Fogo e Gasolina
Cap 7 – UMA VIDA DE LUXO
A duquesa abriu os olhos sobressaltada por um minuto, antes que as lembranças voltassem a sua mente. Eles estavam deitados de lado, o corpo dele amoldado à posição dela. Como ela gostava de acordar nos braços dele! Do lado de fora da janela, o céu começava a mudar de cor, clareando aos poucos nos primeiros raios da manhã.
Ela esticou-se, virando-se para vê-lo.
– Herculano, acorda – falou suavemente.
– Hummm... – as suas feições bronzeadas pelo sol eram inexpressivas, no sono. Os cabelos desfeitos convidavam a serem alisados, o que Ursula fez, sentindo a barba de uns dias por fazer arranhando a palma de sua mão.
– Vamos – persuadiu-o novamente – levanta... vamos nos vestir.
A mão dele deslizou da barriga dela e veio rodear os seios. Ele abriu os olhos e fitou atentamente o rosto dela. Ele inclinou a cabeça e mordiscou o ombro de marfim da duquesa.
– Pra quê a pressa?
Ela sorriu.
– Hoje vamos andar por aí... quero te mostrar todos os encantos dessa cidade – ela curvou o ombro para proteger o pescoço e evitar as mordidas provocativas de irem adiante.
– Sim, mas... – terminou de virá-la, deixando-a inteiramente de costas.
Ela levantou as mãos para empurrar de leve o peito dele quando ele começou a se debruçar por cima dela.
– Mas?
– Mas eu ainda tô mais interessado nos encantos da duquesa – ele tentou beijá-la, mas Ursula se desviou da boca que descia.
– Agora não! – disse sorrindo.
– Agora não? – ele apertou os olhos – se agora não, quando? – desafiou-a. – A duquesa me fez provar do teu veneno pra quê então?
– Meu veneno tem que ser experimentado aos poucos, capitão. – Ela levantou revelando o corpo nu – Vamos. Me acompanha no banho?
O olhar do capitão percorreu toda a silhueta dela em direção a casa de banho que tinha como peça principal uma linda banheira, e sem pensar duas vezes ele a seguiu.
...
PLACE DES VOSGES.
A charrete deixou-os próximo a famosa praça des Vosges. Construída por Henri IV em 1612, é a mais bonita e antiga de Paris. É pequena, com imóveis residenciais de tijolos vermelhos, tetos pontudos de ardósia e, no centro, um jardim com estátuas e fontes. Todos os prédios tem a mesma altura, exceto os pavilhões do Rei e da Rainha.
A duquesa e o seu Rei do Cangaço andavam de braços dados por baixo das arcadas. Em volta, vitrines, cafés e restaurantes. Pequenos raios do sol da manhã invadiam o interior do grande corredor de arcos por onde eles passavam.
– Sabia que um Rei construiu essa praça?
Herculano virou a cabeça e olhou pra ela.
– E pra quê ele queria uma praça? – ele retornou a visão para seus passos à frente.
– Com certeza para andar de mãos dadas com a rainha. – ela sorriu. Olhos faiscando de uma provocação subjetiva - Você não vê como aqui é bonito e agradável de se estar?
Passaram por um homem que, encostado em uma das pilastras, tocava num violino uma melodia tão doce e encantadora, que ouvidos sensíveis teriam vontade de se ater um pouco mais para ouvir aqueles acordes.
O capitão parou a poucos passos de onde vinha a música e encarou a duquesa nos olhos. Segurou as mãos dela, beijando cada uma.
– Eu vejo a duquesa. É tudo que eu vejo e isso basta.
Ela esticou-se na ponta dos pés para ficar um pouco mais à altura dele e o beijou levemente nos lábios. Ele segurou a mão dela e continuaram a caminhada pelos jardins.
...
CATEDRAL DE NOTRE DAME
Fica à beira do rio Sena e começou a ser construída em 1163, na Idade Média, levando 170 anos para ficar pronta. É erguida sobre um templo romano e possui belos vitrais ao fundo.
Úrsula e Herculano pararam na porta suntuosa. Ambos olharam para cima, contemplando as gárgulas e o formato daquela construção majestosa.
– Isso te assusta? – ela perguntou.
– É muito mais alto que as encostas do Sertão e as árvores que cercavam o acampamento.
