CAPÍTULO IV - A PROPOSTA

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Sexta-feira havia chegado e junto com ela, um temporal se preparava para cair pela cidade. Era aula de educação física e eu observava os garotos da sala treinarem na quadra do grande ginásio para o campeonato de basquete que se iniciaria no fim do mês, completamente alheia ao que ocorria ao meu redor.

Desde que descobrir sobre o amor de Ian e Mel, eu não sabia bem como me comportar. Eu me sentia envergonhada e entristecida por saber o quanto meus melhores amigos estão sofrendo por minha culpa. Observá-los se distanciar e evitar até os mínimos toques era doloroso.

Suspiro. O que eu deveria fazer nessa situação? Ainda que eu tivesse apoiado Melissa a aceitar seus sentimentos e os de Ian, ela ainda se sentia uma traidora e permanecia distante de meu melhor amigo. Mesmo sendo difícil, eu já havia desistido de meus sentimentos pelo rapaz. Eu tentava ocupar a minha mente com outras coisas, evitar ao máximo em pensar em Ian, mas não era uma tarefa simples esquecer alguém que está há tanto tempo em seu coração. E sendo sincera, eu duvidava bastante que isso fosse acontecer tão cedo.

Talvez esse seja o problema. Mel me conhece melhor do que ninguém. Ela sabe todos os meus segredos e entende meus sentimentos. Assim como eu a conheço tão bem. E é por saber com tanta convicção o que se passa em minha mente que ela prefere desistir de Ian e ter minha amizade do que ficar com ele e acabar sendo a “amiga traíra”. Porque Melissa é assim. Ela prefere abrir mão da própria felicidade para garantir que um amigo seja feliz.

— Jenny. - Ouço a voz suave de Júlia me chamando, enquanto balança meu ombro com delicadeza. Desvio o olhar da quadra de esportes da escola para encarar os olhos esmeraldas brilhantes de minha cunhada. - Você está bem?

Assim como eu, Júlia fazia de tudo para fugir da indesejada aula de educação física, por isso, sempre inventávamos uma desculpa para ficarmos sentadas na arquibancada, observando as meninas jogarem vôlei e os rapazes se dedicarem ao basquete e ao futebol.

Minha cunhada continua a me encarar, como se analisasse a minha alma. Eu me sentia exposta e intimidada pela forma como ela me olhava.

— Eu estou bem. - Digo por fim.

— Eu sei que não está. - Responde, sorrindo fraco. - Jenny, você sabe que pode conversar comigo sobre tudo. Antes de sermos cunhadas, nós somos amigas. O que você me disser, seu irmão nunca irá saber pela minha boca.

O carinho e compreensão com a qual Júlia me encarava me fazia ter vontade de despejar tudo que estava acontecendo comigo. E quando menos espero, passo a explicar desde o meu amor platônico por Ian, a declaração dele a Mel até o momento em que minha melhor amiga me revelou seus sentimentos e a decisão de desistir de seu amor para que eu não me sentisse mal.

Júlia ouvia pacientemente tudo com atenção, balançando a cabeça em concordância vez ou outra. Por fim, ela suspira e sorri compreensiva. Enquanto eu, sentia como se tivesse tirado um grande peso de minhas costas. Eu havia guardado tudo dentro de mim essa semana, sem saber com quem conversar sobre esse assunto. Não era como se eu tivesse muitas opções.

Eu não podia despejar minhas inseguranças sobre Mel. Não fazia sentido algum fazê-la se sentir ainda mais culpada do que já estava. Tampouco poderia conversar com Ian. Isso com certeza estava fora de cogitação. Confessar para seu irmão gêmeo ciumento que você é apaixonada pelo melhor amigo dele e que está sofrendo por esse amor por anos, também não me parece ser uma boa ideia.

E ainda que eu soubesse que Júlia era uma excelente amiga, eu me sentia envergonhada em externar meus sentimentos mais vergonhosos. Por outro lado, agora que eu havia desabafado com minha cunhada, eu me sentia uma tola por ter hesitado por tanto tempo. A ruiva sempre foi minha amiga antes de ser a namorada de meu irmão, além de ser uma pessoa muito gentil e compreensiva.

