a outra... se derrama de prazer — a recordação fez seu coração disparar, e ele, à tremer. Ficarei feliz se o esqueleto me matasse agora. — Não me importaria em sangrá-lo, se assim desejasse. Saia da minha frente, ou morra. — Não me provoque, Chara. É a última vez que me influenciou.

Sans permaneceu calado por um longo momento, e um silêncio derramou-se no local. Àquele silêncio, pelo menos, não lhe era comum.

— sempre me perguntei do porque você lutar — disse finalmente.

— Sempre me perguntei se você era esqueleto — Frisk encolheu os ombros. — Não é a mesma coisa?

Sans ignorou a pergunta:

— por que insiste em continuar?

O garoto cerrou um punho, suspirando longamente. Ele enrola demais. Adoraria saber o por quê.

— Você que quer continuar, não percebe? — disse, visivelmente irritado. E, de repente, todas as lembranças vieram à tona. O dia em que Toriel salvou-o, em como conhecera Sans, e Asgore. Uma família... Ele não entende... Seus dedos encontraram-se num matagal castanho-claro. — Eu... Estou cansado, Sans. De verdade. Não quero continuar.

Não foi a confissão que impressionou-o, e sim o tom que o humano empregou.

— ...

Preciso dar uma explicação ainda?

— Olha, eu sei que fiz coisas, mas nunc--

As palavras morreram sob um único estalar de dedos, e ossos perfurantes eclodiram do chão, penetrando na carne macia de ambos os braços de Frisk, deixando-o contra à parede, pendurado. Sangue jorrava de um vermelho quase negro, percorrendo aquelas espadas brancas, pincelando-as hediondamente.

— SEU FILHO DA PUTA, O QUE VOCÊ FEZ? — praguejava, num grito arranhado, horrendo e ensurdecedor. Quanto mais se mexia, mais sentia na pele àquela dor aguda e crônica.

Sans levou o dedo indicador à seu sorriso:

— Shhhhhhhhh...

Frisk mordeu a língua, e obedeceu. Dedos salgados saíram de seus olhos amadeirados, cheios de terror, desespero e pavor. Por favor, não... pensava, mas não se atrevia à falar uma única palavra sequer. Até pensar era uma dificuldade avassaladora. Ele não pode, não pode, não pode... No entanto, falou:

— Guarde minhas palavras, esqueleto de merda. Quando EU sair daqui...

Os olhos de Sans revelaram-se de um negro perturbador, tão profundo que paralisou suas palavras:

— Ficará aqui. Para sempre.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.