A Caçadora

Verdadeira Forma - £


Acordei logo pela manhã com batidas na porta. Virei-me para poder levantar, e percebi que um braço estava em cima de minha cintura, apertando-me contra um tronco definido e duro como pedra.

Dei uma espiada por cima dos ombros, e pude ver as feições angelicais e perfeitas do homem ao meu lado. Sorri lembrando-me da noite anterior e de sua preocupação.

– Bom dia, Bela Adormecida. – sussurrei quando vi suas pálpebras se abrindo, revelando os majestosos olhos claros e eletrizantes.

Ele bocejou e se espreguiçou na cama relaxadamente, mas assim que mais batidas se fizeram presentes novamente, seus músculos enrijeceram.

– Eles estão aqui. – Kaus murmurou, se levantando rapidamente, indo em direção à janela.

Me desesperei e pule da cama, puxando seu punho.

– Não pule! É muito alto!

Ele riu, parecendo achar tudo aquilo muito divertido.

– É comovente sua preocupação comigo, Helena, mas não é tão alto. – Kaus examinou a possibilidade de cair e morrer, e engoliu seco.

– Espere! – praticamente gritei quando o vi se inclinar pela janela aberta. – Eu dou um jeito de enrolar eles e você saí pela porta.

Ele assentiu e voltou a se sentar na cama, longe da visão de quem estivesse lá fora.

Respirei fundo algumas vezes e antes que outra batida pudesse me chamar a atenção, abri a porta e dei de cara com Ezra e outro caçador atrás dele, que permanecia com as mãos para trás, e à uma distância favorável.

– Está pronta para a reunião? – ele perguntou.

Balancei a cabeça negativamente.

– Ainda não, mas não vou demorar. Quer esperar?

Ezra sorriu e se afastou da porta, mas não sem antes dar uma espiada dentro do quarto, e reprimi a profunda vontade de fechá-la em sua cara.

Minhas palmas suavam como nunca, e o sorriso parecia ter congelado minhas bochechas.

– Vou esperar no carro lá fora. Não demore. – Ezra anunciou e se dirigiu até o elevador, sendo acompanhado pelo homem.

Sem dar chance para ele se arrepender e ao menos pensar em voltar para checar se estava tudo bem realmente, fechei a porta rapidamente, com o coração aos pulos.

Kaus estava sentado na cama, muito pensativo para meu gosto. Toquei sua face e ele deu um pulo para trás, fechando os olhos, me impedindo de vê-los.

– O que foi? – perguntei pegando seu queixo, forçando-o a olhar para mim.

Ele se livrou de minhas mãos e foi diretamente para a janela. Sem me dar por vencida caminhei até onde ele estava, e apoiei as mãos em suas costas, sentindo seus músculos relaxarem sob minhas palmas.

– Não quero que fique com medo de mim, Helena. – Kaus sussurrou.

Minhas sobrancelhas se juntaram em confusão.

– Me assustar com o que?

E então ele se virou para mim. Os olhos ainda fechados, mas eu podia ver as veias saltadas ao redor dos olhos, e a mandíbula travada.

– Com minha forma verdadeira.

Passei os dedos por seu maxilar, e tracei o percurso até sua testa, voltando para a boca, ficando com eles pousados em seus lábios por mais tempo do que era necessário.

– Abra os olhos – murmurei me aproximando de seu corpo.

Tal proximidade fazia os pelos de meus braços se arrepiarem e a vontade de lhe beijar crescesse dentro de mim.

Suas pálpebras se mexeram, e ele abriu os olhos.

Eles estavam totalmente escuros, com a pupila dilatada, e a esclera vermelha, como se alguma coisa estivesse irritando seus olhos. As veias dos olhos haviam se suavizado um pouco, mas ainda assim eram visíveis. Vi suas feições mudarem na minha frente, mais demoradamente do que eu esperava, e Kaus abaixou a cabeça. Como eu era bem mais baixa, ainda podia ver seu rosto, que agora apresentava um semblante triste.

– Eu não fiquei com medo.

Tive que o bloquear de minha mente, e fiz exatamente como Polux havia me ensinado. Meu corpo amoleceu em satisfação quando Kaus pegou em minha cintura, colando meu corpo ao dele. Sua testa repousou na minha e ele respirou fundo.

– Porque não consigo ouvir sua mente? – ele perguntou, desviando o assunto.

Dei de ombros.

– Não gosto de ser um livro aberto.

Ele riu.

– Gosto mais quando consigo saber o que você está pensando. – Kaus confessou.

– Só para variar você poderia me dizer o que está pensando.

E ele não hesitou em responder:

– Estou pensando seriamente em beijar você.

Minha respiração ficou presa na garganta, e meu coração pulou uma batida, recobrando a velocidade duas vezes mais rápida do que antes. Ele palpitava no peito quase que dolorosamente.

– Não faça isso. – murmurei. – Não até nossos problemas acabarem.

Ele suspirou, dando-se por vencido.