— Então, resumindo, você desistiu de seu amor por Ian para que ele e Mel ficassem juntos, mas a Mel também desistiu e nesse triângulo amoroso, vocês três estão sofrendo. E você se sente culpada por interferir, ainda que indiretamente, no relacionamento deles. - Encurta Juh, após analisar a minha explicação confusa.

— Você não parece surpresa.

Júlia me encara com um sorriso divertido no rosto. E não consigo evitar ficar corada ao pensar que se até Júlia já havia reparado em meus sentimentos por Ian, então eu não era tão boa assim em esconder meus sentimentos.

— Não. Você não é tão óbvia quanto deve estar pensando. - Responde minha cunhada, parecendo saber exatamente o que se passava em minha cabeça. - Escuta, Jenny. Eu sei que às vezes eu sou meio desligada do mundo e ingênua para muitas coisas, mas eu realmente me preocupo com os meus amigos. Assim como você, eu não sou boa em fazer amizades e me sinto insegura em me aproximar das pessoas, mas consigo ver com clareza quando uma pessoa está apaixonada. E por mais que possa soar cruel, eu não acho que o que você sinta por Ian seja realmente amor. A maneira como você olha para ele é diferente de como ele e Mel se olham.

— Como assim? - Questiono, incrédula com a afirmação de Júlia, até mesmo um pouco magoada por ela duvidar de meus sentimentos.

— Não quero que fique chateada comigo, Jenny, mas sendo sincera, Ian sempre foi muito óbvio quanto ao amor que ele sente pela Melissa. Ele sempre foi completamente apaixonado por ela. Já viu quantas fotos da Mel ele tem no quarto?

Suspiro, decepcionada comigo mesma. Júlia tinha razão. Os sinais sempre estiveram bem de frente aos meus olhos, mas por ser egoísta, eu preferia ignorar. Não havia sido proposital, no entanto, eu ainda precisava consertar o erro que cometi ao interferir no relacionamento de meus melhores amigos.

— E o que eu devo fazer?

O desespero parece sair de maneira evidente em minha pergunta, pois no mesmo instante, Júlia me encara com preocupação e compadecimento. Não era uma situação fácil de se resolver. Não há uma fórmula mágica para que meus sentimentos desapareçam por completo e Mel possa finalmente se convencer de que ela deve lutar pelo amor que sente por Ian.

— Minha mãe sempre me disse que só se supera uma paixão com um grande amor. – Júlia coloca a mão sobre a minha e sorri positiva. – Acho que você deve se permitir amar. Deixar que as pessoas se aproximem. Sair com outros garotos.

Nesse momento começo a ri. Não que a ideia de Júlia fosse absurda. Eu até mesmo acreditava que ela tinha razão. Por outro lado, estamos falando de Jennyfer Moon. Júlia me encara com seriedade, confiante em suas próprias palavras.

— Juju, você deve ter enlouquecido. Olha para mim! – Aponto para mim e começo a ri mais uma vez. – Esqueceu que eu sou a garota desengonçada, tímida, nerd e atrapalhada?

— E qual o problema? Eu também sou! – Retruca a ruiva, cruzando os braços. – E olha só para mim. Estou namorando seu irmão há quase três anos.

— Você é linda e incrível, Juju. E meu irmão foi um idiota que deu muita sorte de ter conseguido conquistar seu coração. Mas eu realmente não levo jeito para flertes e definitivamente, eu não faço o tipo dos garotos. Além disso, você já viu como Josh se comporta quando os caras se aproximam de mim? Como eu poderia sair com outros garotos, se nenhum deles tem coragem de enfrentar meu irmão e morrem de medo de Ian?

Antes que Júlia pudesse argumentar, o apito do treinador soa pelo ginásio, chamando nossa atenção. As equipes deveriam trocar para que os outros alunos pudessem jogar. Josh, Ian e Mel se aproximam de nós com sorrisos animados por finalmente poderem descansar.

— Não pense que você escapou.

A afirmação de minha cunhada deixava claro de que ela não desistiria tão fácil assim de me ajudar com esse assunto. Suspiro, dando de ombros.

— Vocês não irão jogar? – Questiona Mel à Júlia e eu, sentando-se ao meu lado, enquanto tenta regular a respiração pesada. Ian pega a garrafa rosa e uma toalha de rosto que estava ao lado de Júlia e as estende a garota. – Obrigada.

