Depois de passarem praticamente o dia todo subindo e descendo árvores, Bendito e Querido pararam pra descansar, sentados na árvore. Comiam o jantar, quietos. Mas Bendito quis quebrar o silêncio:

— Você disse que conhecia o rei desde criança, né?

— Arrã... – o corcunda mastigava alguma coisa.

—Ele te conheceu quando você ainda era completamente humano.

— Sim.

— Então ele sabe por que você foi amaldiçoado? E é por isso que tenta reverter esse problema?

Querido encarou Bendito com a mesma expressão que se faz quando se olha uma criança fazendo toda uma teoria para explicar algo, porque não sabe da simples verdade. Terminou de mastigar e engoliu.

— Você é bem curioso. – concluiu.

— É que você disse que só quem entende o porquê de haverem monstros completos e incompletos é quem passou por isso. Daí, se o rei quer tentar reverter isso, ele no mínimo precisaria entender de maldições. Mas ele não é amaldiçoado. Não faria sentido ele tentar resolver algo se ele não sabe como aquilo funciona, então ele pelo menos deve conhecer alguém que tenha passado por algo semelhante. E quando eu ouvi que vocês se conheciam desde que você era normal, eu pensei que...

— Bom, você tem um ponto. – Querido interrompeu. – Realmente não tem sentido um humano qualquer tentar lidar com maldições. Mas você está superestimando Bernardo.

Bendito nunca tinha ouvido Querido chamar o rei pelo nome.

– O que quer dizer? – perguntou Bendito.

— Ele nem sempre foi um anjo. Já foi egoísta. Muito egoísta. Aquela mansão colossal um dia já foi toda pra ele. Construída com o suor e o sangue de muitos...

— Mas um ataque de monstros completos destruiu grande parte dos súditos, e ele transformou a mansão numa cidade... – Bendito lembrava que o rei tinha dito aquilo.

— Não faria sentido gostar de meio monstros com uma perda tão grande. – atentou Querido. – Bernardo é muito movido pelas emoções.

— Então... – as coisas ficavam cada vez mais embaraçadas na cabeça de Bendito. – Como...?