– Muitos reis e rainhas foram coroados aqui – ela explicou - Eu mesma sonhava em entrar por essa porta quando me casasse com Rei Augusto e... – ela interrompeu suas divagações quando percebeu a reprovação estampada no rosto de Herculano.
Seria ciúmes?
Ela tratou de se corrigir.
– Mas isso foi em outros tempos.
– Outros tempos...? – ele balançou a cabeça raciocinando consigo mesmo - Podemos ir pra um lugar que não tenha reis e rainhas envolvidos?
– Um lugar para os AMANTES? – sugeriu a duquesa.
...
LES DOCKS
– Aqui está bom. Podemos ir andando. – disse a duquesa Úrsula para o chofer que os conduzia por uma ponte, deixando-os nas Docas, nas proximidades do rio Sena.
O capitão parou observando a água correndo e o vento que vinha do leste e eriçava seu cabelo. Tudo naquela terra lhe lembrava o Sertão, não pela semelhança, mas por ser diferente das coisas que estava acostumado. As lembranças de lá voltavam sempre. A duquesa começava a perceber no semblante do seu capitão que algo não ia muito bem, mas mesmo assim ela procurava ignorar essa impressão, distraindo Herculano.
Entraram em um restaurante muito caro localizado alí por perto. A fachada era simples se comparado ao seu interior, cheio de alabastros de cristal que pendiam do teto.
Úrsula colocou um pouco de caviar num biscoito e enfiou-o na boca. O garçom ficou olhando, enquanto ela lambia alguns glóbulos das ovas dispendiosas da ponta dos dedos.
– Muito bom.
– Deseja mais alguma coisa? – indagou ele, afavelmente.
– Hmmm, não, obrigada.
O homem terminou de anotar o pedido, serviu um pouco mais de vinho nas duas taças e se retirou para providenciar a comida.
Herculano estava sentado em frente à Úrsula, os cotovelos na mesa, as mãos esfregando a testa.
– Vamos brindar... – ela sugeriu estendendo a taça.
– A que?
Ele repetiu o gesto da duquesa levantando o copo à altura do dela.
– Nós... Paris... Nossa nova vida de luxo.
– A duquesa nunca vai mudar num é mermu? – ele bebeu o vinho sem fazer o brinde, de uma só vez. Franziu a testa e entortou a boca com o gosto da bebida. Úrsula fechou o cenho, um pouco irritada e largou a taça sobre a mesa.
– Qual o problema? Achei que você estava se divertindo.
– Isso tudo não é pra mim. Essa gente. Essa cidade. As palavras que não entendo. Até essa bebida. Tu num vê que eu não faço parte disso?
– E eu, Herculano? E eu? – ela colocou as duas mãos sobre a toalha branca da mesa, aguardando uma resposta, mas foi interrompida pelo garçom que trazia o almoço – lagosta.
– Merci (Obrigada) – agradeceu a duquesa.
O capitão pegou o garfo e a faca e espetou a casca dura da lagosta, mas desistiu quando viu que não teria sucesso. - O quê é isso?
– Lagosta – disse ela de maneira despretensiosa, como se fora a coisa mais comum.
– Tá vendu? Pode colocar a comida na lista de coisas que eu não acostumo aqui nesse lugar. Um prato de arroz e feijão, bucho de bode ia muito melhor.
– AAAIII Herculano!! – Ursula fez uma careta com as lembranças daquela culinária tão familiar e que faziam parte do cardápio frequente de Dona Cândida.
– Eu falei pra tu que não sei nada sobre essa vida de luxo que tu gosta de levar – ele disse abandonando os talheres de qualquer jeito sobre o prato.
– Tudo bem, meu capitão – ela esticou o braço sobre a mesa e segurou a mão dele – Mas e quanto a mim? Achei que você estava disposto a viver no meu mundo tal qual eu vivi no seu... – ela tentou persuadi-lo com uma voz mais doce.
Herculano se endireitou na cadeira, sentando ereto, tenso. Ela soltou a mão dele e olhou pra baixo, um pouco decepcionada pois antevia o final da história.
– Eu tô aqui com tu, não tô? – ele quebrou o clima estranho que se formou.
A duquesa fixou os olhos nos dele tentando adivinhar o que ia em seus pensamentos. Tinha medo de verbalizar sua dúvida: “até quando?”
...
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