Ian sorri docemente e balança a cabeça, concordando. Minha melhor amiga morde o lábio inferior – uma mania que tem quando está nervosa -, e limpa o pescoço e o rosto antes de beber um gole generoso de água.

— Não. – Digo, dando de ombros, procurando soar o mais natural possível. Agora que eu sabia dos sentimentos dos dois, era difícil eu não notar as pequenas reações de Mel e Ian quando eles interagem. – Eu estou com dor de cabeça.

— E eu estou com dor nas pernas. – Responde Júlia, repetindo os mesmos gestos que eu. Josh ri e nega, enquanto deixa um beijo na testa da namorada. – O que foi?

— Por que simplesmente não dizem que vocês não querem fazer nenhuma atividade física ao invés de inventarem desculpas para nós?

— Nós não queremos fazer atividades físicas. – Falamos Júlia e eu ao mesmo tempo a meu irmão, rindo logo em seguida, acompanhadas de Mel, Ian e Josh.

— Mas, mudando de assunto, acho que temos grandes chances de ganharmos o campeonato desse ano. – Comenta Ian e não demora para que uma conversa sobre a competição se iniciasse.

Sinto como se alguém estivesse me encarando e quando desvio o olhar de meu melhor amigo, encontro os olhos azuis atraentes de Max. Como sempre, ele estava acompanhado do primo e de mais algumas garotas que faltava pouco se esfregarem no rapaz. Indo contra meu comportamento típico, sustento o olhar, sem me intimidar com a forma como era observada, ainda que involuntariamente, eu tivesse prendido minha respiração e minha mente tivesse se desligado do mundo.

Após alguns instantes dessa batalha silenciosa, Max é o primeiro a ceder. Ele se vira para Daniel, que parecia ter chamado a atenção do primo. Eles conversam alguma coisa e, com relutância, Daniel se levanta e começa a caminhar em minha direção, acompanhado de Max, que não se importou em deixar as “amigas” para trás, sem explicação alguma.

— O que foi, Jenny? – Sussurra Mel, colocando a mão sobre o meu ombro. Encaro minha melhor amiga, confusa pela pergunta. – Está tudo bem?

— Nada. – Digo, depois de um tempo, ao notar que era encarada por todos os meus amigos de forma curiosa.

— Oi pessoal. – Cumprimenta Daniel, chamando nossa atenção. Não consigo evitar me surpreender por eles terem chegado tão rápido.

— Oi Daniel. Max. – Ian cumprimenta, sorrindo gentil.

Max apenas balança a cabeça, cumprimentando a todos com um pequeno sorriso ladino. Por algum motivo, aquele pequeno gesto, pareceu mais atraente do que deveria aos meus olhos. Engulo em seco, incomodada com a forma como meu corpo perdia o controle diante dos flamejantes cerúleos de Max.

— Algum problema, Daniel? – Questiona minha melhor amiga. Desvio meu olhar de Max e noto que era encarada de forma nervosa pelo rapaz de óculos.

— Não. Eu só... eu... – Daniel gagueja, parecendo não saber como falar. Max dá uma cotovelada no primo e eles se encaram, quase como se estivessem tendo uma briga por meio dos olhares. Ele então suspira e se vira para mim. – Na verdade, eu queria saber se você quer ir tomar um sorvete comigo quando as aulas acabarem, Jenny.

— O quê?! – Indaga Josh, encarando o garoto, insatisfeito.

— Você está me chamando para sair, Daniel? – Pergunto, apenas para confirmar que eu não estava ouvindo demais.

— Isso. – Concorda Daniel, parecendo cada vez mais nervoso. Eu não o culpava. Meu irmão conseguia ser bem ameaçador quando queria. Júlia dá um tapa no ombro de Josh e ele resmunga. – Você aceita?

— Ela aceita. – Responde Júlia em meu lugar. Arregalo meus olhos e encaro minha cunhada, sem acreditar que ela havia respondido. Ela sorri traquina, como se estivesse me dizendo que essa era a chance que eu queria.

— Júlia! – Josh repreende a namorada, frustrado.

— Deixa de ser chato. Ela só vai tomar um sorvete. E você mesmo disse que o Daniel era muito legal e um ótimo rapaz.

