A Caçada Começa

É azar demais para uma só pessoa


Dei um grito, percebi um livro ir para os ares. Quando voltei a mim, estava esborrachada no chão. Olhei em volta, eu estava na minha biblioteca novamente, meu pufe atrás de mim e o livro que antes jazia em minha mão estava jogado no chão um pouco distante de onde eu estava. Fiquei de pé, confusa com tudo o que havia acontecido. Há menos de dois minutos atrás eu estava sendo perseguida por uma loira psicopata em uma casa de madeira caindo aos pedaços, e agora eu estava de volta em minha biblioteca. Olhei para o relógio da parede. Marcava quase a mesma hora de quando olhei pela última vez, 09h15min da manhã.

- O que foi que aconteceu aqui... – Murmurei enquanto me agachava para pegar o livro que eu deveria estar lendo. Observei sua capa. Aventuras de um século passado. Eu não conseguia processar as informações que estavam diante de mim. Voltei a sentar-me em meu pufe e tentei com as minhas idéias descobrir o que havia acontecido há menos de cinco minutos.

Cinco, dez, vinte, quarenta minutos se passavam e eu ainda estava confusa. Passei a mão em minha testa. Nada havia ali, porém doía. Fiz o mesmo em meu peito, onde eu supostamente havia sido atingida por um canivete.

- Ai – Gemi ao colocar a mão sobre o peito. Mesmo não havendo ferimento eu sentia dor ao tocar e mesmo me locomover. Sentia minhas pernas doloridas. Levantei com dificuldade e deitei-me na minha cama. Eu precisava descansar um pouco.

Estava perturbada. Mesmo depois de tomar um banho e tomar um chá preparado por Anne, eu não conseguia relaxar. Virava-me de um lado para outro em minha cama, mas não conseguia dormir. Olhava na direção da janela, vendo as folhas a balançar com o vento. Eu quase conseguia ouvir o farfalhar das folhas vindo de longe. Trouxe-me uma sensação de paz, então eu finalmente adormeci.

Meu sono foi tão leve que eu mal lembrava do mundo. Estava totalmente desligada. Quando acordei, sentia uma calma e uma paz incrível. Infelizmente toda a minha paz se esvaiu ao olhar para o relógio. Eram 15h45min. Levantei da cama com um pulo e fui correndo comer algo na cozinha. Desesperada, peguei qualquer coisa que encontrei no armário e saí mastigando pela casa enquanto me arrumava para ir ao boliche. Pelo que eu sabia, eu não era a única que havia sido convidada...

Cabelo solto repartido de lado, blusa vermelha de manga comprida, colete xadrez preto e bege, calça jeans azul e all star preto. Ei, eu me visto da maneira que achar melhor, ok? Só um pouco de lápis de olho e eu estava pronta, e bem a tempo de ouvir passos escada acima. Olhei para o relógio que indicava que eu havia me atrasado cinco minutos, e ele também.

Kaio ~

Já eram mais de quatro horas e eu ainda não estava pronto.

- Argh, porque tenho de deixar tudo pra última hora – Praguejei.

Eu convidei Monique para ir comigo até o boliche e havia prometido que a buscaria às 4h30min. Pelo que eu percebia, iria me atrasar. Vesti correndo minha camiseta preta, calça jeans e all star e saí às pressas. Meu cabelo pouco comprido não precisava de muitos ajustes para ficar da maneira que eu queria. E lá fui eu, caminhando até a casa dos Lienn.

Chegando lá eu estava três minutos atrasado.

- Pelo menos não me atrasei muito mais do que isso – Pensei.

Anne permitiu que eu entrasse e informou que Monique estava em seu quarto. Comecei a subir as escadas e ouvi um leve rangido logo acima. Monique estava abrindo a porta.

- Pronta para ir? – Dei um leve sorriso.

- Acho que sim – Suspirou ela, retribuindo o sorriso. Então lá fomos nós, e o que Monique menos esperava era que eu havia convidado muitos amigos e amigas para irem ao boliche. Só espero não surpreendê-la demais.

Caminhávamos até o boliche enquanto conversávamos. Mesmo com sua aparência natural como sempre, eu percebi que ela estava se sentindo incomodada com algo. Não tive coragem de perguntar o motivo.

- Chegamos – Murmurou ela. Olhei disfarçadamente para ela, tentando adivinhar o que pensava. Não consegui adivinhar nada. Entramos.

Foi uma noite muito agradável, Monique estava mais sociável do que o habitual e parecia estar se divertindo muito. Assim voaram cinco curtíssimas horas. Quando olhei para o relógio ele já marcava mais de dez horas da noite. Monique aproximou-se de mim e sussurrou em meu ouvido.

