The One That Got Away
The One That Got Away — Parte II
The One That Got Away — Parte II
Sora caminhava pelas populosas ruas do Reino de Áries com a cabeça abaixada e as mãos dentro dos bolsos da calça comprida preta folgada. Acabara de deixar o consultório, as palavras do cardiologista ressoavam pela sua mente. As consequências de sua vida desregrada, movida a bebedeiras, brigas e sexo estavam batendo na porta. Tinha pouco tempo de vida, seu coração podia simplesmente parar a qualquer segundo. Se a previsão do especialista se realizasse, ele não passaria daquele ano. Um misto de emoções se enfrentavam dentro dele. Sentia, como era de se esperar, raiva, tristeza, indignação, mas, acima de tudo, estava com medo. E nunca pensou que um dia sentiria medo da morte.
A viela de grama e terra pura que ele atravessava nunca pareceu tão longa e espaçosa. A melancolia que dançava em seu coração o fazia ver beleza em tudo. As pessoas nos armazéns, reconhecendo-o como um dos heróis que tantas vezes salvaram o mundo, saudavam-no de longe. Ele erguia a mão para retribuir a gentileza, mas na metade do último aceno parou e guardou a mão no bolso novamente. Isso não pode ser medo da morte, se negava a aceitar, olhando a si mesmo com vergonha. Que tipo de homem tem medo de morrer?, se crucificava. Talvez algum ponto de sua mente estivesse concentrado no fato de que, há poucos anos, ele ganhou uma nova percepção da vida e não poderia praticá-la.
Alguma coisa acertou sua nuca, ele parou de andar e procurou. Só quando olhou para trás encontrou a responsável pelo golpe. Saori. A baixinha catou do chão o jornal que atirou nele, o guardou na sacola que carregava e olhou Sora.
— Você anda rápido demais. — Justificou-se por tê-lo atingido.
— Suas pernas é que são muito curtas. — Caçoou dela, voltando a andar. — E eu não tinha te visto. O que está fazendo por aqui?
— Eu não estava por aqui, te vi entrar no hospital e te segui. — Respondeu. Só depois de contar isso reparou que ele disse que não a tinha visto. — Jura que não me viu? Uau, eu sou boa!
Filha de um dos maiores heróis da história do mundo, Saori tinha apenas dezoito anos e foi praticamente criada pela mãe, já que, quando possuía só oito anos, seu pai deu a vida em batalha para salvar todos os bilhões de vidas que hoje habitavam o planeta. Estava lá nos últimos momentos de vida dele, correu para ele e o abraçou depois que seus amigos, para salvá-lo, avançaram contra o monstro que ele enfrentava. Gritou bem alto por seu pai quando o planeta no qual ele combatia aquele inimigo explodiu.
Dez anos depois, já com vinte e oito anos, Sora ainda se culpava pela morte de Arashi, o pai dela. Maldizia a própria falta de força na ocasião. Por isso, ajudava a menina e a mãe dela no que podia, as protegia. Era amigo delas. Na verdade, as considerava parte de sua família antes da tragédia, mas depois, aproximou-se ainda mais delas e dos outros. Hoje, no entanto, estava com pouco ânimo para brincadeiras. Queria ficar sozinho, pelo menos até arranjar uma maneira de contar aos outros o que ouviu do médico.
— Pra que você me seguiu?
— Essa não é a questão aqui, Sora Raikyuu. — Disse a jovem. Graças ao tom empregado por ela, Sora temeu que ela fosse insistir em tê-lo visto entrar num hospital, mas, para sua sorte, ela não herdou o lado analítico e detalhista do pai, só puxou dele o azul claro dos olhos, o castanho da pele e o negro dos cabelos. — A pergunta que não quer calar é quando você vai dizer pra Yue o que você sente por ela!
O Raikyuu respirou aliviado.
— Já te disse quando. Nunca. E já disse porquê. — Lembrou-a. Levou uma vida promíscua, muitas vezes dormiu no meio de uma estrada de tão bêbado que ficou, desde criança matava homens para sobreviver. Não era digno de Yue. Além disso, ela estava namorando. E mal sabia Saori que hoje, do cardiologista, ele recebeu mais uma razão para não falar nada. Pelo menos ele julgava assim.
— Eu vou jogar a moeda.
— Não.
— Hmm... "Coroa", você conta pra ela.
— Não.
A garota jogou a moeda, mas ele a vaporizou com um raio da ponta do dedo indicador. Saori o olhou de cara feia, ele deu uma risada e continuou andando enquanto ela reclamava da rapidez dele nisso. Assim foram o caminho todo, a morena dizendo-lhe razões para se declarar, ele se limitando a dizer "não", mudando de assunto e, minutos depois, ela voltando na mesma questão. Se fizesse uma ideia de que Saori o encheria tanto com isso, teria mantido seus sentimentos guardados consigo mesmo. Pelo menos conseguiu fazê-lo esquecer que ele morreria em breve.
