– Não, não, não! – Eu gritava freneticamente, tapando meus ouvidos e fechando meus olhos. Eu não queria acreditar em tudo o que Victor me contava. Meu coração não queria, enquanto meu cérebro se entregava, achava tudo tão óbvio e verdadeiro. Victor, frustrado, me segurou pelos braços e me levantou do chão.

– Se é assim que você prefere que as coisas aconteçam – Gritou ele – Morra junto de quem você tanto gosta! – E arremessou-me ao encontro de Jesse. Ao bater conta a parede, Victor fez uma jaula soerguer, a qual brilhava fluorescente como as algemas que antes existiam em Jesse. Olhei em volta, minha visão embaçando. Senti um leve toque no meu rosto, e podia ouvir alguém chamando meu nome.

– Monique – Murmurou Jesse, tirando meus cabelos do meu rosto – Você está bem?

Seu toque leve e quente me servia como um calmante. Assenti levemente, e só então lembrei que Jesse estava muito ferido. Tentava lutar contra minhas fraquezas, porém ainda estava zonza. Depois de alguns minutos me debatendo mentalmente, levantei quase num pulo, percebendo que estava anteriormente deitada no colo de Jesse. Senti-me corar.

– Jesse – Suspirei – Você está machucado – Disse enquanto esticava minha mão na direção de seu pulso. Estavam com marcas fundas em ambos.

– Eu estou bem – Mentiu ele, forçando um sorriso. Claro que eu não acreditei.

Até que ele não havia nos prendido em um lugar tão pequeno. As barras continuavam a brilhar de um verde fluorescente. Aproximei-me dela, observando-a. Ela parecia me atrair, quase como se estivesse a sussurrar um chegue mais perto. Estiquei minha mão para tocá-la e...

– Não encoste – Disse Jesse, puxando meu braço e fazendo-o recuar, evitando que eu encostasse nas barras – Não é uma boa idéia – Murmurou ele.

Voltamos a sentar, recostados na parede ao fundo.

– Onde... Onde ele foi?

– Não sei...

– Como vamos sair daqui?

Olhei apreensiva para Jesse. Ele virou-se e minha direção e sussurrou.

– Não se preocupe mi hermosa. Nós vamos conseguir escapar – Curvou-se e beijou levemente na minha bochecha. Eu estava muito nervosa, assustada e exausta. Jesse me obrigou a voltar a deitar no seu colo. Eu tentei contrariar, o que não funciona durante muito tempo quando se tem um cara lindo a sorrir te pedindo um favor. Aaah, não tem como formiga recusar açúcar, não é mesmo? (risos)

Dormi por um tempo indeterminado. Acredito ter sido um bom tempo já que não tive pesadelos para me perturbar. Ao acordar estava nos braços de Jesse. Ele corria a uma velocidade anormal.

– O que... – Murmurei ainda sonolenta.

– Shhh... – Pediu Jesse. Eu ouvia passos ao longe. Olhei em volta, e imediatamentepercebi que não estávamos nos Andes. Talvez em algum deserto.

– Como chegamos até aqui? E... – Acabei por me dar conta da velocidade que Jesse estava correndo - Como... Como consegue correr tanto?

– Explico-lhe mais tarde, hermosa.

Tudo bem, pelo visto ele estava ocupado demais para me explicar qualquer coisa. Ergui-me um pouco e pude avistar o dono dos passos que vinham nos seguindo: Victor. Jesse devia ter encontrado um modo de fugir, mas com certeza Victor não desistiria tão fácil do que ele queria, algo que eu não fazia idéia do que seria.

Estava ficando com muito tédio. Já faziam horas que Jesse corria me levando nos braços, sem eu sequer saber os motivos e muito menos onde estávamos. Recostada em seu peito, prestei atenção e pude ouvir a respiração dele. Seu coração batia em um ritmo mais acelerado do que o normal. Envolvi meus braços no pescoço de Jesse.

A paisagem não mudava muito ao longo do tempo. Quando finalmente consegui trocar algumas palavras com Jesse, ele informou-me que estávamos no Texas. Paramos em um oásis. quando já começava a anoitecer. Alguns truques durante o caminho poderiam manter Victor afastado durante algumas horas, o suficiente para descansarmos. Olhava o céu, os arbustos, a areia levemente varrida pela brisa. Tantos pensamentos, tantas perguntas sem respostas. Meu embaraço mental acabou deixando-me cansada. Fechei os olhos e aproveitei o tempo disponível para dormir.

Ruídos me trouxeram desconforto. A lua estava alta no céu e uma simples fogueira crepitava a alguns metros.

– Jesse – Sussurrei enquanto o procurava. Algo se mexeu à poucos metros de mim. Caminhou até o meu lado, olhou para o céu e respondeu seguido de um leve sorriso.

– Em algum lugar do Texas.

Gesticulei para que ele se sentasse. Me posicionei de frente para Jesse.

Sua expressão era tão clara quanto a de uma estátua, sendo irônica. Indecifrável.

– Acho que lhe devo explicações – Murmurou ele. Assenti.

Ele olhou fundo nos meus olhos, e a única coisa que pude perceber era que seus olhos estavam sem seu brilho natural. Jesse estava triste.

– Victor não é quem você pensa. Há muito tempo...

– Por favor – Interrompi ele – Comece por você.

Ele pareceu hesitar por um instante, porém assentiu. Estava prestes a começar sua complicada e longa explicação, quando subitamente meu coração começou a fraquejar. Fiquei ofegante, meu coração parecia estar sendo esmagado. Jesse segurava meu rosto e olhava em meus olhos, falava comigo, mas eu não conseguia entender o que dizia. Eu estava desesperada, minha visão começou a embaçar. Tentei me acalmar, mas parecia impossível. Tentava controlar os gritos. Comecei a me contorcer e, quando me dei por conta, Jesse havia sumido. Tentava respirar mais rápido do que podia, contraindo a mão sobre o peito, suplicando para que a dor cessasse.

