— Então... como é que... ele começou a agir com tanta bondade contigo?

— Não sei. – Querido disse, com muita sinceridade. – Ele entrou no laboratório uma vez, chorando muito, enquanto segurava um livro. A partir daí, ele começou a me tratar como filho. Foi... muito estranho. – franziu as sobrancelhas enquanto lembrava daquele dia. – Eu não soube o que pensar. Tinha sido tão repentino, que demorei algum tempo até aceitar que aquilo era real.

— Você viu qual era o livro?

— Tinha uma capa com um sol na frente.

A Cidade do Sol? Que tem até uns passarinhos do lado do título. – esse era o livro de Lázaro.

— É. Lembro dos passarinhos.

— Eu devia ter lido aquele livro com mais cautela... – Bendito pensou alto.

— Tentei ler uma vez. Mas aí eu lembrei que não sei ler.

Bendito soltou uma risada. Querido também riu.

— Bom, a partir daí você já deve ter imaginado. – Querido continuou sua narração. – Ele tentou me inserir na sociedade como coveiro, e passou a encontrar uma forma de reverter a maldição que, em parte, ele mesmo tinha causado. – abriu um pequeno sorriso piedoso. – Ele tem se esforçado muito.

— Mas isso não apaga o que ele fez, não é? – Bendito lembrou da visível esperança de Querido com a notícia de que iria passar um tempo longe de Castle Hill.

— Não mesmo. Meus olhos extraordinários e minha aparência são marcas que vão durar o resto da minha vida... Acho que, no fundo... – desviou o olhar. – Nunca o perdoei por ter feito aquilo.

Um silêncio tenso infestou o lugar.

— Você tem mais perguntas? – perguntou Querido.

—Não... –respondeu Bendito.

—Boa noite, então.

E Querido fechou os olhos. Dormiu com tanta tranquilidade que deixou o outro meio monstro pasmo.