- Acho melhor eu ir embora. Já está ficando tarde.

- Quer que eu vá com você até sua casa? – Sussurrei de volta.

- Não precisa – Sorriu ela – Eu vou sozinha, pode continuar divertindo-se com seus amigos – Disse ela, despedindo-se com um beijo em minha bochecha e indo embora. Pelo menos ela havia se divertido, pelo menos era o que eu pensava. Infelizmente após Monique ir embora, muitos começaram a ir também. Tudo começou a ficar tedioso e então eu também voltei para a minha casa.

Eu estava muito mais cansado do que pensava. Mal consegui tomar um banho e comer algo. Não conseguia me aguentar de pé. Mal deitei na cama e já adormeci.

- Ai que preguiça... – Murmurei ao levantar-me da cama logo cedo. O sol já estava ficando alto no céu, mas eu ainda me sentia cansado. Troquei de roupas, fiz meu café da manhã e comecei a arrumar minhas malas para a minha viajem. Em algumas horas eu iria rever minha madrinha em sua casa de praia. Eu já tinha planos, e assim que eu terminasse de arrumar minhas coisas iria me despedir de meus amigos e amigas.

Eu poderia me dizer um herói por ter conseguido fazer minhas malas em duas horas. Ok, eu exagerei. Deixei todas as malas na cabeceira da cama e caminhei até o lado de fora de minha casa. Eu iria até a casa de alguns amigos e aproveitaria para ir até a casa da Monique e tentar descobrir o que havia acontecendo com ela. Seu comportamento estava muito diferente do comum, e isso é realmente difícil de acontecer. Definitivamente deveria ter algo de muito errado com ela.

Perto do meio dia, meu estômago passou a implorar por comida. Eu estava com tanta fome que resolvi almoçar em um restaurante. Eu havia estado na casa de muito mais pessoas do que havia planejado. Só faltava a Monique.

- Pois bem, aqui vou eu – Murmurei.

Em poucos minutos eu já estava de frente para a casa dela. Anne informou-me que havia encontrado Monique há poucos minutos tocando violino na biblioteca.

- Como se fosse novidade ela estar na biblioteca... – Pensei.

Caminhei silenciosamente até a biblioteca. Abri a porta com cuidado. Eu não ouvia qualquer som, talvez ela não mais estivesse ali. Enquanto entrava e encostava a porta, percebi uma luz vindo de algum lugar da biblioteca. Caminhei depressa na direção da luz.

- Monique... – Sussurrei enquanto a observava segurando um livro. Ele emitia uma luz verde. De onde vinha aquela luz? Fiquei espantado diante daquela situação. Ela estava com os olhos arregalados e parecia assustada. Lentamente virou sua cabeça em minha direção e chamou por meu nome.

- Kaio – Ela forçou a voz que saiu meio estrangulada e rouca. Mal tive tempo de chegar até ela para segurá-la antes que caísse ao chão. Meu coração martelava forte.

- Anne! Kayla! – Gritei o mais forte que podia – Alguém me ajude aqui, por favor! – Implorei.

Pude ouvir os passos desesperados de Anne. Kayla sequer havia se importado. Com a ajuda de Anne, levamos Monique até um sofá próximo. O que havia acontecido com ela? Havia simplesmente desmontado na minha frente...

- O quê... – Disse Monique com a voz seca e rouca. Anne levantou um pouco a cabeça dela e fez com que bebesse um pouco de água.

- Eu preciso... Preciso... – Murmurou ela.

- O que você precisa Monique? – Sussurrei em seu ouvido.

- Preciso... Eu preciso fugir... Fugir – Disse ela tentando falar mais alto. Seus olhos mal se abriam.

- Está tudo bem – Murmurou Anne.

Observei-a por alguns instantes. O que será que deu nela? - Pensei.

Ela fechou os olhos com força durante alguns segundos e finalmente os abriu. Levantou e sentou no sofá, me olhando aterrorizada.

- Pode ir, Anne – Disse ela, parecendo um zumbi. Anne lançou-me um olhar de advertência e foi embora. Quando ela já havia desaparecido, Monique acenou para que eu sentasse-me ao seu lado. Ela segurou minhas mãos com firmeza.

- Eu não sei o que está acontecendo – Suspirou ela. Então, Monique começou a me contar uma história que eu não sabia se conseguia acreditar. Desde um livro maluco até quase ser morta por uma loira psicopata e não saber mais o que fazer. Ela queria que eu encontrasse uma solução para o seu problema, porque ela não conseguia solucioná-lo. Levantei sem dizer uma só palavra, caminhei de um lado à outro, organizando meus pensamentos. Depois de refletir durante algum tempo, voltei a aproximar-me dela.