— É, mas não para sair com a minha irmã. – Retruca Josh, com um bico nos lábios assemelhando-se a uma criança de cinco anos.

Mel e Ian observavam a cena com confusão. Encaro brevemente a minha melhor amiga, relembrando das palavras de Júlia sobre se esquecer uma paixão com um novo amor. Talvez ela realmente estivesse certa. Daniel é um rapaz muito gentil e inteligente. Talvez não seja tão ruim assim, eu sair com ele. Quem sabe eu não acabe conseguindo esquecer Ian?

— Tudo bem, Daniel. Eu aceito ir tomar um sorvete com você assim que essa aula de educação física acabar. – Concordo, surpreendendo a todos. Noto um sorriso satisfeito nos lábios de Max e isso me incomoda e ao mesmo tempo, agita algo dentro de mim. Respiro fundo e dou um sorriso nervoso para Daniel.

— Obrigado. – Agradece o rapaz, sorrindo aliviado. Ele se vira para Max e seu sorriso se amplia ao ver o primo, balançar a cabeça e o encarar com orgulho. – Bom, a aula já está quase acabando, então eu vou indo me arrumar. Te vejo no portão de saída da escola. Com licença, pessoal.

— Até mais! – Despede-se Max, acenando antes de sair, acompanhado do primo. Observo eles se afastarem, tentando entender o que havia acabado de acontecer.

E o clima a minha volta se tornou estranho. Com exceção de Júlia, que sabia muito bem o motivo por traz da minha facilidade em aceitar o convite de Daniel, todos os outros me observavam como se eu fosse um alienígena. Respiro fundo e me viro para os quatro com um sorriso nervoso no rosto.

— É, pessoal. Eu tenho um encontro.

[...]

Os alunos caminhavam apressados para longe da escola, ansiosos para aproveitarem o tão aguardado fim de semana. Enquanto isso, eu aguardava por Daniel no portão de entrada e saída, observando o céu nublado e sentindo o vento bagunçar meus cabelos e me causar arrepios. Perdida em pensamentos, apenas noto a presença de Daniel, quando o rapaz já está próximo de mim.

— Desculpa a demora. – Lamenta Daniel, ajeitando os óculos.

— Não tem problema. Eu cheguei tem pouco tempo. – Afirmo, sorrindo levemente. Ele me analisa por um tempo e sorri gentil. – Vamos?

— Claro. – Responde o garoto, apontando para que eu fosse na frente. – Eu pensei em irmos na sorveteria que tem próxima daqui. Não vai demorar a chover e infelizmente, eu ainda não tenho habilitação.

— Tudo bem.

Concordo e começamos a andar em direção ao estabelecimento que ficava a apenas duas ruas abaixo da escola. Estranhamente, era muito fácil conversar com Daniel. Com sua personalidade gentil e atenciosa, conversamos sobre assuntos banais durante o trajeto todo e quando eu menos percebi, já estávamos na sorveteria.

Por ser início do fim de semana, o lugar estava consideravelmente cheio de adolescentes e crianças. Daniel começa a olhar em volta, provavelmente, procurando uma mesa vazia.

— Tem uma mesa vazia ali. – Aponto para uma mesa que estava próxima ao balcão de atendimento.

Daniel olha para a mesa e volta a procurar algo ao nosso redor. Assim que encontra, ele respira fundo e pega com delicadeza em meu pulso. Olho confusa para o rapaz e ele dá um sorriso gentil.

— Vamos para outra mesa. Na verdade, eu preciso conversar com você e é melhor que seja em um lugar mais reservado. – Responde, guiando-me pelo lugar.

Assim que chegamos ao fundo da sorveteria, vejo alguém que não esperava ver naquele momento. Paro de andar no mesmo instante, fazendo com que Daniel também parasse. Ele olha para mim e sorri suplicante, quase como se pedisse para que eu continuasse e não questionasse.

— Eu sei que é estranho meu primo estar aqui, quando eu disse que teríamos um encontro, mas por favor, vamos nos sentar e eu prometo que explico tudo.

Ainda contrariada, suspiro e concordo. Não que eu tivesse algo contra Max, eu apenas não sei como reagir quando estou perto do rapaz. A maneira como ele me olha, me deixa incomodada e me faz agir de uma maneira com a qual não estou acostumada. E o fato dele estar presente no que deveria ser meu encontro com Daniel faz com que eu fique ainda mais nervosa.