Senti algo quente próximo, minha vista não permitiu que eu enxergasse o que era, mas havia sangue. Meu corpo suplicava por sangue. O monstro estava faminto, estava matando-me. Percebi a circulação do sangue de algo próximo a mim. Assim que tive oportunidade, mordi e suguei o sangue. Usei todas as minhas forças, enquanto percebia que o ser tentava fugir. Estava tão distraída, tão absorta no pensamento de que precisava de sangue para viver, que demorei a perceber que o sangue era humano. Ou quase.

Abri a boca e empurrei para longe. Meu corpo paralisou-se instantaneamente quando eu abri os olhos. O que eu vi? Jesse, com o braço coberto de sangue. Só então percebi que, além de eu estar garantindo a minha vida, estava sugando a de Jesse.

Victor havia construído aquele livro, e agora eu havia compreendido. Ele continha uma maldade, algo ruim que me fazia ser uma máquina assassina sem controle. O monstro dentro de mim apareceu quando eu abri aquele livro, e ele tinha sede por sangue. Se eu não o alimentasse, eu morreria. Acredito que Jesse sabia disso, pois por qual outro motivo ele se sacrificaria de tal forma? Eu estava atordoada. Me arrastei até o seu lado, ele tremia.

– Jesse... Porque... Porque fez isso?

– Faria qualquer coisa por você, hermosa – Sorriu ele. Ainda não sabia o que hermosa significava, mas deixei esse pensamento de lado. Seu braço estava muito ferido, e ele estava fraco. Já estava quase amanhecendo, e não teríamos muito tempo até Victor nos alcançar. Eu não sabia o que fazer.

Rasguei parte de minha camiseta e cuidadosamente enrolei-a no braço direito de Jesse. Eu podia ver claramente as marcas de meus dentes em seu braço. Meus olhos estavam começando a lacrimejar.

– Não se preocupe – Murmurou ele, tirando o cabelo do meu rosto – Eu vou ficar bem.

– Bem... Não acho que valeu a pena ter feito isso, não precisava. Eu... – Minha voz falhou – Poderia ter sido de outra forma...

– Eu não tinha tempo. Você não tinha tempo, eu não podia arriscar. Você poderia morrer.

– Eu não faria falta...

Jesse desviou seu olhar do chão para mim, e acariciou minha bochecha... Com a mão esquerda.

– Você com certeza faria falta.

Senti-me corar. Estava esperando a próxima reação de Jesse quando ouvi ruídos. Ele rapidamente se levantou para olhar em volta.

– O que...

– Shh – Censurou ele. Levantei tentando não fazer barulho, enquanto Jesse tentava identificar o que seriam os ruídos que havíamos escutado. Nada apareceu. Praguejei em silêncio, com raiva do maldito ruído que havia quebrado um possível clima.

– Acho melhor continuarmos nossa viagem. Me sinto incomodado neste lugar.

– Mas você ainda está muito fraco – Protestei – Precisa se recuperar.

– Eu estou bem – Pronunciou Jesse. Deu mais dois passos e quase caiu no chão. Meus reflexos foram mais rápidos – Eu estou bem – Repetiu ele – Vou ficar bem – Murmurou.

– Não... Você não está nada bem. Precisa descansar.

Jesse não me ouviu. Permaneceu calado e continuou caminhando.

Tentei conversar com ele algumas vezes, mas ele mal respondia ou permanecia calado. Ficou pensativo toda a viagem. Implorei para pararmos inúmeras vezes. Jesse só me ouviu quando chegamos perto de uma lagoa. Vi meu reflexo pela primeira vez desde semanas. Meu cabelo estava um pouco bagunçado. Ao aproximar-me da água para poder beber um pouco, não pude deixar de notar que eles estavam com uma cor dourada, não mais azuis.

– Eles vão voltar ao normal – Disse Jesse ao se aproximar de mim.

– Porque estão desta maneira?

– Sangue.

– Hum...

Me lavei da melhor maneira que podia, já para eu tomar um banho decente precisaria tirar as roupas, e eu definitivamente não faria isso, ainda mais com Jesse por perto. Ajudei Jesse a limpar o ferimento do braço e ele logo já estava de pé novamente, incentivando que continuássemos a caminhar.

- Para onde vamos afinal? – Perguntei após algum tempo caminhando. Jesse não me respondeu. Eu queria saber o que se passava pela cabeça dele a ponto de me ignorar completamente. O deserto já havia ficado para trás. Estávamos em uma floresta de pinheiros.

– Acho que você ainda me deve explicações.

Jesse parou de caminhar subitamente e olhou para mim. Finalmente eu havia conseguido sua atenção.

– Tudo bem – Suspirou Jesse, continuando a caminhar.

– Então, o que realmente aconteceu?

– Parte do que Victor lhe contou é real – Começou ele – Eu era sim líder dos Nocturno, mas nós éramos bons cidadãos. Não fazíamos mal a ninguém, e foi justamente este fato que nos levou a sermos condenados – Suspirou ele, olhando para o céu.

Como alguém pode ser condenado por sua bondade? Pensei comigo mesma. Jesse já estava desviando-se do assunto que eu havia pedido explicações.

– Nossa identidade ficava sempre em segredo. Todos pensavam que éramos apenas seres humanos, como qualquer outro. Candor e Nocturno não sabiam um da existência do outro. Tudo não passava de apenas suspeitas. Nossa cidade era protegida por magia, apenas os pertencentes sabiam onde estava e como entrar. Tudo permanecia em perfeita ordem, até o dia em que surgiu o traidor.