- Com o que consegui pensar agora – Murmurei – São os livros que criam essas fantasias, e elas não existem. – Dei um suspiro pesado – Tente ficar longe de livros, pelo menos por um tempo, até organizar melhor suas idéias – Apertei sua mão com força. Ela assentiu e voltou a deitar no sofá.

- Tenho de ir. Uma viajem me espera. Não faça nenhuma bobagem até eu retornar, tudo bem? – Despedi-me dela e fui embora, dando uma espiada antes de sair. Ela continuava imóvel no sofá, com a respiração pesada e lenta.

- Como eu queria saber o que se passa pela cabeça dela – Murmurei, e então fui embora.

Monique ~

Posso dizer que aquele dia no boliche foi realmente muito tedioso. Eu forcei-me a tentar demonstrar uma boa impressão para não preocupar meu amigo. Se não fosse por ele, eu jamais teria ficado aquelas longas e cinco horas tediosas lá. Eu definitivamente não sabia jogar boliche. Quando as malditas cinco horas se passaram senti um alívio.

- Acho melhor eu ir embora. Já está ficando tarde. – Sussurrei no ouvido de Kaio.

- Quer que eu vá com você até sua casa? – Ele sussurrou de volta.

- Não precisa – Forcei um sorriso – Eu vou sozinha, pode continuar divertindo-se com seus amigos – Disse-lhe, despedindo-me com um beijo na bochecha dele.

Quando já estava longe do alcance de vista eu corri como o vento. Não via a hora de estar em minha cama, aonde eu pelo menos iria me sentir segura novamente. Eu sentia como se algo maligno estivesse sendo minha sombra. Isso não era bom.

Tomei um banho, vesti meu pijama e fui direto para a minha cama. A cortina levemente aberta banhava o quarto com a luz prateada da lua. Felizmente consegui adormecer rápido.

Graças a minha inteligência, a cortina continuou aberta e logo pela manhã a claridade do sol já batia na minha cara. Virei para o outro lado e continuei na cama por um bom tempo, refletindo sobre a vida. Quando finalmente tive vontade de levantar já passava das nove horas da manhã. Levantei, troquei de roupa, tomei café, peguei meu violino na biblioteca e fiquei tocando em meu quarto enquanto ficava com o computador ligado na intenção de conversar e fazer outras coisas mais. Pelo menos me serviu como distração durante algum tempo.

Depois do almoço a biblioteca parecia ter uma placa de néon piscando, me obrigando a entrar. Abri a porta com cautela e escutei alguns instantes para ver se ninguém estava perto, então entrei. Parecia estar mais silenciosa do que o normal. Caminhei por ela, observando meus livros nas estantes.

- Tantos livros – Murmurei – E pensar que já li quase todos eles. Ultimamente eu havia tocado apenas violino, enquanto meu violão jazia esquecido em um canto na biblioteca. Peguei-o na mão, limpei e toquei alguns minutos. Sorri, eu me sentia bem, o violão parecia transmitir-me boas energias. Por um momento esqueci tudo à minha volta, então eu quis ler. Corri até a pilha de livros novos e escolhi um qualquer. Sentei-me em minha poltrona. Com o simples ato de abrir a primeira página, minhas mãos formigaram, senti um leve choque passar pelo meu corpo.

- Essa não, de novo não... – Praguejei. Tarde demais.

Splash! Eu estava dentro de um rio. O sol estava alto no céu e era muito quente. Do lado que supostamente seria o sul eu podia ver apenas areia, ao lado norte uma cidade erguia-se.

- Antigo Egito – Murmurei. Eu sabia o suficiente para conhecer onde eu estava. Tentei me acalmar, porém em minha tentativa em vão acabei por lembrar que eu deveria estar no Rio Nilo e que nele existiam crocodilos. Desespero tomou conta de mim. Nadei até a margem o mais rápido que podia.

- Não posso aparecer na cidade vestida desta forma – Pensei – Vão pensar que sou uma invasora. Caminhei sorrateiramente até uma “casa” dos arredores da cidade. Tentei ouvir se havia alguém dentro da casa e não ouvi um ruído sequer. Entrei na casa porém fui muito precipitada ao fazê-lo. Mal havia cruzado a porta e vi uma mulher de olhos arregalados me encarando. Tentei fazer sinal para ela se acalmar, porém acabei falando.

- Eu sou muito burra – Murmurei dando um tapa em minha testa. A mulher ficou desesperada e saiu correndo pela porta, me derrubando ao passar. Não era uma boa idéia continuar ali. Peguei um trapo apenas para cobrir minha boca e saí correndo daquele lugar. Como sou ótima em disfarces, logo percebi que estava sendo seguida.