— Oi Jenny. – Cumprimenta Max, assim que chegamos a mesa onde ele estava sentado. – Sente-se, por favor.

— Oi Max. – Respondo, desconfiada, fazendo o que ele havia pedido. Daniel se senta ao lado do primo e um clima tenso se instala entre nós. – E então? Por que você está aqui? – Max ergue uma das sobrancelhas e logo noto que eu não havia sido muito gentil. – Quer dizer, não me leve a mal, eu apenas não esperava te encontrar aqui.

— Você parece incomodada. – Comenta o rapaz, tomando um gole de refrigerante.

— Eu diria, surpresa e curiosa. – Respondo e ele balança a cabeça, lentamente, encarando a lata em suas mãos.

Ele estava sério e pensativo. Daniel ao seu lado não parecia muito diferente. Havia uma tensão inexplicável entre nós e a hesitação dos garotos para me explicarem o que estava acontecendo me deixava ainda mais nervosa. Quando eu estava pronta para insistir por respostas, Max levanta o rosto e me encara intensamente.

— Eu vou ir direto ao ponto, porque odeio enrolar. – Daniel engole em seco com as palavras do primo. – Nós precisamos que você finja ser a namorada do Dan.

— O quê? – Questiono, duvidando do que eu havia acabado de ouvir.

— Queremos que seja a namorada de mentira do Daniel. – Repete Max, com a mesma seriedade usada antes. Ele não estava brincando. Eu não havia ouvido errado.

— Mas o quê...

— Eu sei que parece loucura, Jenny. E entendo que esteja confusa e que esse pedido não faz sentido algum, mas nos deixe explicar.

— Certo... – Digo, hesitante.

E assim, Daniel passou a contar o que havia acontecido com ele desde que chegou a Star City. Falou sobre o estágio na empresa da família, do estado de saúde complicado do pai, da exigência do casamento arranjado da avó e como Max teve a ideia absurda de dizer que Daniel estava namorando pela internet e que a namorada dele estudava na Mario High School.

Ironicamente, eles haviam descrito a garota com as mesmas características que as minhas. E por mais que tivessem procurado a semana toda por outras garotas que pudessem se passar por essa garota, eu era a única pessoa que se encaixava no perfil detalhado, o que até fazia sentido eles estarem pedindo para que eu fosse a namorada de mentira. Devido à pressão da família, eles não tiveram outra escolha a não ser marcar um almoço para amanhã para que todos pudessem conhecer a misteriosa Fernanda Freitas.

Por fim, ele respira fundo para recuperar o fôlego e me encara com expectativa. Max permanece me encarando sério, mas ainda era possível ver um brilho de curiosidade em seus olhos. Por outro lado, eu ainda tentava absorver todas as informações.

— Então... certo... eu acho que entendi. – Balbucio, um pouco perdida. Não sabia exatamente como reagir. – O que eu não entendo é o motivo de você ter quer fingir um namoro, Daniel. Você é realmente muito bonito e gentil. Eu tenho certeza de que você poderia namorar qualquer garota que quisesse.

— Obrigado, Jenny. – Agradece o rapaz, ajeitando os óculos, envergonhado. – Bom...sobre isso, nós temos um pequeno problema.

— Problema?

— Para a infelicidade das garotas, o Dan é gay. Muito gay. Bem gay mesmo...

— Ela já entendeu, Max. Obrigado. – Ironiza Daniel, interrompendo o primo. Enquanto isso, eu o encarava surpresa. – Sim, Jenny. Eu não tenho uma namorada, porque eu não me interesso romanticamente por garotas.

— Uau. Por essa eu não esperava. – Sussurro, atordoada com a notícia. Tudo bem que ele era um garoto gentil e exala uma aura diferente se comparada ao de Max. Mas nem dá para competir com o primo mulherengo dele. Por mais que eu deteste admitir, Max exala testosterona. Ele tem o ar viril, badboy. O típico garoto problema.

— Antes que diga que ele deve se assumir, nós já pensamos nessa possibilidade, mas a nossa família é bastante complicada. Além disso, tio Roy não está nada bem de saúde. Jogar essa bomba nele pode piorar o estado dele e fazer a megera da nossa avó obriga-lo de fato a se casar com a Milena.

