Aang ainda se lembrava da sensação de acordar sozinho pela primeira vez.

Era um monge e havia aprendido a abrir mão de todos os confortos de sua vida, ou quase todos. Ninguém lhe dissera que abrir mão de Katara doeria tanto e seria tão frio e vazio acordar em uma cama sem a esposa, sem saber que a encontraria no fim do dia, mesmo que fosse apenas para observá-la dormir até cair no sono.

Chegou a ir no quarto das crianças, mas elas também não estavam ali. Perdera toda a esperança quando não os encontrou. Imaginava que Katara teria sentido pena de acordar as crianças para partir antes do sol nascer, imaginara que teria tempo de convencê-la a ficar.

Kya nem tivera tempo de pegar a boneca favorita, esquecida sobre o travesseiro. Aang quase podia ver a esposa a carregando ainda adormecida com a cabeça enrolada na manta e encostada em seu ombro.

Naquela mesma noite ele informou aos sábios que faria o que fosse necessário para salvar os nômades do ar, mas não havia empolgação, nenhum de seus amigos estava presente. Se dependesse de qualquer um daqueles homens, ele teria sido carregado de bandeja para a cama de uma acólita qualquer, mas ele pediu um tempo.

Já fazia uma semana que pedia uma sucessão de tempos. Não sabia se estava apenas fugindo de suas responsabilidade, ou esperando a esposa voltar. Não tinha muita certeza de qualquer coisa no momento.

Do outro lado da baía, podia ver a luz do quarto de hóspedes de Sokka. Ele ficara animado ao mostrar que poderiam ver as crianças do próprio quarto quando comprou a casa. O apartamento do cunhado parecia ter sido pensado nos mínimos detalhes para acomodar confortavelmente todos os amigos mais próximos e agora Aang agradecia por isso.

Mas o que mais o preocupava nos últimos dias era aquela luz no quarto que sempre ficava acesa. O que significava? As crianças estavam bem? Doentes? Com problemas para dormir? Sentiam falta do papai? Katara sentia falta dele?

— Avatar Aang — chamou um acólito entrando no quarto que ele dividira com Katara uma vez.

Aang não sabia quanto tempo ficou sentado naquela otomana encarando a luz oscilante da casa de Sokka, a boneca de Kya ainda em seu colo como se fosse a própria filha, a cabecinha caindo em seu braço e ele acariciava o cabelo de lã macia.

— O senhor sabe que eles não vão voltar, não é?

Quis gritar com o homem. Como assim sua esposa não ia voltar? Como ousava dizer que seus filhos não viriam, eles eram uma família. Eram seu mundo. Ele encarou a bonequinha vestida em roupas do templo do ar nas cores da tribo da água. Infelizmente o seu mundo não era uma prioridade naquele momento.

Suspirou quando se levantou e arrumou as vestes.

— Se tudo estiver pronto — ele encarou o acólito por algum tempo e o observou assentir com a cabeça — Prepare tudo para amanhã.

Quando o homem saiu, Aang seguiu de volta para o quarto das crianças, deitou a boneca em uma caminha de panos ao lado da cama de Kya e a cobriu com cobertor, beijando a testa como a filha o pedia toda a noite.

— A Kaya também, papai quase podia sentir as mãozinhas pequenas em sua barba.

— Tocante, bailarino — mesmo que não reconhecesse a voz de Toph a suas costas, o apelido teria feito o trabalho — Mas eu queria entender porque você tomou essa decisão.

O uniforme a tornava maior e mais assustadora e, por mais que ela pudesse amar o efeito, certamente não havia sido uma decisão dela considerando que ela não poderia sequer ver.

Não que o uniforme fosse essencial para isso. Toph conseguia ser assustadora sem fazer qualquer esforço.

— Quer dizer — ela se aproximou e sentou na cama de Bumi, batendo um dos pés em um compasso ritmado — Você não parece muito feliz com isso.

Toph sendo compreensiva? Isso era algo fora do normal, normalmente ela o teria batido até ouvir o que queria, mas agora ela parecia com a guarda mais baixa e gentil do que nunca e isso era claramente um esforço imenso pela forma que ela arrastava as solas dos pés no chão de pedra.

— E o que mais eu poderia fazer?

— Eu não sei Aang, eu não sou o avatar todo poderoso — respondeu Toph se levantando e o próprio quarto pareceu tremer com sua irritação — Pergunte aos seus guias espirituais.

— Porque eles me ajudaram muito com Ozai, ou com o Zuko ou com… — ele poderia continuar falando, mas se interrompeu — Nenhum deles teve sua nação dizimada, nenhum deles teve que reconstruir a própria nação do nada.

— Nós só estamos preocupados — agora ele entendia aquela gentileza do começo era apenas o cansaço acumulado ao longo do tempo.

— Você veio aqui só para isso?

— A Kya tem pedido a boneca — disse esticando a mão para lugar nenhum — Katara disse que ela não consegue dormir sem.

— É a favorita dela — respondeu, acariciando os fios de lã antes de beijar a testa de pano.

— Você está patético assim — respondeu, tomando a boneca de suas mãos com alguma agressividade — Se está tão arrependido, desiste e vai atrás da sua família ao invés de ficar rastejando pela casa como um peixe kói fora d’água.

Toph saiu com passos que podiam ser sentidos mesmo antes de alcançar a beira da baía, deixando o avatar completamente sozinho em sua tristeza.

Ele logo desistiu de encarar a luzinha insistente e se rendeu ao sono intermitente, embalado pela idéia de Toph de se comunicar com suas vidas passadas, não chegou a realmente tentar, mas, mesmo assim, Roku logo pairou próximo a ele em sua forma espiritual.

Roku não tentava fazer ele mudar de ideia e nem Aang tentou se explicar. Ele e sua vida passada haviam tido suas diferenças sobre os Senhores do Fogo, mas já haviam resolvido essas diferenças.

Não havia o porquê estarem tendo aquela conversa e então uma segunda voz se insinuou sobre a dos dois. Aang a reconheceu no mesmo instante, ela havia estado em sua pele uma vez na cidade de Chin e havia o aconselhado a matar Ozai sem pensar duas vezes.

Se havia algum avatar mais diferente dele, Aang nunca havia conhecido.

O rosto branco e vermelho de Kyoshi oscilou no ar a sua frente, substituindo a figura de Roku.

— Avatar Kyoshi? — ele comentou, surpreso.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.