- Droga – Praguejei. Logo adiante avistei uma feira, talvez ali eu conseguisse esconder-me. Péssima idéia novamente. Muitos cidadãos resolveram me seguir. Corri o mais rápido que podia, desviando de casas e pessoas que tentavam me segurar, porém meu fôlego não duraria por muito tempo. Como eu tenho uma sorte imensa, acabei ficando encurralada em frente à casa do faraó. Quando menos esperava, fui segurada de ambos os lados e arrastada para o lado para que o faraó pudesse passar. Quase toda a população estava ao lado de fora, observando ansiosamente pela atitude do faraó.

Ele começou a falar e nada do que disse eu consegui decifrar. Ele fazia caretas, apontava para mim muitas vezes, para as pirâmides e para o céu. Ótimo, eu não precisava ser um gênio para compreender o que eles fariam comigo.

O sol já estava baixando no céu. Fui levada até um lugar que provavelmente era um calabouço e acorrentada na parede. Pelo visto minha noite não seria de um sono muito agradável. Meu cansaço era tanto que eu acabei dormindo quando menos esperava. Acho que seria a última noite de sono.

Barulhos de correntes, pessoas chorando e outras gritando e resmungando. Ainda meio dormindo, fui arrastada para a luz do sol. Deveria ser perto do meio dia. Várias pessoas estavam acorrentadas em uma fileira, e eu era uma delas. Pessoas de várias etnias e com diferentes costumes. Estávamos caminhando na direção de uma pirâmide em construção. Praguejei baixinho.

Em minha mente, pensei que seríamos obrigados a trabalhar para terminar a construção, porém acabei percebendo que era algo bem pior. Meu coração veio à garganta. Eles nos jogariam da pirâmide como oferendas para os deuses. Matariam todas as pessoas acorrentadas. Elas começaram a entrar em pânico e foram açoitadas. Eu não permitiria aquilo. Assim que meu pulso foi solto para eu ser arremessada, golpeei quem me segurava e soltei o máximo de pessoas que consegui. Infelizmente eu esqueci de um, ele tinha uma espada de esgrima na mão. Aproximou-se lentamente de mim com um sorrido zombeteiro e cadavérico. Recuei um passo, dois, três... Ao tentar recuar mais um passo, percebi que já estava na beirada da pirâmide. Engoli em seco e o homem sorriu maldosamente. Tentei avançar porém ele continuou segurando a espada firmemente. Então ele resolveu empurrá-la mais para frente. Num impulso de evitar a espada, recuei mais ainda, fiquei sem equilíbrio e caí em um precipício. Meu coração parecia querer explodir, e o chão estava cada vez mais perto, assim como o meu fim...

Eu estava de pé, com o livro na mão e muito fraca para conseguir manter meu corpo em pé durante muito tempo mais. Ouvi um ranger e um som. Virei minha cabeça na direção do som e mesmo vendo meio desfocado, percebi ser meu amigo Kaio.

- Kaio – Forcei a voz que deveria ter saído horrível. Não consegui mais me manter em pé e desmontei, sentindo algo me segurar antes que atingisse o chão. Ainda me sentia encurralada naquela pirâmide.

- O quê... – Tentei perguntar o que eles queriam, mas minha voz não saiu - Eu preciso... Preciso...

Senti alguém sussurrar em meu ouvido, porém não consegui distinguir as palavras

- Preciso... Eu preciso fugir... Fugir – Tentei dizer mais alto. Eu ouvia vozes ao longe constantemente. Aquilo não podia ser real, eu não poderia ainda estar na pirâmide. Fechei os olhos com força e os abri, revelando a realidade. Meu amigo estava ajoelhado diante de mim e eu estava deitada no sofá da biblioteca. Sentei no sofá e tentei me acalmar.

- Eu não sei o que está acontecendo – Suspirei. Kaio pediu que Anne, a qual estava ali perto, fosse embora. Respirei fundo, e na medida do possível expliquei para meu amigo o que havia acontecido comigo. Ele ouvia atentamente, sem nada dizer.

- Com o que consegui pensar agora – Murmurou ele – São os livros que criam essas fantasias, e elas não existem. – Deu um suspiro pesado – Tente ficar longe de livros, pelo menos por um tempo, até organizar melhor suas idéias – Ele apertou minhas mãos com força e eu assenti e voltei a deitar no sofá.

- Tenho de ir. Uma viajem me espera. Não faça nenhuma bobagem até eu retornar, tudo bem? – Despediu-se de mim e foi embora. Pude ouvi-lo murmurar algo ao longe, mas ele não falou alto o suficiente para que eu pudesse ouvir. Fiquei imóvel, deitada no sofá, tentando me acalmar. Eu precisava ficar calma senão acabaria explodindo. Minha respiração estava pesada e as batidas de meu coração, irregulares.