— Michelle, Max. Michelle Yukai. – Corrige Daniel, como se não fosse a primeira vez que ele trocava o nome da garota. Ele me encara com tristeza e suspira em seguida. – E também não é para sempre. Não é como se eu fosse conseguir esconder minha sexualidade para sempre. Eu apenas não quero ser uma decepção para os meus pais e também não quero me casar com alguém que eu não amo.

Suspiro e me viro para Max, que continuava a me encarar com intensidade. Eu me sentia incomodada e, mais uma vez, preciso me esforçar a desviar o olhar e não me prender por tempo demais em Max. Aquilo era loucura. Não havia possibilidade alguma de alguém como eu conseguir enganar uma família inteira. Eu sou péssima mentindo e estou longe de parecer uma garota tão incrível quanto os primos haviam descrito para a família.

— Desculpe, mas eu não posso ajudar. – Respondo, enfim, levantando da cadeira, pronta para ir embora.

— Por favor, Jenny...

— Desculpe, Daniel, mas eu não sei mentir e por mais que eu queira te ajudar, eu só vou atrapalhar ainda mais a sua situação. Espero que consiga encontrar alguém.

— Isso é impossível. O almoço com a nossa família é amanhã. A megera não vai acreditar que houve um imprevisto e a namorada de Dan não pode ir. Você é a única que conhecemos que se encaixa no perfil que passamos para eles e que pode se passar por Fernanda Freitas. – Argumenta Max, frustrado.

— Sinto muito mesmo. – Respondo, pegando minha mochila. Engulo em seco ao perceber a tristeza e decepção dos dois rapazes.

— Não, Max. Está tudo bem. Desde o início nós sabíamos que isso não daria certo. De qualquer forma, muito obrigado por ter ouvido nossa situação, Jenny. – Responde Daniel, suspirando.

— Boa sorte.

Evitando olhar para Max, afasto-me da mesa e vou em direção a saída. Os primeiros pingos de chuva começam a cair quando estou do lado de fora da sorveteria. Suspiro – o que deveria ser a milésima vez no dia -, e apenas resolvo que era melhor eu me apressar para pegar o ônibus para casa.

No entanto, antes que eu pudesse ir muito longe, a chuva engrossa e praguejo diversas vezes por não ter trago um casaco mais grosso e nem um guarda-chuva como minha mãe sempre me orientava. A rua estava quase vazia e a parada de ônibus ainda estava a uma distância razoável.

E enquanto eu corria o mais rápido possível para uma pessoa completamente sedentária, sem olhar para os lados ou enxergar algo a minha frente devido aos óculos molhado e embaçado, ouço a buzina de um carro que vinha em minha direção e antes que fosse atingida, sinto alguém me puxar para trás. Meu coração bate acelerado e meu corpo inteiro treme devido ao susto. Agarro o braço da pessoa que ainda estava em volta da minha cintura, tentando me manter em pé.

A chuva caia intensamente agora e era quase impossível de ver algo muito longe. A pessoa que me salvou passa a acariciar minha cabeça e a chiar como uma canção de ninar, tentando me acalmar. Aos poucos, minha respiração vai se regulando e finalmente consigo sustentar meu corpo por conta própria. Afasto-me da pessoa e viro-me para conhecer o meu herói.

Incomodada com as lentes embaçadas, retiro meus óculos e prendo minha respiração ao encontrar os olhos azuis flamejantes de Max. Ele me olhava com preocupação e acho que eu nunca vi alguém tão bonito molhado como ele estava naquele momento. Max parece buscar algum sinal de que eu tivesse me machucado e suspira aliviado ao perceber que eu estava bem.

— Ficou louca de atravessar a rua sem olhar para os lados? – Repreende o rapaz, passando a mão pelos fios negros molhados.

— Desculpa. – Sussurro, intimidada. Ele ruge, frustrado e volta a me encarar de maneira mais amena.

— Você está bem?

— Sim. – Respondo, ainda com os ombros um pouco encolhidos pela vergonha.