– E isso me mata, Helena. Nossos problemas nunca irão terminar.

– Você está com Celeste.

Kaus abriu os olhos, e trocou de lugar comigo, pressionando meu corpo contra a fria janela.

– E você está inventando desculpas para não me beijar.

Ri sarcástica.

– Acredite em mim, já tenho problemas demais para aguentar.

Ele se afastou de mim.

– Meu irmão é um deles?

Sua voz parecia afetada com alguma coisa, mas eu não estava no clima para tentar desvendar.

– O que isso quer dizer?

– Você sabe muito bem o que quer dizer. – ele murmurou, arrumando o cabelo com os dedos, e logo depois a jaqueta jeans.

Peguei minhas roupas de ontem e as botas, entrando no banheiro, mas não sem antes dizer:

– Isso é ridículo. Não tenho que dar satisfação para ninguém, e muito menos para você.

Kaus sorriu de leve, mas desta vez ele não alcançou seus olhos verdes e suavemente escuros.

Fechei a porta atrás de mim, me arrumando para enfrentar, o que deveria ser a reunião mais importante de minha vida. Coloquei a roupa e calcei as botas confortáveis, ajeitando a jaqueta de couro ao redor dos ombros. Prendi o cabelo amassado em um rabo de cavalo e não me preocupei em passar nenhuma maquiagem – já que não havia trazido nenhuma – e tinha alguns vestígios de rímel e lápis que se espalhavam por meu rosto de uma maneira disforme.

Tive que inspirar e expirar várias vezes seguidas e repetir mantras que me ajudariam, para conseguir abrir a porta e sair do quarto. Percebi que Kaus não estava em nenhum lugar a ser visto, e parte de mim gritava que aquilo era tudo culpa minha. Mas não era, certo? Eu não lhe devia satisfações de minha vida, e ele praticamente havia insinuado que eu estava vendo seu irmão. Não que fosse uma total mentira, mas era muito estranho ouvir da boca de terceiros tal fato.

Apressei-me para ir de encontro a Ezra que provavelmente estaria soltando fogo pelas ventas pelo meu atraso, e quase tropecei em um homem alto que entrava pela porta da frente. Ele era tão alto quanto Kaus, Polux ou Fitch, tinha um porte atlético e fino. Olhos claros como o dia e um cavanhaque chamativo. Suas feições eram angulosas e ele provocava ondas de medo em meu corpo. Desculpei-me e escapei dali o mais rápido possível, vendo que Ezra já me esperava do lado de fora do carro, olhando para o relógio.

Dei-lhe um aceno e ele pareceu aliviado.

– Vamos? – perguntei.

Ele assentiu e disse alguma coisa ao motorista, que deu partida no carro, nos deixando plantados na frente do hotel.

– Não vamos de carro?

Ezra negou.

– A empresa fica a duas quadras.

Era nítido em minhas feições de que eu estava surpresa. Ezra me ofereceu o braço e ajeitou a própria jaqueta.

– Se me permite. – ele começou.

Sorri de lado e enlacei meu braço com o dele.

– Como é trabalhar em Sleepy Hollow?

A pergunta me pegou de surpresa. Ninguém nunca havia me feito esta pergunta antes.

– Hmm... Na verdade não cobrimos somente uma cidade, estamos sempre em Tarrytown e Sleepy Hollow, já que as duas são bem perto. Mas é relativamente agitado. – ficamos em silêncio por alguns segundos. – Como é trabalhar aqui?

Ezra coçou o queixo provavelmente pensando em que resposta deveria dar, e por fim diz em voz alta e clara.

– É uma das coisas mais assustadoras que já fiz na vida.

– Sério? – desta vez eu estava realmente impressionada.

– Pode acreditar! Sair do conforto nunca foi uma coisa boa para mim, e certamente trabalhar com criaturas deste tipo, é sair completamente de meu conforto. – quando ele disse, fez uma careta de leve.

Tive que dar uma gargalhada, sendo acompanhado por ele.

– Desculpe perguntar, mas porque tem estoques das coisas quebráveis da igreja? Quero dizer, – comecei quando Ezra me olhou parecendo não entender a pergunta. – como vocês sabem que vai acontecer?

Ele sorri.

– Não sabemos, por isso o estoque. Eles são atraídos pelo santo que a igreja demonstra, e temos que estar preparados para qualquer coisa.

– Mas todas aquelas esculturas não são as verdadeiras?

– Não. As verdadeiras foram removidas quando o primeiro ataque aconteceu, há quase 200 anos atrás. – Ezra disse.

Um tremor percorreu meu corpo quando a corrente fria passou por ele.

– Isso é estranho. – murmurei fazendo Ezra rir.

– Eu que o diga, mas é o que temos que fazer para viver. Afinal, nascemos para isso.

Concordei com a cabeça.

– Só queria saber quem é que me passou esse – marquei aspas no ar. – dom.

Ezra deu de ombros.

– Não faz diferença pra mim. Pelo menos não agora.