Em casa, Kin, mãe de Saori, não esperava visitas às quatro da tarde, não achava nem que sua filha fosse chegar naquela hora, então assistia tv sozinha na sala quando Yue apareceu. Ao ouvir as batidas na porta, soltou a longa cabeleira loira e encaracolada, abaixou o volume da televisão com o controle que estava sobre a almofada no meio de suas pernas e deu permissão para quem batia, entrar:
— Chega aí.
Yue entrou e caminhou nervosa até o tapete branco que forrava o piso amadeirado da sala de estar da loira. Estava bem produzida. Usava um vestido vermelho com decote na frente e alças finas, batom vermelho nos lábios e alguns clips para prender acima da orelha os curtos cabelos azuis claros do lado esquerdo da cabeça. Kin, de moletom, não notou logo de cara, mas Yue estava a ponto de ter um ataque de nervos.
Com os olhos na televisão, a loirinha fez um comentário:
— Bonita desse jeito? Aposto que tava com o Kay.
— Aham. — Yue confirmou as suspeitas dela, mas a surpreendeu: — E ele me pediu em casamento!
Kin imediatamente desligou a televisão e dirigiu seus espantados olhos castanhos escuros para a amiga.
— Senta aí. — Afofou com a mão o lado vago do espaçoso sofá vermelho, Yue obedeceu. — Marcaram pra quando?
— Aí é que tá. — Yue olhou rápido as paredes amareladas em volta e completou a resposta: — Eu disse "não".
Kin ficou confusa.
— Mas por quê? Pensei que fosse isso que você queria!
— Eu também! — Falou, com o rosto escondido nas mãos. Jogou os cabelos livres para trás da orelha, deu uma risada nervosa e continuou: — Na hora eu só p-pensava... pensava no Sora. Em tudo o que eu fiz por ele, em tudo o que ele fez por mim. É ele que eu amo. É! É ele!
Kin sorriu, apoiou as costas no sofá e olhou o nada, pensativa.
— Se o Arashi estivesse aqui, eu perderia uma aposta. — Disse. — Ele sempre dizia que vocês dois ou pelo menos um dos dois descobriria que ama o outro antes de completar trinta anos.
Yue deu um empurrão nela.
— E você odeia perder.
— Verdade. — Kin concordou, sentando-se direito. O sorriso em seu rosto se desmanchou. — Sinto tanto a falta dele. Quer meu conselho? Diz pro Sora o que você sente. Ele também te ama, muito, mas não se sente digno de você, por causa da vida que levava. Diz pra ele que isso é besteira, que... enfim. Vocês dois merecem ser felizes!
Yue a abraçou forte. Sempre foi mais amiga de Arashi, tinha com ele uma ligação fraternal, mas após o sacrifício dele, todo esse afeto foi transferido para Kin e Saori. Em nome daquela amizade, sentia-se no dever de protegê-las até com a própria vida, de ajudá-las até não lhe restar mais nada, mas o amor que sentia pelas duas reforçava essa sensação de dever. Devia-lhes tudo o que tinha, o que era. Antes de conhecê-los, estava sem rumo, era uma órfã sem lar em um mundo hostil até para os guerreiros mais poderosos, hoje, graças a aquele grupo, tinha uma família e vivia confortavelmente contra os perigos.
Quando finalmente conseguiu fugir de Saori, Sora encontrou Haru e Naomi na beirada de um lago nos arredores do reino. Os olhos castanhos claros de Haru refletiam a beleza da paisagem, os ventos calmos sacudiam seus cabelos ruivos e espetados e o capuz de sua camiseta preta sem mangas. A seu lado, Naomi, uma bela jovem francesa de cabelos negros compridos, percebera a presença de Sora sem nem ter que olhar para trás. Haru demorou um pouquinho mais para notá-lo.
— Me disseram que era aqui que eu encontraria um ruivo tonto e uma francesa gatinha. — Normalmente Sora cantava Naomi na frente de Yue para testá-la, mas, para não perder o hábito, fez isso longe dela.
— Olha Naomi, o japinha cabeça de vento que estávamos esperando chegou! — Retrucou Haru, sorrindo para ele.
Fizeram silêncio por alguns minutos. Sora parou ao lado de Haru e, contemplando o lago junto a eles, indagou-os:
— Sabia que os acharia aqui. Estão de partida hoje, né?
— É... pros confins da Via Láctea. A União das Doze Terras me convocou. — Disse Haru.
— E eu... não tenho nada a ver com isso, vou pegar uma carona com ele para procurar a minha irmã. — Revelou Naomi.
Sora deu uma risada. Parece que é a última vez que nos vemos, pensou, olhando-os enquanto eles discutiam alguns assuntos. Tentava imaginar uma maneira de contar aos dois que quando voltassem, ele teria sido morto por uma doença, mas nada lhe ocorreu. Não sabia por onde começar e muito menos por onde terminar.
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