Max respira fundo e fecha os olhos, parecendo tentar se controlar. Minha mente começa a criar inúmeras perguntas, mas não consigo expor nenhuma delas, então tudo que eu faço é observar cada detalhe do rosto bonito de Max. Como o queixo e o maxilar bem definidos, a barba por fazer e como o azul de seus olhos pode se tornar mais escuro ou mais claro dependendo de suas emoções.

— Você precisa nos ajudar. – Afirma Max, segurando em meu pulso, como se temesse que eu fugisse. Encaro o rapaz, confusa demais para saber do que ele está falando. E somente depois de alguns segundos é que me lembro da proposta de Daniel sobre eu ser sua namorada de mentira. – Eu sei que para você parece bobagem, mas você não conhece nossa família. Minha avó não vai pensar duas vezes antes de obrigar Daniel a se casar. Ela fez isso com os pais dele. Tia Thea e tio Roy não passavam de jovens que nunca se viram na vida quando foram obrigados a se casar apenas para que a empresa tivesse mais lucros.

— Eu....eu não sei, Max. Isso parece arriscado demais. Eu te disse que não sou boa com mentiras. Como eu poderia enganar a sua família?

— Você estará mentindo por um bem maior. Por favor, Jenny. Faça isso por Daniel. Eu não posso deixar que ele seja infeliz e sofra ainda mais nas mãos de nossa família. Ele não merece ter que carregar um fardo tão pesado quanto esse.

Max suspira e me olha quase em súplica. Ele ainda segurava meu pulso e era como se todo meu corpo estivesse em chamas. Minha pele parecia sensível ao seu toque, quase como uma reação alérgica. Eu odiava me sentir tão vulnerável. O que há de errado comigo? Eu nem mesmo conheço Max direito. Tudo que fizemos foi trocar algumas palavras por causa de Daniel. Por que eu me sinto tão atraído por ele, mesmo sabendo que ele é perigoso, que pode me machucar de diversas formas?

Eu deveria me manter distante. Aproximar-me dele é loucura. Há tantos motivos que me alertam e me mostram que Max é o tipo de pessoa com a qual não devo me envolver. No entanto, eu não posso ignorar o fato de tê-lo de frente para mim, demonstrando tanta fragilidade, suplicando para que eu ajudasse seu primo. Daniel também é alguém incrível e é injusto que ele tenha que se esconder e seja obrigado a se casar com alguém que não ama e que ele provavelmente nunca irá amar.

— Tudo bem. Eu aceito ser a namorada de mentira de Daniel. – Concordo e vejo o rosto de Max se iluminar. Eu sentia que iria me arrepender e muito de concordar com essa loucura. Respiro fundo e olho para cima, observado a chuva cair intensamente. – Mas com uma condição.

— Que condição? – Questiona Max, receoso. Volto a encará-lo e puxo meu pulso para que ele me soltasse. O rapaz me encara de forma ansiosa.

— Você não pode dar em cima de mim. Nós podemos ser amigos, mas nada além disso. Então não tente investir em mim e nem me levar para a cama, como você faz com todas as garotas que ver pela frente.

— Eu não faço isso. – Responde, contrariado.

— Faz sim e você sabe disso. Você é um mulherengo, Max. Exala esse ar de que domina o mundo e que pode ter quem você quiser. – Insisto e ele bufa, sem poder argumentar. – De qualquer forma, essa é a minha condição. Eu posso ser a namorada de mentira do Daniel, mas você nunca poderá se aproximar de mim com segundas intenções. Seremos amigos e colegas de classe. Eu não serei mais uma na sua lista de garotas que pegou e jogou fora. Temos um acordo?

Estendo minha mão e Max a encara, parecendo não acreditar em minhas palavras. Por fim, ele bufa mais uma vez, frustrado, e pega em minha mão, firmando o acordo. Nós nos encaramos por alguns instantes, cada um perdido em seu próprio pensamento.

— Tudo bem. Nós temos um acordo. Não é como se eu fosse um primo fura-olho. Eu jamais ficaria com a namorada de meu melhor amigo. – Responde o rapaz com um sorriso cínico em seus lábios. Reviro os olhos diante da falta de seriedade de Max. – Seja bem-vinda a família, Fernanda Freitas. Espero que goste de animais peçonhentos, porque você está prestes a lidar com as cobras de que chamamos de parentes.

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