Eu nunca havia sentido medo, em toda a minha vida. É um sentimento horrível, que pode corroer qualquer um por dentro. Mas ainda bem que, com ele veio esperança. Que apesar de haver milhares de motivos para o que você estiver fazendo dê errado, ela aparece como uma simples vozinha na sua cabeça... Um “e se” que nos da ideia que você pode sair dessa melhor do que qualquer um.


Mas não foram os anos gastos nos melhores e mais caros colégios da Capital que me ensinaram isso. Foi estar quase morrendo em um jogo que, até ano passado, definia o ponto alto de entretenimento e de diversão de toda a minha família. Não, eu aprendi isso porque participei do último das setenta e seis edições dos Jogos Vorazes.

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–Faltam apenas três tributos, vocês não estão animados? – Os rebeldes gritavam de euforia, um grito que somava a raiva- E voltamos a falar que, nenhum tributo terá a idade menor de 14 anos.

Ela então selecionou mais um nome.

–Daxton Barker. –Falou Enobaria, indiferente. Cada vez em que seus dentes afiados apareciam, não podia deixar de estremecer. Mas foi esse o único movimento que consegui fazer. Tremer de medo. – Senhor Barker?

Todos os olhos se voltaram para mim agora. Era como se eu esperasse que alguém pudesse gritar: “Pegamos você!” e todos caíssem na risada. Convencido de que isso iria acontecer, comecei a rir. O som que saiu não foi bem de uma risada, um choro estava misturado naquele som. Cai de joelhos de medo.

Mas eram só 24 pessoas. De 70 crianças, só vinte e quatro. Porque eu?

Foi quando eu senti o meu corpo sendo carregado para frente. Para o palco. Para a tortura. Já haviam sido sorteadas todas as meninas e faltavam apenas dois meninos.

–Então senhor Barker, alguma palavra antes de sortear os últimos dois?

Eu via no telão a minha cara. Lágrimas escorriam no meu rosto. Minha expressão era a mesma vista em tantos tributos, uma cara que via com o comentário de minha mãe “parece até que eles não desejam isso!” e eu sempre concordava. E foi olhando para o que eu achava serem os olhos dela na multidão que eu a respondo, pela primeira vez, de um jeito diferente:

–Não mãe, eu não vejo como alguém pode desejar isso. – E vou me sentar ao lado de Fynn.

– E após desse esclarecedor comentário – Ela olha para mim como se eu fosse idiota- Continuamos...

Então Kier Wright e Roy Winn são sorteado. Eu conheço os dois. E começo a duvidar seriamente nas minhas chances de sobreviver aos jogos.

– E esses são... –Enobaria olha para nós e volta a sua atenção a população da Capital com um olhar cruel- os tributos que participaram da última edição dos Jogos Vorazes. Parabéns meus queridos. - Então ela respira e fala à frase que, de certa forma, parecia estar pressa na sua garganta. – e que a sorte esteja sempre ao seu lado.

A frase ecoa na minha cabeça. Minha família sempre foi acostumada a usa-la. Ao sair de casa, ao ir no colégios... É uma frase de sorte, para trazer alegria. O que, falado agora, tem outro sentido. Um sentido cruel, que eu nunca pensei que poderia existir.

Foi nesse momento que eu comecei a perceber de verdade, o que realmente era os Jogos Vorazes, e o tanto que eu não queria participar deles.